A juíza da Terceira Vara Criminal de Niterói, Nearis Carvalho, determinou o recolhimento domiciliar diário das 23 horas às seis da manhã e a colocação de tornozeleira eletrônica na deputada federal Flordelis. A decisão resulta do acolhimento parcial de recurso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). No despacho, a juíza cita o atentado a bomba na casa da testemunha Regiane Ramos Cupti Rabello. Regiane havia informado que Flordelis intimidava o réu Lucas, filho afetivo da deputada. Segundo Regiane, o "atentado" em questão foi uma forma de "passar um recado para Lucas, para que ele calasse a boca e não mais relatasse a verdade", de acordo com ote texto literal do despacho. Ela relatou à Promotoria seu temor em relação à deputada e ao filho Adriano. A bomba jogada no quintal de Regiane visaria intimidá-la e forçar um recuo na confissão de Lucas, a quem é ligada afetivamente, de que comprou a arma usada na execução do padrasto e a entregou a Flávio, indiciado como executor.
A juíza cita indícios de interferência constante da ré Flordelis Vianna no curso do processo, que resultaram na determinação anterior de devolução da carteira de visitante da Secretaria Especial de Administração Penitenciária (Seap), que permitia a ele visitar o filho e corréu Adriano, que a testemunha Regiane afirma temer. No despacho, a magistrada cita as recusas sucessivas da deputada em se apresentar à Corregedoria-Geral da Câmara. Assim, a juíza acolhe por meio de duas medidas cautelares o pedido do MP, dada a 'efetiva dificuldade de localização da ré Flordelis'. De acordo com a juíza, o comportamento de Flordelis impossibilita também a fiscalização do cumprimento da cautelar de proibição de contato da denunciada com corréus (também junto à prisão), testemunhas e com Márcio da Costa Paulo (Márcio "Buba"), Gerson Conceição de Oliveira ("Pastor Gérson"), Gilcinéia Teixeira do Nascimento ("Neinha"), e Lorrane dos Santos Oliveira.
O despacho não implica retrição à atividade parlamentar de Flordelis, amparada por dispositivos de imunidade e foro especial. A juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce considera que o crime investigado foi planejado no âmbito familiar, não tendo relação com a atividade política. Assim, a continuidade no exercício do mandato não geraria prejuizos às investigações nem impediria seu desenvolvimento. Por isso, na eventualidade de sessões que adentrassem a madrugada, ou quaisquer exigências da atividade parlamentar, resultaria suspenso o recolhimento domiciliar adas onze da noite de um dia às seis da manhã do dia seguinte.
A juíza Nearis Carvalho determinou a transferência do réu Adriano para a área do seguro do presídio Bangu I, mesmo admitindo a inconveniência de o réu Flávio, apontado como executor, se encontrar na mesma unidade, o maior complexo penitenciário do Estado, na Zon Oeste do Rio. A magistrada determinou urgência na aposição da tornozeleira de Flordelis Vianna pela Seap e na manifestação do Ministèio Público acerta da conversão em domicialiares das prisões das rés Simoni e Rayane. Essa última tem pendente um pedido de transferência para o Estado de origem, o Rio de Janeiro.
Eis os principais trechos da decisão da juíza da Terceira Vara Criminal em Niterói.
"Foram trazidas aos autos notícias de fatos novos e graves pelo presentante do Parquet, mormente o atentado com artefato explosivo ocorrido na residência da testemunha Regiane Ramos Cupti Rabello, noticiado recentemente pela imprensa. A referida testemunha já havia noticiado no curso do processo 0025139-79.2019.8.19.0002 em trâmite nesta 3ª Vara Criminal, no qual Flávio e Lucas (proc. desmembrado 0065747-22.2019.8.19.0002) foram denunciados pelo delito de homicídio em face do pastor Anderson do Carmo, que a ré Flordelis vinha buscando interferir na busca da verdade real, inclusive intimidando o réu Lucas, seu filho afetivo.
