Entrou em vigor nesta quarta-feira (8/7) a lei que assegura o pleno funcionamento, durante a pandemia de Covid-19, de órgãos de atendimento a mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e cidadãos com deficiência vítimas de violência doméstica ou familiar. O texto publicado no Diário Oficial da União, Lei 14.022/20, foi sancionado sem vetos pelo presidente Jair Bolsonaro.
Conforme a lei, o atendimento às vítimas é considerado serviço essencial e não poderá ser interrompido enquanto durar o estado de calamidade pública causado pelo novo coronavírus. Denúncias recebidas nesse período pela Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Ligue 180) ou pelo serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em violência sexual (Disque 100) deverão ser encaminhadas às autoridades em até 48 horas.
Além de obrigar, em todos os casos, o atendimento ágil às demandas que impliquem risco à integridade da mulher, do idoso, da criança e do adolescente, o texto exige que os órgãos de segurança criem canais gratuitos de comunicação interativos para atendimento virtual, acessíveis por celulares e computadores.
O atendimento presencial será obrigatório para casos que possam envolver: feminicídio; lesão corporal grave ou gravíssima; lesão corporal seguida de morte; ameaça praticada com uso de arma de fogo; estupro; crimes sexuais contra menores de 14 anos ou vulneráveis; descumprimento de medidas protetivas; e crimes contra adolescentes e idosos.
Exame de corpo de delito será mantido na pandemia, se necessário com equipes móveis para crimes sexuais
Mesmo diante da pandemia, a lei exige que os institutos médico-legais continuem realizando exames de corpo de delito no caso de violência doméstica e familiar contra mulher; violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência. Os governos poderão criar equipes móveis para atender às vítimas de crimes sexuais.
Medidas protetivas poderão ser acionadas por sistema on line, agilizando a aplicação da Lei Maria da Penha
A nova lei permite que medidas protetivas de urgência possam ser solicitadas por meio de atendimento online. Previstas na Lei Maria da Penha, as medidas protetivas são um conjunto de imposições ao agressor com o objetivo de garantir a integridade da vítima.
As medidas protetivas já em vigor, segundo a lei, serão automaticamente prorrogadas durante todo o período de calamidade pública em território nacional. O ofensor será intimado pelo juiz, ainda que por meios eletrônicos, para ser notificado da prorrogação das medidas.
A nova lei tem origem no texto aprovado no fim de maio pela Câmara dos Deputados, após a análise de mudanças promovidas pelos senadores. O texto sancionado é o substitutivo da deputada Flávia Morais (PDT-GO), que relatou na Câmara o Projeto de Lei 1291/20, da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e de outras 22 integrantes da bancada feminina, de diferentes partidos.
"O aumento da violência doméstica durante este período de pandemia tem nos preocupado e nos provocado a pensar em medidas para garantir a proteção da mulher, em relação à doença e à violência que ocorre dentro de casa", destacou a deputada Natália Bonavides (PT-RN), uma das autoras.
Dados até maio confirmam temores de aumento das agressões e conflitos familiares por conta da quarentena
Coordenador do Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), órgão da Secretaria de Transparência do Senado, Henrique Marques Ribeiro afirmou que os dados disponíveis até maio parecem confirmar a expectativa de aumento da violência doméstica contra mulheres no isolamento social, mesmo que as informações sejam recentes e se limitem a poucos estados e a um período de tempo curto para fazer inferências 100% seguras.
— Os dados parecem corroborar também a expectativa de restrição ao acesso e utilização dos canais tradicionais de atendimento pelas mulheres em situação de violência — afirmou.
Ribeiro citou o estudo conduzido pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA, da sigla em inglês), segundo o qual, durante as medidas de isolamento, haverá aumento médio da ordem de 20% dos casos de violência doméstica em todo o mundo. Em termos globais, significa mais de 15 milhões de casos de violência por parceiro íntimo em 2020, a cada três meses de vigência das medidas de isolamento social.
Para o coordenador, a expectativa de aumento da violência doméstica contra mulheres em períodos de isolamento se baseia, principalmente, na maior exposição da mulher a comportamentos violentos, por parte dos parceiros, potencializados por mais tempo de convivência cotidiana e por tensões psicológicas ou econômicas devido à redução de renda ou ao abuso no consumo de álcool.
Outro problema que pode potencializar o aumento da violência, acrescentou Ribeiro, é a maior dificuldade que a mulher encontra para ter acesso aos serviços de atendimento. Em períodos de isolamento social, afirmou, pode ser mais difícil para a mulher se deslocar a uma delegacia para prestar queixa ou até mesmo fazer uma ligação telefônica ou enviar mensagens para denunciar a violência sofrida. O motivo é o controle maior que o agressor pode exercer sobre os meios de comunicação da vítima.
— A restrição ao acesso a serviços regularmente disponíveis é o que limita a utilização de dados oficiais para avaliar o aumento da violência doméstica em tempos de pandemia. Esses dados oficiais, como ligações, registros de ocorrência ou processos judiciais abertos, são, na verdade, registros de serviços prestados pelo Estado.
Fórum de Segurança Pública detectou acionamento frequente da PM, dia 190, para violência doméstica
Outro estudo citado pelo coordenador do OMV foi realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O levantamento mostra que, na maior parte dos estados que responderam à solicitação de dados, houve um aumento no acionamento da Polícia Militar, via 190, para atendimento de ocorrências relacionadas à violência doméstica no mês de março de 2020, se comparado ao mesmo período do ano anterior.
Por outro lado, acrescentou Ribeiro, foi menor o número de ocorrências policiais relacionadas à violência doméstica nas delegacias de polícia civil no mesmo período. Outro dado trazido pelo levantamento, referente a pesquisa realizada a partir de menções a episódios de violência doméstica no Twitter, revelou que os relatos de brigas de casal com indícios de violência doméstica aumentaram quatro vezes entre fevereiro e abril de 2020.
O coordenador citou ainda reportagem do jornal Folha de São Paulo, a partir de dados da Secretaria de Segurança Pública, que mostrou que o número de mulheres assassinadas dentro de casa no estado de São Paulo quase dobrou durante o isolamento social, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
Fonte: Agência Senado e Agência Câmara de Notícias