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Diversionismo é velha arma da direita para garantir reeleição

Prática consiste em evitar polêmicas e 'afagar' eleitorado

Por Marcello Sigwalt em 12/04/2021 às 18:08:16

Dubiedade presidencial tende a diminuir, à medida que se aproxima embate de 2022. Foto: Divulgação

Uma metralhadora giratória que atira a esmo, mas, ao mesmo tempo, sempre mirando o eleitorado e a reeleição, no ano que vem. Essa pode ser, em resumo, a definição (ou os objetivos) do chamado ‘Efeito Bolsonaro’, comportamento presidencial que se acentuou, nos últimos meses, à medida que a pandemia avançava e fazia mais vítimas no país. Nesse terreno de mortandades, o presidente recorre à velha prática da direita, o chamado ‘diversionismo’, que consiste em promover ataques sistemáticos à imprensa para fugir às questões indesejáveis e urgentes da pandemia ou apresentar respostas factíveis para aos problemas econômicos decorrentes da crise.

Ao mesmo tempo, o presidente procura tranquilizar seu eleitorado, a quem se mostra como a ‘única e fidedigna fonte de informação’. Com esse movimento, o mandatário conseguiu se colocar ainda mais à direita do que os outros líderes mundiais similares, como o ex-presidente americano Donald Trump ou o turco Viktor Orbán, avalia a cientista política e professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCS), Mayra Goulart.


Mayra: "Eleitorado bolsonarista tem dificuldade de contrastar fala presidencial"

No cerne do comportamento ‘diversionista’, segundo Mayra, estaria a “rejeição sistemática a quaisquer mecanismos mais elementares da ciência (médica, física ou biológica), que possam ir contra a opinião, bravatas ou assertivas feitas por aquele que você gosta ou confia (o atual ocupante do Planalto), no sentido de estabelecer uma relação de confiança inabalável com determinada pessoa e uma capacidade de filtrar aquilo que ele fala, sem conhecimento prévio, de pesquisa, de outras fontes, que não a daquele líder”, definiu. Nesse aspecto, a cientista política – que também possui mestrado e doutorado no IESP – entende que a ‘marca registrada’ do eleitorado bolsonarista é a “dificuldade de buscar informações para contrastar o que é dito, sejam informações da ciência ou resultantes de pesquisas de opinião apresentadas pela mídia”.

‘Cortina de fumaça’

A pecha que lhe valeu adjetivos como ‘desequilibrado’, ‘descontrolado’ ou ‘agressivo’ constituem, na verdade, uma estratégia bem estudada, no estilo ‘cortina de fumaça’, que visa desviar a atenção da população para o enfrentamento de problemas cruciais, como o verdadeiro drama nacional, diante vírus mortal – alvo de ironia e humor negro palacianos – que dá lugar a declarações que acalentem correligionários e simpatizantes para sua ‘causa patriótica’ de salvar o país das esquerdas.

Essa postura, todavia, esbarra na leniência governamental em atacar o problema do ponto-de-vista objetivo, ou seja, organizar a sociedade para debelar a pandemia, disponibilizado mais rapidamente os recursos do auxílio emergencial. A cientista política vai além, ao ressaltar que que “essa estratégia de evitar temas polêmicos (esquivando-se daquilo que não se tem capacidade para discutir) tenciona ‘estreitar a pauta’ para falar diretamente à sua base de eleitores, seu núcleo mais radical, para que as atenções não recaiam sobre aquilo que não lhe interessa”. Um exemplo é o conveniente silêncio presidencial sobre as declarações de seu aliado de primeira hora, o deputado Daniel da Silveira (PSL-RJ), após este ter proferido impropérios dirigidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e contra seus ministros.

Hierarquizar é preciso

Comportamento presente, tanto nas classes médias ‘mais letradas’ – quanto em outras, nem tanto – Mayra observa a falta do que chama ‘hierarquização’ de informações, que é a capacidade de o indivíduo atribuir mais credibilidade ou confiabilidade a uma informação, conforme a fonte ou origem. “Me parece que essa camada da população que se afeiçoou com o Bolsonaro, como a de outros países com líderes populistas de direita, que têm, em comum, esse perfil ‘inábil’ para lidar com informações de pesquisas, sejam elas científicas ou de opinião”.

Mais grave do que isso, a doutora entende que o ‘extremismo’ desse eleitorado tem-se acentuado nos últimos anos. “Não há nada análogo na esquerda do que está acontecendo no campo da direita, que está se tornando cada vez mais extrema e com mais seguidores”, aponta. Coordenadora de um programa que acompanha e decodifica discursos eleitorais, desde o tempo da Nova República (1985), Mayra entende que, com Bolsonaro, “estamos mais à direita que do que qualquer momento anterior, desde a redemocratização”, salientando que, no período de 2014-2018, a esquerda se manteve no “centro do espetro ideológico”.

Dubiedade, até quando?

