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Portadores de hanseníase denunciam a falta de medicamentos no Brasil

OMS cobra ações brasileiras no Dia Mundial do Combate à Hanseníase neste domingo (31)

Por Claudio Rangel em 31/01/2021 às 07:52:21

Hanseníase tem cura se tratada desde cedo. Foto: Arquivo.

A pandemia da covid-19 afeta quem sofre de hanseníase, doença com 312 mil casos no Brasil registrados nos últimos 10 anos e cujo combate é tema da Campanha Janeiro Roxo que tem neste domingo (31) o Dia Mundial do Combate à Hanseníase, data estabelecida pela OMS para promover uma série de ações de alerta ao perigo da falta de medicamentos para o tratamento da doença.

A hanseníase é uma doença milenar, também conhecida como Mal de Hansen ou lepra. É caracterizada por manchas pelo corpo, e a ausência de sensibilidade em partes do corpo. É uma doença degenerativa, estigmatizante, mas o que a torna preocupante é o descaso do poder público com a enfermidade.

A professora portuguesa Alice Cruz é Relatora Especial da ONU sobre a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares. Especialista em Direitos Humanos das Nações Unidas, está no cargo desde 2017 e fala ao Portal Eu, Rio! Que a luta para eliminar os estigmas provocados pela doença já tem meio século.

“O sucesso na luta tem sido muito lento. Estamos em um momento em que a doença tem um impacto significativo em alguns países”.

No Brasil, o grupo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) lançou um vídeo com relatos de pessoas que sofrem da doença e não encontram medicamentos, como Faustino Pinto, vice-coordenador do grupo.

“Falta medicação no Brasil inteiro. O medicamento é doado pela OMS e vem da Índia. Por conta da pandemia, não recebemos o medicamento que dá para apenas um mês. Quem inicia tratamento agora, está sem o remédio”, disse Faustino.

Alice Cruz revela que há relatos de falta de medicação em outros países, sobretudo na África. Outro país que sofre com o desabastecimento é a Nigéria. Porém, a preocupação com o Brasil é significativa. A Relatora diz que o país é o que tem o maior número de casos, em relação à população.

Até este sábado (30), o grupo Morhan, colheu o testemunho de 103 pessoas que sofrem de hanseníase e estão prestes a ficar sem tratamento. Alice Cruz fala da importância da medicação adequada para o combate à doença:

“Se for diagnosticada precocemente e tratada a tempo, a doença pode facilmente ser curada e a pessoa não terá qualquer tipo de incapacidade física. Porém, se a pessoa não for tratada, imediatamente a doença progride e provoca sequelas irreversíveis, como danos nos nervos. Por outro lado, a medicação impede o agravamento da doença”.

Discriminação social

Além da dor, da incapacidade física e problemas diversos, outra consequência grave da falta de tratamento pra a hanseníase é a discriminação, muito forte em outros países. No exterior chegam a criar leis contra as pessoas atingidas pelo mal. Por esse motivo, a ONU criou o cargo ora ocupado por Alice Cruz:

“Mais de 50 países discriminam pessoas atingidas. Elas são segregadas. Há leis que permitem ao cônjuge pedir o divórcio daquele que é atingido pela doença. Em outros locais, esses doentes são proibidos de usar o transporte público. Na escola, crianças vítimas da doença são expulsas. A falta de medicação é uma violação dos direitos humanos”, frisou a professora que lançou uma carta aberta aos governos sobre a doença.

"Os prejuízos físicos causados pela hanseníase são evitáveis com o diagnóstico oportuno e tratamento adequado com MDT. A hanseníase é curável com MDT e uma vez iniciado o tratamento a doença não pode mais ser transmitida. No entanto, critérios duplos nas respostas institucionais à hanseníase e à estigmatização associados à doença são uma barreira para o fim da transmissão. A escassez de MDT está agravando tanto as deficiências quanto a transmissão e vem causando grande sofrimento", diz o trecho da carta aberta.

A hanseníase no Brasil

O Ministério da Saúde deveria disponibilizar medicação aos pacientes de hanseníase. Segundo Alice Cruz, isso não ocorre por várias causas. Entre elas, as falhas e problemas de produção e da distribuição. Isso envolve o laboratório indiano Novartis, principal fornecedor do MDT — remédio usado no tratamento da doença — para o SUS, a pandemia e, em nível internacional, a própria OMS, distribuidora dos medicamentos para os países.

“A gente sabe que muitas coisas foram afetadas pela pandemia. Mas não é o único fator”, explica a relatora da ONU.

A falta de medicação no Brasil é confirmada por Faustino Pinto. Ele é um dos pacientes que esperam pelo produto:

“Não temos produção nacional do medicamento, que são doados pela OMS. Eles chegam da Índia, e por conta da logística em meio a pandemia não recebemos este e medicamento. Cada dose dura no máximo um mês. Quem iniciou tratamento agora está sem o tratamento”.

Para combater a falta do remédio, notada nos últimos três meses, além do vídeo do grupo Morhan que circula nas redes sociais, ações como abaixo-assinado percorrendo o mundo, cursos e palestras sobre o tema tentam mostrar a importância de dar atenção à doença. Apesar de a hanseníase não matar, deixa sequelas dolorosas. Uma grande parte da população chega ao hospital com essas sequelas. A doença tem que ser tratada desde o seu início.

“Tenho trabalhado usando diplomacia silenciosa há vários meses com diferentes partes interessadas e responsáveis”, disse Alice Cruz.

A vida do portador do mal de Hansen

Faustino Pinto, do grupo Morhan, conta que teve a doença aos nove anos de idade, mas os médicos não a identificaram. Só foi diagnosticado com hanseníase aos 18 anos. O otorrinolaringologista que o tratava foi alertado por uma campanha de TV em que uma pessoa botava o braço perto do fogo e nada sentia.

“Tratei por cinco longos anos. Depois tive reações por três anos. E aí fiquei com sequelas. Tenho problemas neurais bastante complicados, não consigo ficar muito tempo em pé. Falta força nos membros. Tomo medicamentos pela questão das sequelas como rinite crônica e problemas nos dedos. Na nossa época nunca houve falta de medicamento. Era um tratamento que tinha certeza de começo e fim. Hoje essa crise não é só por conta da pandemia”.

Faustino explica ainda que a doença é dermatoneurológica e os bacilos perdem a sensibilidade ao frio, ao calor, ao tato e muitas vezes acaba se machucando por não ter sensibilidade nas pernas ou mãos.

“O bacilo destrói a mucosa. É uma doença estigmatizante e causa essas deformidades. Mas se tratada no início não tem problema nenhum. O problema é quando o tratamento começa a ser prejudicado. As pessoas precisam de acompanhamento do serviço de saúde e muitas vezes ficam abandonadas”, disse Faustino Pinto.

Os relatos de doentes de todo o país indicam a gravidade da situação.

“Na verdade, o tratamento envolve quimioterapia e tratamentos alternativos. O paciente vai tomar uma dose e leva uma cartela com medicação para casa. Como está faltando, eles estão sem as duas coisas”, disse.

Depoimentos como o de Faustino estão nas plataformas digitais. O grupo espera que as vozes dos portadores do mal de Hansen sejam ouvidas.

“Esperamos pressionar o governo brasileio para que tome uma atitude. Não estamos sozinhos nessa. Esperamos solução a curto prazo”, disse.


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