Recentemente, compareceu a testemunha (Regiane) ao cartório deste Juízo, bastante nervosa e temerosa, noticiando fatos gravíssimos conforme certidãode fls. 7687, até mesmo o lançamento de um artefato explosivo em seu quintal, quando, então, fora encaminhada ao Ministério Público, onde narrou detalhadamente perante o Promotor de Justiça seu grande temor, em especial em relação aos réus Flordelis e Adriano. A testemunha afirma acreditar que "a bomba foi jogada em seu quintal para intimidar a depoente" e também para intimidar o réu Lucas, "que poderia sentir-se pressionado a voltar atrás em sua versão para que a depoente não sofresse novos ataques e atentados" diante do forte vínculo afetivo entre ambos. Segundo Regiane, o "atentado" em questão foi uma forma de "passar um recado para Lucas, para que ele calasse a boca e não mais relatasse a verdade".
Certo é que, como salientado pelo MP, no curso do processo em que foram denunciados Lucas e Flavio, houve a determinação deste Juízo de que a ré Flordelis entregasse a carteirinha de visitação do réu Lucas, após ter esta tentado visitá-lo mesmo após a proibição deste Juízo neste sentido em decorrência das notícias de intimidação e falsidade relatadas no curso daquele feito, da qual ciente estavam seus patronos, que até o momento também se encontram constituídos na defesa de seu filho biológico Flavio (processo 0025139-79.2019.8.19.0002). Ou seja, no feito que já tramitava neste Juízo antes do oferecimento da denúncia que ensejou o presente, o comportamento da agora ré Flordelis indicava tentativa de interferência na prova a ser carreada em relação aos mesmos fatos hoje a ela também imputados.
Ademais, também assiste razão ao Ministério Público no que tange ao "quadro de incerteza acerca do paradeiro da ré Flordelis", diante da dificuldade de sua localização não somente para citação/intimação no presente, apesar de inegavelmente já estar ciente das cautelares aplicadas,considerando que seus patronos já haviam devolvido seus passaportes no cartório deste juízo inclusive, como também diante da dificuldade de localização da acusada até mesmo pela Câmara dos Deputados, corroborada pelos links constantes da petição ministerial Assim, impõe-se o acolhimento em parte do pleito formulado pelo I. Promotor de Justiça quanto à monitoração eletrônica e recolhimento domiciliar noturno (ressalvados os atos relacionados à atividade parlamentar - item 35), visando reforçar e impedir que as medidas cautelares anteriormente impostas se tornem ineficazes, evitar indevidas delongas ao trâmite do processo com réus presos inclusive, garantir a plena instrução processual, evitando eventuais interferências ou intimidações de testemunhas, bem como possibilitar a devida fiscalização quanto ao cumprimento das medidas anteriormente impostas.
Acolho para tanto os fundamentos expendidos pelo MP como parte da presente, diante da efetiva dificuldade de localização da ré Flordelis que impossibilita também a fiscalização do cumprimento da cautelar de proibição de contato da denunciada com corréus (também junto à prisão), testemunhas e com Márcio da Costa Paulo (Márcio "Buba"), Gerson Conceição de Oliveira ("Pastor Gérson"), Gilcinéia Teixeira do Nascimento ("Neinha"), e Lorrane dos Santos Oliveira. A
evidenciar ainda mais a necessidade de aplicação das duas cautelares em comento há, ainda, o relato da testemunha Regiane, que teme até mesmo por sua integridade física, sentindo-se ameaçada em especial pela ré Flordelis e seu filho e corréu Adriano.
Quanto ao pleito de suspensão da função pública, entretanto, tendo em conta que os crimes imputados a ré Flordelis não guardam relação direta com a função parlamentar, conforme manifestação prévia do STF no inquérito que precedeu o presente, este não merece acolhida.
A competência deste Juízo para a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão "por autoridade própria", mesmo aquelas que interfiram no exercício do mandato parlamentar da ré Flordelis, não autoriza no caso em tela o afastamento da deputada de suas funções, sob pena de ser aquela extrapolada.
