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Moedas digitais se tornaram alvos prediletos das pirâmides financeiras

Autoridades regulatórias ainda não apresentaram alternativas que interrompam surto de crimes sob o manto do blockchain

Por Marcello Sigwalt em 12/05/2021 às 19:50:02

Associação entre bitcoin e pirâmide só é possível devido ao desconhecimento das vítimas sobre o mercado de criptomoedas (Foto divulgação Livecoins)

Maiores atrativos das criptomoedas no mercado, a segurança e privacidade que caracterizam suas transações se converteram no refúgio preferido para toda sorte de crimes, entre os quais se destaca a pirâmide financeira, que ganhou impulso com a crise sanitária e em tempo de dinheiro curto. Em comum, a fraude consiste na promessa de ganhos rápidos e acima do mercado, que encontram como parceiro perfeito o desconhecimento das vítimas sobre o funcionamento das criptomoedas.

Mas o que mais surpreende, no que toca à prática ilegal e criminosa é o ‘silêncio persistente’, há anos, de órgãos de regulação e controle do mercado, como Banco Central (BC) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não apresentaram, até agora, alguma medida normativa concreta que liquide com o o problema, até agora, sem solução. O que se vê é maior empenho das entidades regulatórias em atingir a taxa de sucesso de seus rebentos digitais: o PIX e o openbanking.

Recorde histórico

Enquanto isso, proliferam os casos ‘piramidais’, envolvendo o mercado de criptomoedas, que têm experimentado – em especial no período recente da pandemia – valorização expressiva. É o caso do bitcoin que, em meados de abril último, bateu recorde histórico, chegando à marca de US$ 63 mil, sendo negociado a R$ 360 mil no país.

A demanda aquecida pelo ativo digital acabou proporcionando o álibi perfeito aos criminosos. É o caso recente da prisão de dois suspeitos em Minas Gerais, envolvendo um esquema de pirâmide financeira que prometia rendimentos superiores a 15% ao mês sobre o valor investido, o que acabou impondo prejuízos a centenas de investidores. Quando a transação envolver ganhos futuros, do tipo ‘juros sobre juros’, é melhor dar meia volta e desistir, aconselham especialistas.

Chamariz perfeito

Nesse caso, como na maior parte das vezes, o chamariz são as criptomoedas, 'vendidas' como fiel para um investimento com garantia jamais comprovada. De acordo com a delegada da Polícia Civil, Monah Zein, que conduziu as investigações, o prejuízo aos crédulos clientes poderá chegar a R$ 700 mil. Num dos imóveis-alvo das diligências, os agentes encontraram cinco carros de luxo, computadores, entre outros objetos de valor. O malogro da iniciativa já estava precificado, uma vez que “quando maior o número de investidores, menos dinheiro havia para pagar a todos”, o que corresponde a um universo de 3 mil lesados.

De modo geral, o ainda pouco conhecido mercado digital abre inúmeras brechas para 'artifícios piramidais', tomando como referência o chamado “esquema ponzi”, que estaria relacionado aos seguintes aspectos: garantia de retornos elevados com riscos baixos; investimentos não registrados; lucros consistentes, independentemente das condições do mercado; estratégia complicada de explicar ou não apresentada, além de ser um tipo de investimento que disponibiliza poucas informações para exame do investidor.

Investimento inexistente

Os esquemas Ponzi são investimentos fraudulentos onde o investidor entrega seu dinheiro a um “gestor” na promessa de um alto retorno, quando, na realidade, não há investimento em ativo algum. Apenas os fundos dos clientes novos são transferidos para os velhos.

Depois que a MicroStrategy anunciou há pouco que pretende passar a pagar seu conselho de administração em bitcoin (após ter investido soma superior a R$ 5 bilhões em criptomoedas), a última declaração mais direta sobre a associação de bitcoin e pirâmide ocorreu com o então presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, que há quatro anos colocou ‘lenha na fogueira’ da discussão, ao declarar que “o bitcoin é um recurso financeiro sem lastro que as pessoas compram porque acreditam que irá apreciar. Essa é uma típica bolha ou pirâmide”.

Na contramão do velho timoneiro da moeda nacional, o analista e sócio da Placeholder Venture Capital, Chris Burniske fez questão de distinguir bitcoin e pirâmide. “Uma coisa é abster-se de adicionar o bitcoin a um portfólio devido à falta de conhecimento na estrutura das criptomoedas e outro a condenar sem fundamento o bitcoin com argumentos não-factuais e declarações ilógicas”, mirando diretamente em Golfajn.

