Em 2016, no Brasil, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aproximadamente 29 milhões de eleitores não votaram no 1° e 2° turno das eleições. Essa abstenção gerou uma dívida de R$ 98.404.457, 57 com a Justiça Eleitoral. Entretanto, apenas 1 milhão desses devedores acabaram pagando a multa.
Nas últimas eleições, o Rio de Janeiro marcou a maior taxa de abstenção do país. Foram 1.189.187 de pessoas que não efetuaram o voto obrigatório. A carioca Ana Lúcia, 42, foi uma das abstinentes. Ela optou em pagar a multa e regularizou seu título. Porém, Ana não sabia da existência dos recursos partidários originados a partir das sanções eleitorais.
"Há dois anos, eu decidi não votar. Não tinha nenhum candidato que me agradasse. Por isso, achei que não valeria à pena perder meu tempo. Eu só desconhecia essa história de fundo partidário. Inclusive, discordo que os partidos sejam financiados com o dinheiro público, ou seja, o nosso dinheiro. Cada dia mais, eu tenho certeza que neste país política é negócio", lamentou a carioca.
Não só Ana Lúcia, mas muita gente desconhece o destino dos valores pagos pelos eleitores multados. Na verdade, o dinheiro arrecadado é repassado para o Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos. Ele também é conhecido como Fundo Partidário. Segundo o TSE, os 35 partidos registrados receberam R$ 62.955.007,26 referentes aos duodécimos do Fundo relativos a janeiro.
Além disso, a Lei Orçamentária de 2018, aprovada pelo governo Temer, ainda previu a distribuição de R$ 888.735.090,00 para as legendas inscritas no Tribunal Superior Eleitoral. Com isso, houve um aumento de 8,5% em relação ao ano anterior. Desse total, R$ 780.357.505,00 vai ser distribuído por dotação orçamentária e R$ 108.377.585,00 devem ser oriundos das penalidades e multas previstas no Código Eleitoral.
Em outubro de 2017, Temer também sancionou a criação do financiamento de campanhas com dinheiro público. A decisão adicionou a disponibilidade de cerca de R$ 2 bilhões para os candidatos a deputado, senador, governador e presidência.
Os grandes partidos são os mais beneficiados nesta disposição. No mês passado, o Partido dos Trabalhadores recebeu R$ 8.274.412,48. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) obteve R$ 7.129.410,39; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi favorecido com R$ 6.941.093,07.
Seguindo as diretrizes da atual legislação, 5% do Fundo Partidário são divididos em partes iguais e 95% na proporção da votação observada na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Anualmente, os partidos precisam prestar conta à justiça eleitoral sobre o repasse. Essa obrigação está prevista na Constituição Federal e na Lei dos Partidos Políticos. Caso isso não aconteça, as verbas podem ser suspensas ou reprovadas. Todos os meses, os valores são publicados no Diário da Justiça Eletrônico.
Transparência X Aperfeiçoamento
Para Luciano Alvarenga, vice-presidente da OAB-Niterói e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), o grande erro do Fundo Partidário e do fundo financeiro para as eleições é que eles usam como principal base de cálculo de distribuição, a bancada dos deputados federais em Brasília. Tal fato acaba gerando algumas distorções.
"O modelo atual não considera o número de filiados dos partidos políticos e nem quem tem o maior número de diretórios municipais e estaduais eleitos. Uma postura que, se aplicada, seria importante para evitar os partidos cartoriais. Muitas vezes, eles sobrevivem com comissões provisórias e vão mudando conforme os acordos pré-eleitorais. Outro critério que deveria ser levado em conta é a própria arrecadação interna do partido por meio da sua política de finanças", ressaltou.
Segundo Luciano Alvarenga, na prática, há partidos que vivem apenas do fundo partidário.
"Basicamente, a maior atenção para a eleição de deputados federais é em função de tempo de TV e distribuição de fundos. Isso não faz os partidos terem um caráter nacional ou funcionarem de forma democrática. O que resta é um modelo cartorial que sempre visa aumentar a bancada dos deputados federais a cada quatro anos, pois eles definem os rumos financeiros e o espaço de propaganda", explicou Luciano.
Para o jurista, um ponto vantajoso do Fundo é a transparência nos processos administrativos. Hoje, a sociedade pode saber de onde estão sendo originados os recursos utilizados pelos partidos políticos. Sendo assim, os cidadãos ficam sabendo quais sãos os favoritos das direções partidárias.
"Apesar dessas vantagens, é preciso aperfeiçoar o modelo em diversos aspectos. Principalmente, nos quesitos de arrecadação e de distribuição dos valores. Seja pelos critérios legais em função do tamanho das bancadas ou por meio de critérios complementares. Afinal, não é interessante alguém se filiar a um partido e tentar ser candidato, mas na hora "H" acaba discriminado em favor de um ou de outro. É importante uma estrutura mais justa e igualitária que possa proporcionar uma renovação da política", analisou.
O vice-presidente da OAB-Niterói destacou que o eleitor precisa conhecer bem todos os candidatos para possibilitar uma mudança.
"A concentração de recursos não pode continuar desnivelada, pois isso inviabiliza que uma maior participação de jovens, negros, mulheres e outras minorias possam ascender ao poder. O nosso Congresso Nacional é um reflexo desta realidade", alertou o jusrista.
É importante lembrar que o voto pode ser justificado até 60 dias, após a ausência nas urnas. Contudo, caso isso não aconteça, ou o eleitor não vote por 3° turnos consecutivos, seu título é cancelado. Desde 2017, os boletos das multas também passaram a ser disponibilizados pela Internet. Para regularização, basta consultar o site do TSE, pagar o boleto e apresentá-lo em um Tribunal Regional Eleitoral mais próximo.