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“Lutaremos por uma política de equidade daquelas maiorias minorizadas”, afirmou em debate a presidenta da Frente Parlamentar da Pequena África

Debate organizado pelo mandato de Thais Ferreira contou com ampla participação da sociedade civil e do poder público

Por Daniel Israel em 25/05/2021 às 23:54:06

Cais do Valongo, tendo ao fundo o Cais da Imperatriz. Crédito: Tomaz Silva / Agência Brasil.

Nesta terça-feira (25), foi realizada a primeira atividade pública da Frente Parlamentar em Defesa da Pequena África. Coordenada pela vereadora Thais Ferreira (PSoL), que preside a Frente, o debate convergiu em torno de diferentes atores que atuam na preservação e promoção da região bem como de seu entorno, além de agentes públicos representando a Prefeitura e o Ministério Público Federal (MPF) e o presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto (CDURP), entidade privada criada no primeiro governo de Eduardo Paes (2009-2016).

Nas palavras do presidente, Gustavo Guerrante, a CDURP é “o órgão a ser acionado em casos de qualquer ocorrência no Cais do Valongo”.

Thais abriu o evento fazendo uma deferência à sua ancestralidade para que este momento fosse possível.

“A gente agradece a todos aqueles e aquelas que vieram antes de nós, atualizando as formas de busca pela liberdade através da política institucional. A Frente Parlamentar é uma ferramenta democrática para que o grupo de agentes políticos interessados em determinada agenda possa atuar de forma coordenada para garantir avanços em políticas públicas”.

A associação desta pauta às políticas públicas foi recorrente ao longo de quase duas horas. Historiadora e coordenadora do Laboratório de Estudos Africanos (LEÁFRICA/UFRJ), Mônica Lima foi uma das autoras do dossiê de candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio Mundial.

“Quando justificou, a gente se assentava nesse entorno e entendia que o sofrimento e a violência fazem parte dessa história, mas a resistência e a afirmação também. E ao longo do tempo, não era apenas o Cais do Valongo no século 19. Houve o compromisso do Estado brasileiro, em especial pela Prefeitura do Rio de Janeiro, que haveria preservação e sinalização da região”, lamenta ela, lembrando que em 9/7 se completarão quatro anos desde que foi dada a largada para esse compromisso ser atendido. “Existem os grupos e as pessoas que residem no local e lutam pra manter esse local vivo. Então, é dessas pessoas, vivas, que estão hoje vivendo enormes dificuldades que também devem ser incorporadas”.

São homens e mulheres cujas histórias de vida e relação com a Pequena África falam por si, representadas por agentes culturais que fazem da memória um exercício contínuo de preservação.

Por exemplo, Shikko Alves, morador da zona portuária. Ele falou sobre o cenário de abandono pelo poder público que culmina no aumento da presença de pessoas em situação de rua, passando por locais como a Central e a R. Uruguaiana.

“Entendi o que é a Pequena África vivendo aqui dentro. Hoje, eu escrevo, falo, desenvolvo projetos sobre o tema em parcerias. Quando fala ou ouve as histórias, a gente centraliza de alguma forma as nossas visões pelo Cais do Valongo, a Pedra do Sal. A gente tem que olhar muito bem onde está o nosso papel de criações da cidade”, destacou o produtor cultural.

Os logradouros citados por Alves fazem parte de um projeto de requalificação da Frente, como citado por Thais na fala inicial, que vai incluir a Praça Tiradentes e a Praça Onze no escopo de atuação.

Apesar das cobranças ao poder público, em especial a Prefeitura, seus representantes não se pronunciaram a respeito. Tanto que Jorge Freire, Coordenador-Executivo de Promoção da Igualdade Racial na CEPIR/RJ, usou o tempo a que tinha direito para exaltar o trabalho que precisa ser liderado pela Frente Parlamentar.

“Impossível pensar em política sem controle social. A gente está falando de racismo estrutural e institucional, sobre memória preta territorial”.

Diretor do Museu de História e Cultura Afro Brasileira (MUHCAB), em fase de implementação, Leandro Santana contou sobre as expectativas em torno desse que ele faz questão de ressaltar que se trata de “um museu do e para o território”.

“Nós temos uma museóloga que está fazendo o processo de higienização de peças. Vamos construir um espaço de exposição permanente pra contar, resgatar o histórico dessa casa”, afirmou ele, que antes era o Centro de Referência da Cultura Afro Brasileira José Bonifácio. “Está em vias de montagem uma sala com o acervo do MUHCAB. Firmamos uma parceria com o Museu Histórico Nacional para o restauro de obras que encontramos em péssimo estado, muitas quebradas. Estamos desenhando como reabrir este espaço no segundo semestre, fazendo ações culturais que sempre aconteceram ali”.

Vice-presidente operacional do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro (Comdedine), Bruno Franco insistiu na importância de ser feita uma interlocução com o mandato da vereadora em torno de legislações aprovadas embora não efetivadas na região, especialmente no Cais do Valongo.