O caráter dúbio da posição política do presidente também é ressaltado pela mestra da UFRJ, uma vez que Bolsonaro, segundo ela, transita entre declarações e afagos à agenda liberal, ao mesmo tempo em que se sente preso a gestos populistas, como a manutenção – indesejada por ele – dos auxílios emergenciais do governo federal. Neste item, ela lembra que, no início da pandemia, a ideia de um auxílio mais robusto teria partido do Congresso Nacional e não do presidente, pois, enquanto o primeiro cogitava uma ajuda de, no mínimo, R$ 600, o segundo só aceitava um valor não superior a R$ 200, patamar atual do benefício.

Mesmo exemplo de dubiedade está presente no trato da economia, de modo geral, uma vez que o presidente não vem conduzindo as questões econômicas, de modo a satisfazer o que é o principal esteio do bolsonarismo, o mercado financeiro. “Sempre que possível, Bolsonaro faz sinalizações ao mercado, mas como tem que ficar de olho em sua popularidade, não consegue se afastar de ações de cunho popular, como o auxílio emergencial, entre outras medidas distributivas”.

Concentração de poder

Outro exemplo do estilo ‘concentrador de poder’ presidencial, de acordo com Mayra, pode ser identificado na própria composição ministerial. “Essa concentração demonstra que não há espaço para representatividade de setores sociais e políticos nos ministérios, de modo a representar visões diferentes. Ao contrário, o que vemos são ministros de muita contiguidade ideológica com o presidente, quase porta-vozes nos ministérios, o que destoa do perfil de indicações ocorridas durante toda a Nova República, as quais visavam, sobretudo, fortalecer o leque de alianças na sociedade e no plano político”, explica.

Articulações atrofiadas

Quanto às negociações com o Congresso Nacional, tendo em vista a aprovação de medidas econômicas e contra a pandemia, Mayra entende haver “falta de interesse na adoção de mecanismos de articulação estável com o Legislativo, não só apenas por meio de indicação do gabinete ministerial, mas via negociações que estabilizassem uma coalizão de apoio ao presidente, para que este passasse sua agenda de forma mais estável”. Em lugar disso, ela destaca que as negociações governamentais com o Parlamento vêm sendo feitas no varejo, ou seja, deputado por deputado, emenda por emenda, a um custo muito maior (para a União, isto é, para o país), além de desprezar a representatividade política dos partidos. Resultado: mais instabilidade nas articulações políticas.

‘2022 na mira’

Sobre o embate eleitoral do ano que vem, a cientista política aposta que o presidente, de olho na reeleição, deverá reforçar o volume de recursos, por meio de auxílios financeiros, repassados à sociedade, de maneira a turbinar sua posição nas pesquisas eleitorais. “Quando vê sua popularidade caindo, Bolsonaro estreita os laços com esses 30% de extremistas (seu eleitorado fiel), fazendo declarações bombásticas e polêmicas na mídia, inclusive, atacando a própria mídia”, reforça. Mais surpreendente ainda, para Mayra, é que, mesmo com o agravamento da pandemia, Bolsonaro não tenha se mobilizado para apresentar à Nação “um programa de estímulo econômico nesse período crítico, mesmo com a popularidade elevada, inclusive, junto a setores da classe média escolarizada”. Diante disso, a mestra admite o risco real de sua reeleição. “O problema é que existe um segmento da população alheio ao problema viral, tanto que não foi refratária às escolhas bizarras e genocidas de Bolsonaro durante a pandemia”, disparou.

A hora do ‘pato manco’

Sobre a hipótese de impeachment, Mayra recorre à tese do ‘pato manco’ (lame duck thesis, em inglês), segundo a qual, caso “o barco do Bolsonaro se esvazie e se construa a tempestade perfeita”, as forças políticas que o apoiam (em especial, o chamado ‘Centrão’) poderão deixar de fazê-lo e passar a defender seu afastamento definitivo. “Mas esse cenário só é viável se a popularidade presidencial cair”, condiciona. Entre os aspectos que poderiam enfraquecer o mandatário, como a virtual queda do ministro da Economia, Paulo Guedes, a cientista política entende que essa possibilidade já estaria bem precificada pelo mercado, que o vê como “alguém incapaz de negociar as reformas no Congresso”. Na sua avaliação, a “economia só não está em queda livre por causa dos auxílios emergenciais e que Guedes é totalmente substituível”. Para ela, “basta chamar outro ‘Chicago Boy’ (menção à escola de Chicago, de tradição liberal) para o seu lugar”, concluiu.

‘Pérolas’ presidenciais em plena crise viral:

“País de maricas”– brasileiro tem que enfrentar a realidade da pandemia.

“Vacina obrigatória só aqui no (cachorro) Faísca” – obrigatoriedade de vacinação.

“Não precisa entrar em pânico” – sobre a suspeita de ter contraído covid-19.

“Cobre do seu governador” – número de brasileiros mortos pelo vírus.

“E daí? ”– recordes diários de mortes pela pandemia.

“Vamos todos morrer um dia”– necessidade de isolamento social e de evitar aglomeração.

“Gripezinha” – sobre o início da pandemia.

“Superdimensionado” – sobre o potencial destrutivo da doença.

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