Sem intermediários

Para arrematar, Burniske acrescenta que “bitcoin, por natureza, não pode ser um esquema de ponzi porque é uma rede financeira descentralizada. Goldfajn, ao contrário de outros líderes de bancos centrais no Japão, nos EUA e na Coréia do Sul, demonstrou sua completa falta de conhecimento em bitcoin e incompetência através de uma única declaração”, disparou.

Cavando mais fundo no tema, a conclusão razoável é que o sistema financeiro, de modo geral, talvez tenha lá seus receios sobre o impacto do bitcoin no sistema financeiro, uma vez que o ativo digital tem como vantagem eliminar a necessidade de prestadores de serviços e intermediários de terceiros, no caso, os bancos. Na sua avaliação, uma “condenação sem fundamento e um retrato incorreto do bitcoin apenas incentivarão o público a distanciar-se dos sistemas bancários atuais, que são opacos e não transparentes".

Isolamento estéril

Outra constatação é de que o Brasil está ‘ficando para trás’ no que se refere à adoção do bitcoin, em países desenvolvidos, como EUA, Coréia do Sul e o Japão, onde há demanda crescente por criptomoedas, sobretudo por parte de investidores institucionais, comerciantes de varejo e por consumidores, em geral.

O risco é de o pais ‘ficar isolado’, pois ainda não teve êxito em desenvolver seu próprio aparato regulatório e participar de classes de ativos emergentes. Mas para o investidor Chamath Palihipitiya, o plano de fundo de toda a celeuma é independência do bitcoin, cujo funcionamento não exige aprovação dos bancos centrais e instituições financeiras para ter sucesso.

Ainda alvo de estudos pelos órgãos de regulação, por sua associação com esquemas de pirâmide, o bitcoin chegou a sofrer duas desvalorizações seguidas em 2019, quando sua cotação baixou para R$ 30 mil, em novembro daquele ano. A explicação é que o ardil piramidal acaba ‘despejando’ maior quantidade de bitcoin do mercado, ou seja, a maior oferta derruba o valor do ativo.

'Black Monday'

Conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em março passado, a operação ‘Black Monday’ desmantelou uma organização criminosa, responsável por prejuízos de R$ 60 milhões a mais de 1.500 investidores. De escopo nacional, a quadrilha atuava em 12 estados brasileiros (Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, São Paulo, Paraíba, Bahia, Alagoas, Maranhão, Rondônia, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul).

Nesse caso, como nos demais, foram usados sites para atrair as vítimas (a maior parte, idosos) com promessas de ganhos elevados e rápidos, mediante ‘orientações’ sobre investimento em bitcoins, operação viabilizada por supostos analistas financeiros de corretoras fantasmas. Ironia ou não, uma das corretoras de fachada, a LBLV, tinha como garoto-propaganda o ex-jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, preso por quase seis meses no Paraguai ao tentar entrar no país com documentos falsos, ou seja, praticou crime de estelionato. A operação na LBLV resultou na apreensão de R$ 3,5 milhões, montante equivalente a quatro veículos de luxo, sem contar dinheiro vivo e criptoativos.

Com a multiplicação de casos de pirâmides, usando como engodo o bitcoin, a proliferação da ação criminosa está sendo acompanhada com mais atenção pelo Ministério Público, em especial, por aqueles que aproveitam o momento atual de transição da economia tradicional para a digital (marcada pelo surgimento da criptoeconomia), para transferir valores obtidos de forma ilícita por meio de criptoativos – recurso que serve, ainda, à lavagem de dinheiro – depois apreendidos e colocados sob custódia.

Enquanto o setor público - considerando aqui os três poderes - não avança numa legislação que contenha a escalada de pirâmides, a Suno Search e Picanço Associados resolveram criar um projeto de iniciativa popular que pune crimes relacionados às pirâmides, com a inclusão desse tipo de golpe no Código Penal, de modo a ser passível de multa e prisão. Para que tenha efeito de lei, o projeto precisará contar com a assinatura de 1% dos eleitores do país, de cinco estados diferentes. Procedimento semelhante teve o deputado federal Celso Russomanno, ao protocolar projeto de lei (PL 744/21), que criminaliza a prática pela alteração de tipificação penal. Parentes do parlamentar respondem a processos criminais por esquemas de pirâmide.

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