O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, vai responder em liberdade pelos crimes de perjúrio e falso testemunho por causa do depoimento dado por ele ontem (7) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado.
Dias, que foi o primeiro depoente a ter a prisão decretada pelo presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM), prestou novo depoimento por cinco horas na delegacia do Senado, assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e, após pagamento de fiança no valor de R$ 1,1 mil, foi liberado por volta das 23h dessa quarta-feira. O ex-diretor deixou o Congresso sem falar com a imprensa.
Em depoimento ao colegiado ontem, o ex-diretor negou ter pedido vantagens a Luiz Paulo Dominguetti para a aquisição de 400 milhões de doses de vacina contra a covid-19. Ele também negou ter marcado um encontro com Dominguetti, vendedor autônomo da empresa Davati Medical Supply, em um restaurante de Brasília. Segundo o ex-diretor de Logística, o que aconteceu é que ele estava tomando um chope com um amigo quando Dominguetti chegou de surpresa no restaurante em companhia do tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde.
A versão apresentada pelo depoente, no entanto, foi colocada em xeque após a divulgação de áudios que mostram uma conversa de Dominguetti com outra pessoa, na qual ele confirma o encontro com Dias no dia 25, data em que ambos estiveram juntos no restaurante.
“Ele está preso por mentir, por perjúrio. Estamos aqui pelos que morreram, não estamos aqui para brincar não. Isso que está acontecendo não vai acontecer mais. E todo depoente que estiver aqui e achar que pode brincar terá o mesmo destino dele”, acrescentou Omar Aziz ao confirmar a decisão, apesar da tentativa de colegas de reverter a prisão de Dias.
A advogada de Dias, Maria Jamile José, protestou contra a prisão, disse que o ato é uma ilegalidade e que vai recorrer da decisão de Aziz. Como a prisão foi decretada quando a Ordem do Dia no Plenário do Senado já havia começado, esse será um dos argumentos para demonstrar a ilegalidade da prisão.
Isso porque, segundo o Regimento Interno do Senado, nenhuma comissão da Casa pode deliberar enquanto a sessão de votações está em curso.
Em defesa de Roberto Dias, o senador da base governista Marcos Rogério (DEM-RO) sustentou que, ao decretar a prisão da testemunha, Omar Aziz violou o Artigo 9º da Lei 13.869/2019, sobre abuso de autoridade. O trecho citado diz que é abuso “decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”, com previsão de pena de um a quatro anos de prisão e multa.
“Lamentável. O presidente da CPI perdeu totalmente as condições para tocar a CPI. Vieram vários outros depoentes que fizeram acusações, mentiram, falsearam, apresentaram áudios na CPI que não condizem com a verdade do que estava sendo dito e, mesmo diante do flagrante clássico, negou-se a prisão”, criticou.
Nesta quinta-feira (8), a CPI ouve a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde Francieli Fantinato. Segundo o senador Otto Alencar (PSD-BA), a servidora editou nota técnica aos estados, recomendando a vacinação de gestantes que tinham recebido a primeira dose da AstraZeneca com qualquer vacina que estivesse disponível, sem nenhuma comprovação de segurança ou eficiência disso nas grávidas. Para o senador, que é o autor desse requerimento de convocação, esse procedimento, chamado intercambialidade, provocou mortes no Brasil.
Nota Ministério da Defesa
A nota do Ministério da Defesa sobre as falas do senador Omar Aziz na CPI da Pandemia repercutiu no Senado. O presidente da CPI disse que não aceitará intimidações. Ontem, o Ministério da Defesa e os comandantes das Forças Armadas repudiaram a fala de Aziz, do PSD do Amazonas, que criticou o envolvimento de integrantes das Forças Armadas em casos suspeitos de irregularidades no Ministério na Saúde. Em nota, a pasta afirmou que “as Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro". Durante o depoimento do ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, Omar Aziz disse que “os bons das Forças Armadas devem estar envergonhados” pelo envolvimento de militares nas suspeitas de corrupção no Ministério da Saúde.
ABI solidária ao senador Aziz
A ABI divulgou uma nota, assinada por seu presidente Paulo Geronimo, sobre a atitude do Ministério da Defesa.
"Foi uma tentativa de intimidar a CPI da Pandemia e seu presidente, o senador Omar Aziz, protegendo militares suspeitos de envolvimento com corrupção.
Note-se que não houve qualquer acusação às Forças Armadas em si. Surgiram apenas nomes de militares isolados e nem mesmo eles foram acusados por Aziz. Simplesmente depoimentos de terceiros trouxeram seus nomes à baila. Como era lógico, a CPI considerou conveniente convocá-los para depor.
Foi o que bastou para que os chefes militares se alvoroçassem... (...)
Tudo indica que dois grupos disputavam o controle das compras no Ministério da Saúde: um, formado por parlamentares do chamado Centrão; outro, integrado por militares, levados por Jair Bolsonaro e Pazuello.
Não há razão para que se deixe de investigar as acusações num momento em que está claro que a demora na aquisição de vacinas não foi fruto apenas de incompetência. Foi um artifício para, depois, numa situação emergencial, negociar a preços superfaturados com outros fabricantes, com quem se tinha esquemas de corrupção.
Por isso o atraso na aquisição de vacinas. Este crime contribuiu para a morte de mais de meio milhão de brasileiros.
Assim, num momento em que, talvez por corporativismo, os chefes militares tentam intimidar o senador Aziz, todos os que defendem a lisura em relação à coisa pública devem se solidarizar com ele".