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Pessoas trans lutam pelo reconhecimento de suas identidades

Serviço oferecido pelo TJRJ é gratuito e homens entrevistados pela reportagem revelam reações diversas

Por Anderson Madeira em 30/06/2021 às 22:51:51

Fachada do Senado iluminada nas cores do arco-íris, em comemoração ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, na última segunda-feira (28). Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado.

O reconhecimento por parte da sociedade da identidade é muito importante para qualquer pessoa. Para uma trans, é simplesmente tudo. Elas entram na Justiça visando à alteração de documentos pessoais, como RG, carteira de trabalho e até a certidão de nascimento, para terem reconhecido o gênero com o qual se identificam. Para as pessoas trans, é mais importante do que por exemplo uma cirurgia de redesignação sexual (feita na genitália).

O estudante Matheus Henrique Paula Lopes, de 17 anos, conseguiu nesta semana a colocação de seu novo nome na certidão de nascimento. E planeja se apresentar ao Exército.

“Minha certidão já está comigo. Semana que vem busco meu RG e na mesma semana eu já vou me apresentar no Exército obrigatoriamente. Meu intuito é conseguir arrumar um emprego o quanto antes”, conta o rapaz, que entrou com o processo de redesignação sexual há um mês.

Ele está juntando dinheiro para fazer uma cirurgia de mudança de gênero.

“Eu não fiz a cirurgia pra mudança de gênero, nem mesmo a mastectomia ainda. Meu processo, no momento, está sendo os documentos, meu corpo, minha vida, família. Eu não fiz a cirurgia por questão financeira. Se não fosse por isso, seria uma das primeiras coisas que eu faria, antes mesmo de começar a tomar hormônio. Para fazer isso agora, eu teria que pausar o hormônio, então as coisas iam voltar como eram antes. Eu ia ficar sem barba e o peito ia crescer. Eu tiro parte do meu auxílio para poder fazer isso um dia. Eu criei uma vaquinha online pra ver se consigo ajuda de fora, mas é bem difícil viralizar na internet”, relata Matheus.

O rapaz acrescenta que sempre se sentiu um homem e que para poder ser ele mesmo, enfrentou barreiras.

“Eu nunca me senti uma mulher. Eu cresci na igreja, e pra mim foi a pior fase. Eu era obrigado a cantar, participar de todas as atividades, fazer parte da Santa Ceia, ser batizado e aceitar Jesus como meu único salvador. Eu apanhava quando rejeitava tudo isso, já cansei de chegar na igreja com os olhos vermelhos de choro e manter a pose lá pra ninguém saber que era tudo por pura obrigação. Eu bati o pé e disse que não ia mais viver na mentira. Já me apresentava para as pessoas do ensino médio como Matheus. Eu sempre gostei desse nome. Foi difícil, dolorido, triste no começo. A transfobia mata sem precisar tocar na gente. Só pelo fato de me olharem, verem meu rosto cheio de pelo e minha voz grossa e mesmo assim me chamarem de “ela”, é um insulto a tudo que eu luto pra ser. Eu respeito todos e o respeito não volta pra mim”, desabafa Matheus.

O estudante Matheus Henrique, com a nova certidão de nascimento. Foto: Acervo pessoal.

Ele ainda sofre preconceito por ser negro e favelado.

“Inúmeras vezes sou parado por PM na rua e esculachado. Já quase me bateram na saída da Ilha do Governador, na frente do meu irmão mais novo, por nada e pra nada. Eu vivo pra ser feliz, mas a sociedade me silencia de uma forma absurda ao ponto de me negarem trabalho”, reclama.

Embora tenha recebido o apoio dos amigos quando, há três meses, comunicou a mudança de gênero, enfrentou rejeição por parte da família.

