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Casa Stefan Zweig lança dicionário sobre refugiados do nazifascismo no Brasil, nesta quarta (19)

Espaço dedicado à memória do escritor austríaco funciona na residência que ele viveu com a esposa, em Petrópolis (RJ)

Por Daniel Israel em 19/05/2021 às 00:12:30

Imóvel onde funciona a Casa Stefan Zweig, em Petrópolis (RJ). Crédito: Casa Stefan Zweig.

A Casa Stefan Zweig (CSZ) vai realizar uma live nesta quarta-feira (19), às 16h, para lançar o “Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil”, organizado pelo historiador Israel Beloch e com projeto gráfico de Ruth Freihof. A edição é da 7Letras e tem apoio do BTG Pactual. A obra foi concebida durante a pandemia de covid-19 e reune 300 biografias de homens e mulheres europeus que se refugiaram do nazifascismo e tiveram carreiras de destaque no Brasil, em áreas relacionadas às ciências, artes e produção do conhecimento em geral. O lançamento vai incluir um debate, mediado pela jornalista Kristina Michahelles, integrante da diretoria da Casa, com as participações de Fábio Koifman, historiador e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e do próprio Beloch, presidente da Casa Stefan Zweig.

Localizado em Petrópolis (RJ), onde o casal Stefan e Lotte Zweig viveu de setembro de 1941 a fevereiro de 1942, o imóvel está impregnado da presença de ambos. Ali, foi reconstituído um acervo físico que inclui coleção de livros, vídeos, fotos, documentos, além de objetos pessoais do autor. Comprado por admiradores do austríaco e transformado em casa-museu, o local não exalta apenas ele ou sua memória.

“Porque o [Alberto] Dines, quando fundou a Casa, fez junto o Memorial do Exílio, na linha de que é para homenagear todos aqueles que vieram pra cá, deixaram suas marcas, tendo como figura de proa Stefan Zweig”, afirma Kristina.


Capa do livro. Foto: Divulgação.

Professor do Departamento de Arquivologia da UNIRIO, Igor Gak é historiador e pesquisa a política cultural exterior alemã para o Brasil durante o “Terceiro Reich”. Sobre aquele período, conta o doutor em História pela Universidade Livre de Berlim, “foi possível identificar aspectos ideológicos determinantes para a execução da política para o Brasil”. Ele também cita os casos de algumas pessoas que chegaram ao país em condições semelhantes às de Zweig e Lotte, no ano de 1941.

“Perseguidos pelos efeitos da chamada ‘lei de restauração do funcionalismo público alemão’, de abril de 1933, os professores alemães de origem judaica que foram contratados pela USP, criada em 1934, haviam sido aposentados compulsoriamente ou estavam ameaçados disso. Diante dessa situação, a USP ofereceu um contrato de trabalho, no qual parte do salário seria pago pela instituição e outra, pelo governo alemão. O governo alemão, entretanto, recusou a proposta por não considerar o zoólogo Ernst Bresslau e os químicos Felix Rawitscher e Heinrich Rheinboldt “representantes autorizados” da Alemanha em razão de sua origem judaica”, detalha o professor.

Vários foram os acadêmicos das áreas médicas, judeus e não judeus, que ao fugir da perseguição nazista, ingressaram no Instituto Butantan, fundado em 1899 e mantido pelo Governo de São Paulo, e deram contribuições significativas à instituição. Hoje, o Butantan é uma das únicas instituições que produz, envasa e distribui vacinas contra a covid-19 no Brasil; a outra é a Fiocruz.

Kristina Michahelles lamenta que o arquiteto e urbanista Mario Azevedo, autor do projeto de reforma que deu origem à Casa Stefan Zweig, não estará presente para celebrar mais este lançamento com a marca da CSZ. Azevedo tinha 64 anos quando faleceu de covid-19, na última quarta-feira (12).

“Mas vamos vibrar também, em memória a ele. Quase um ano depois, a gente reabriu no último final de semana. Normalmente, recebemos cerca de 20 pessoas por dia em visitas guiadas exclusivas, além de recepcionar estudantes que vêm com as escolas. Criamos um canal no YouTube por iniciativa do Grupo de Estudos Stefan Zweig, fundado em junho de 2020. Nosso objetivo é ampliar a rede de estudiosos, promovendo a obra e a vida do autor nas universidades através de palestras, concursos”.

Trabalhando como ficcionista, após dois romances que abordam o renascimento de suas personagens em meio à perseguição nazista, a escritora Luize Valente explica que a indignação é o motor da sua escrita a respeito do período. A autora de “Uma praça em Antuérpia” e “Sonata de Auschwitz” diz que usa a literatura para falar sobre intolerância e preconceito.