“Eu tenho uma relação com aquela região desde o primeiro farol que nos iluminou, que foi a descoberta das ossadas. O Comdedine vai fazer bate-bola entre resgate histórico e leis que foram feitas para o Cais do Valongo. A gente queria solicitar ao seu mandato alguns requerimentos de informação de como estão essas leis, fizemos audiências públicas ao longo desses 25 anos. A gente luta pelo Cais do Valongo e sua não descaracterização”, disse ele, que fez pelo menos um relato surpreendente para a maioria dos cariocas. “O Mercado São José, em Laranjeiras, foi uma senzala da fazenda da família Guinle. O Alto da Boa Vista que foi reflorestado por escravos. Quando a gente fala do Circuito da Herança Africana, é da cidade como um todo”.

Em nome do MPF-RJ, Jaime Mitropoulos, um dos procuradores da República envolvidos com o tema, destacou o papel complementar exercido pelo órgão com o objetivo de atender às demandas da sociedade civil.

“Fizemos audiências públicas nesse sentido, desde 2018. Fizemos uma recomendação após a audiência [de 12/5] no sentido de reativar o funcionamento do Comitê Gestor da Pequena África. A União e a Prefeitura se comprometeram, através da Unesco, a cuidar daquele patrimônio, e não apenas cumprir de qualquer forma os seus compromissos. A gente tem o papel de verificar como vão cumprir uma construção coletiva da sociedade, afinal o sítio do Cais do Valongo é um bem da humanidade”, explicou, emocionado ao recordar de sua infância entre Estácio, Praça Onze e Rio Comprido. “Os maiores envolvidos são aqueles que estão ligados umbilicalmente a todos aqueles cujos saberes e fazeres nos trouxeram até aqui e ensinaram tanto durante esse caminho”.



Mapa da Pequena África, com alguns dos destaques no seu entorno. Crédito: Jornal da PUC (PUC-Rio).


A também vereadora Tainá de Paula (PT), que preside a Comissão Permanente de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal, corrigiu informação contida na reportagem veiculada pelo Portal Eu, Rio! no último domingo (23). Durante o debate virtual, dentre outras questões, ela disse que o projeto da Prefeitura batizado como “Reviver Centro” não inclui modificações em edificações residenciais da Pequena África.

“Acho que a gente tem uma oportunidade de discussão junto à Frente, sociedade civil, de estabelecer um marco que pode ser histórico para o patrimônio afro-brasileiro. O Porto Maravilha negou em grande medida o financiamento, a preservação e a importância do patrimônio negro carioca, tendo em vista que desde 2017 as remanescências urbanas da região são patrimônio internacional de interesse mundial”, rememorou. “Na minha opinião, houve esse dinheiro, já passou pela cidade, e infelizmente uma posição excludente foi colocada”.

Bisneta de Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata, Gracy Mary Moreira comentou sobre o cenário ao lado de onde funciona o centro cultural à memória da mais famosa tia baiana das primeiras décadas do século 20.

“Não é só fazer as leis, mas garantir que sejam executadas, o fomento pras instituições. Não vejo política em prol disso, eu fico comovida e ao mesmo tempo abalada. A Casa da Tia Ciata está a 50 metros e constata o descaso com o Cais do Valongo e todo o entorno: Praça da Harmonia, Praça dos Estivadores, Largo da Prainha”, detalhou ela. “A gente nota que tem alguma sinalização, como no caso da Casa da Tia Ciata. O turismo étnico ajuda a fomentar o local e, hoje, a gente não tem fomento através de iniciativas próprias por falta também de incentivo”.

Sobre essas e outras reivindicações de melhorias na região, Gustavo Guerrante, da CDURP, salientou que o órgão está “em fase final de discussão da sinalização, com recursos do IDG [Instituto de Desenvolvimento e Gestão]”. O IDG é a empresa responsável pelo tratamento paisagístico e de sinalização do entorno do Cais do Valongo.

“A gente entendeu que era interessante ter um estudo de engenharia mais profundo do que o que havia sido feito aqui na ocasião, por esse motivo está contratando um serviço técnico especializado pra monitoramento. Uma dessas contratações a gente vai fazer numa parceria com a Caixa Econômica, levantamento pra dar solução àquilo que a gente entende como razoável do aspecto de mitigação do problema”, declarou, referindo-se aos recorrentes alagamentos no Cais.

As expectativas que repousam em torno da Frente Parlamentar em Defesa da Pequena África podem ser resumidas nas expectativas de Mãe Celina de Xangô.

“Essa história vai criar limo, como dizia a minha bisa. Vai criar consistência e realizar o nosso sonho de uma Pequena África decente, aos olhos de todo mundo”, esperança ela, que gere há 15 anos o Centro Cultural Pequena África.

A vereadora Thais Ferreira finalizou sua participação e o debate virtual com um chamado à consciência.

“Lutaremos sempre por uma política de equidade que garanta também a priorização daquelas maiorias que foram minorizadas. Esse é o começo do nosso trabalho”.

Outros participantes da reunião remota foram o portuário, pesquisador quilombola e liderança do Quilombo Pedra do Sal, Damião Braga, e o advogado e mestre em Direito, presidente da Comissão Nacional e Estadual da Escravidão Negra da OAB-RJ, Humberto Adami. Outros vereadores presentes ao evento virtual foram Reimont Otoni (PT), Célio Luparelli (DEM) e Celso Costa (Republicanos), todos signatários da criação da Frente Parlamentar em Defesa da Pequena África.

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