“Minha mãe me expulsou de casa na primeira oportunidade que teve. Meu pai está se reaproximando e meus avós acham que eu sou um demônio. Moro com a minha namorada no Complexo da Maré”, relata Matheus, que é o mais velho de seis filhos. Três dos irmãos o aceitam. “A sensação que tenho é que eu sou grato pelos meus irmãos e por eles me ouvirem falar das coisas que são importantes pra mim. Eu tenho medo de morrer a qualquer momento, mas só de morrer como homem transexual pra mim já é grande passo”, afirma, acrescentando que sonha em ser ator.

O esteticista Samuel Augusto Mello Seixas, de 21 anos, também conseguiu a mudança na certidão de nascimento e vai pegar o documento no dia 14 de julho, após ter entrado com a ação há um mês e meio.

“Eu fui primeiro na Fiocruz, que separou os meus documentos. O pessoal do gabinete do juiz me deu um prazo de um mês e meio para buscar a sentença dele. Me ligaram pouco antes de um mês, fiquei feliz. Foi bem rápido, comparado às outras histórias que escuto. O juiz exigiu a gratuidade de todos os meus documentos, como RG, CPF, carteira de trabalho e certidão de nascimento”, relata.

Samuel não pensa em fazer cirurgia de mudança de sexo.

“A cirurgia não é mais necessária. Até pouco tempo atrás, a cirurgia era obrigatória para poder fazer a mudança na documentação. Não necessariamente eu preciso ter um pênis para ser homem. Só na retirada dos seios, a mamoplastia. Eu tenho uma vaquinha online para arrecadar dinheiro para a cirurgia. A fila no SUS é muito grande e demora anos para chamar, quando chama. Infelizmente, o SUS não tem esse suporte tão eficiente nas cirurgias de mamoplastia”, justifica o rapaz, que afirma ser bissexual.

“Eu sou a favor de as pessoas serem livres e fazerem o que bem entender. Eu prefiro nem me rotular, na verdade. Se eu gostar de alguém, e essa pessoa também, não acho que tenha que haver algum tabu em cima disso”, declara.

Ele conta com o apoio da família.

“Minha mãe me apoia, graças a Deus. Meu pai foi um processo mais demorado por uma questão de religião. Mas, hoje em dia, ele tem uma cabeça muito aberta. Até corrige as pessoas, me aceita. Somos melhores amigos. Os amigos nem se fala. Os que eu tenho hoje super apoiam, me amam, defendem, independente de qualquer coisa. Meus avós não conseguem digerir isso. Mas nem fico impondo nada para eles, são muito velhinhos. Não me destratam, me respeitam, demonstram amor por mim”, comemora.

O esteticista Samuel Seixas, de 21 anos. Foto: Acervo pessoal.

“Eu tenho a minha mãe biológica, que é lésbica, é casada com a minha outra mãe, que é bissexual. Eu tenho um irmão mais velho que é gay e eu sou trans. Minha mãe participa do grupo Mães pela Diversidade, que tem no Brasil inteiro. É ativista. Eu procuro usar destes meus privilégios para ajudar quem não tem. Apoiar, acolher”, conta Samuel.

Nos últimos três anos, a partir de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) expediu 1.050 sentenças de redesignação sexual – com todos os pedidos realizados de forma gratuita. O documento, além de permitir mais segurança aos autores das ações, minimiza constrangimentos comuns no dia a dia dessas pessoas.

Foi no ano de 2018 que o STF decidiu autorizar transexuais e transgêneros a alterarem nome e gênero no registro civil, independente de terem se submetido ou não à cirurgia de redesignação sexual. O reconhecimento se dá apenas pela autodeclaração do solicitante.

Para mais informações sobre esse serviço, entre em contato pelo número 3133-2999 ou acesse a página da Justiça Itinerante no site do TJRJ: http://portaltj.tjrj.jus.br/web/guest/institucional/dir-gerais/dgjur/deinp/deinp/div-jus-itinerante-aces-just.

Ouça, no Podcast do Portal Eu, Rio!, as declarações de Matheus e Samuel.

Por Anderson Madeira
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