“Eu me sinto feliz em contribuir para manter esse tema em debate porque tenho alcançado jovens do Ensino Médio e uma parte da população sem contato frequente com o tema. Eu acho que meus livros têm um certo alcance porque me preocupo muito com a pesquisa e o embasamento histórico”.

Stefan Zweig pisou pela primeira vez no Brasil em 1936, quando fez escala a caminho da Argentina. Em uma anotação no diário (disponível no site da Casa que leva seu nome), feita quase 20 dias após o embarque em Southampton, Inglaterra, ele assinala o seguinte:

“Quinta-feira, dia 27. (...) Esqueci ainda a visita ao clube Elite, para onde chamaram, para nós, os melhores músicos negros do Brasil. (...) Chamou-me a atenção o chocalho, um tipo de pepino de metal, “ganzá”, que faz um ruído excitante que seria sem forma, como o vento, não fosse completamente dominado pelo ritmo. Eles são os músicos da macumba, aquelas danças com as quais os negros são levados ao êxtase, a um tipo de transe furioso; motivos antigos são misturados impetuosamente com novos elementos,”.

Assim como a pesquisa realizada pela Casa, que resultou na vasta e diversificada produção documental sobre refugiados e exilados no Brasil durante o nazismo, Igor Gak exemplifica a atuação de pessoas proeminentes em outras áreas do conhecimento. Por exemplo, um comerciante de obras de arte cujo acervo está preservado em Teresópolis, cidade vizinha à da residência onde morou Stefan Zweig.

“Acho relevante citar a atuação de Theodor Heuberger, galerista ligado à Bauhaus. Não era um refugiado, tendo chegado ao Brasil em 1924, por intermédio do cônsul brasileiro em Munique. Em 1931, fundou a Sociedade Pro Arte, no Rio de Janeiro, instituição dedicada à promoção da arte modernista. Heuberger foi perseguido pelas autoridades alemãs em razão de sua ligação com a arte modernista, considerada degenerada pelo regime nazista. Foi capaz de opor forte resistência às intervenções nazistas e, até onde pôde, manteve a Pro Arte independente da infiltração nazista”.

Zweig ficou reconhecido por uma obra que exaltava o humanismo, entre nós mais lembrado por “Brasil, País do Futuro”. Mas, entre 22 e 23 de fevereiro de 1942, ele e Lotte foram tomados por “uma última obrigação”:

“(...) agradecer do mais íntimo a este maravilhoso país, o Brasil, que propiciou a mim e à minha obra tão boa e hospitaleira guarida. (...) justo quando o mundo de minha própria língua se acabou para mim e meu lar espiritual, a Europa, se autoaniquila.
Saúdo todos os meus amigos! Que ainda possam ver a aurora após a longa noite! Eu, demasiado impaciente, vou-me embora antes.”.

Stefan Zweig, na década de 1920. Crédito: Casa Stefan Zweig.

“O tema dos refugiados do nazismo nos ajuda a perceber como uma política de ataque a instituições públicas pode promover a perseguição a indivíduos e ideias cujo efeito prático é a corrosão da democracia”, opina Gak. “No nazismo, a perseguição levou a uma fuga de cérebros e de indivíduos comprometidos com alternativas democráticas. Hoje no Brasil, a falta de incentivo à pesquisa leva muitos estudiosos a buscar desenvolver suas atividades no exterior, o que é um prejuízo enorme para o avanço tecnológico, científico e civilizacional do país”.

“Junto à pesquisa entrevistas que fiz com sobreviventes e as viagens, estive em Auschwitz para tentar passar algo mais sensorial”, explica Luize, que está escrevendo “Confraria das Oliveiras”, sobre a perseguição aos judeus na Inquisição portuguesa, tema que atravessa seu primeiro livro de ficção, “O segredo do oratório”..

Em 2016, estreou no canal Arte1 a série “Canto dos Exilados”, fruto de parceria entre a Telenews e a Riofilme, que conta as vidas de 30 homens e mulheres que se refugiaram no Brasil durante a Segunda Guerra e tiveram destaque em suas áreas de atuação, na promoção das artes e ciências bem como da cultura em geral. No período, entraram no Brasil entre 16 mil e 19 mil refugiados, o segundo país a receber mais pessoas nessas condições, atrás da Argentina. A série foi dirigida pelo jornalista Leonardo Dourado, roteirizada por ele e Kristina Michahelles e narrada pelo também jornalista Alberto Dines, fundador da Casa Stefan Zweig e biógrafo dele.

Serviço

Lançamento do “Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil” (CSZ/7Letras)

Quando: quarta-feira, 19 de maio

Horário: 16:00

Onde: Canal da CSZ no YouTube (Casa Stefan Zweig Digital) – clique aqui para assistir à live

Por Daniel Israel
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