Como restou apurado, os delitos dolosos contra a vida imputados teriam sido planejados e executados dentro do âmbito "familiar" e residencial dos próprios acusados e da vítima, primeiramente por meio de tentativas supostamente praticadas com o uso de veneno e, posteriormente a com emprego de arma de fogo, a princípio a mando da ré Flordelis. Ora, não se vislumbra nos fatos narrados na denúncia, nem nas novas informações trazidas aos autos, o uso da máquina pública ou o efetivo abuso do cargo eletivo para a prática dos crimes imputados, assim como não restou demonstrado que o exercício da função parlamentar possa de alguma forma causar prejuízo à instrução criminal; de forma que inalterados os fundamentos expendidos na decisão anterior, indefiro o pleito ministerial quanto ao afastamento pretendido.
Quanto ao contido no item 36 da peça ministerial, em relação ao réu Adriano, vale registrar o recente pleito defensivo de substituição da prisão preventiva por cautelares, que antecedeu o presente pleito, já fora anteriormente indeferido por esta magistrada, mesmo diante da manifestação favorável do MP à época. Desta forma, a retratação ministerial neste aspecto apenas vem a corroborar a necessidade de acautelamento do referido réu já salientada por este
Juízo no decisum de fls. 7694/7696, em especial para garantia da plena instrução criminal, sem indevidas interferências que possam macular a busca da verdade real; o que se evidencia ainda mais diante dos graves fatos noticiados nos autos, como acima consignado, também em relação a este acusado.
Diante do exposto, DEFIRO EM PARTE o pedido de reconsideração formulado pelo MP, IMPONDO à ré Flordelis as medidas cautelares previstas no artigo 319, incisos IX e V, do CPP, quais sejam, MONITORAÇÃO ELETRÔNICA e RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO, no período de 23:00h às 06:00h, excepcionados os atos relacionados ao exercício do mandato parlamentar e das funções legislativas; sem prejuízo daquelas já aplicadas anteriormente.
Deixo de determinar o encaminhamento o presente decisum para analise junto à Câmara dos Deputados, por não resultar de qualquer das cautelares impostas restrição ao exercício das funções parlamentares da ré Flordelis e, consequentemente, mostrar-se dispensável a respectiva convalidação.
Oficie-se à SEAP para a instalação do aparelho de monitoração com URGÊNCIA.
Dê-se ciência ao MP, à Defesa, e à ré Flordelis.
Intime-se.
2. O assistente de acusação requereu às fls. 7786/7793 a transferência do acusado ADRIANO para a área de seguro do Presídio Bangu I até o término da instrução criminal, bem como fornecimento de cópias das mídias acauteladas no Juízo.
DEFIRO a cópia das mídias acauteladas, devendo o assistente fornecer o pen drive ou HD necessário para tanto.
Quanto ao pedido de transferência do réu Adriano para o Presídio Bangu I, em que pese o corréu Flávio também se encontrar acautelado na referida unidade prisional, DEFIRO o requerido, tendo em consideração as notícias recentemente trazidas aos autos, em especial o termo de declarações da testemunha Regiane junto ao MP, declarando-se bastante temerosa em decorrência de informações relativas ao réu Adriano, evidenciando que o contato deste com terceiras pessoas pode causar efetivo prejuízo à instrução criminal.
3. Ciente da decisão de recambiamento da ré Rayane para este estado, proferida junto à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal. Aguarde-se o cumprimento.
4. Recebo o Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MP, às fls. 7873/7885, posto que tempestivo, nos termos do artigo 586 do CPP.
Forme o cartório o instrumento, com as peças dos autos indicadas pelo Ministério Público, e aquelas previstas no artigo 587 do CPP. Todavia, devido ao desentranhamento de peças, que já retornaram aos autos, devolvo o prazo ao MP para apontar novamente as peças que pretende fazer constar do traslado.
Venham as razões, no prazo de dois dias, na forma do artigo 588 do CPP.
Após, intime-se a ré Flordelis e sua defesa para apresentação as contrarrazões, também no prazo de dois dias.
Em seguida, abra-se conclusão para decisão.
5. Dê-se vista, COM URGÊNCIA, ao Ministério Público acerca dos pedidos apresentados pelas defesas das rés RAYANE (fls. 7675/7680) e SIMONI (fls. 7895/7903), quanto à substituição das respectivas prisões preventivas por prisões domiciliares. Após, voltem IMEDIATAMENTE conclusos.
Niterói, 16/09/2020.
Nearis dos Santos Carvalho Arce - Juiz Titular
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro