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Despejo do ‘Prédio da Caixa’ em Niterói vira documentário

"Filme conta a história a partir da ótica dos moradores, os mais prejudicados pela ação criminosa do estado", diz diretor

Por Anderson Madeira em 12/08/2021 às 18:35:33

Foto: Divulgação/Movimento Prédio da Caixa Vive

O drama do despejo dos moradores do Edifício Nossa Senhora da Conceição, mais conhecido como o ‘Prédio da Caixa’, na Avenida Ernani do Amaral Peixoto, no Centro de Niterói, virou documentário. O filme, produzido pela produtora 202 Filmes, dirigido pelo cineasta Arthur Moura, se chama “Prédio da Caixa” e será disponibilizado no dia 3 de setembro no canal da produtora no You Tube e, na mesma semana, também no site Esquerda Online e na plataforma Bombozila. A Caixa Econômica Federal, sentindo-se atingida, entrou com ação na Justiça pedindo a retirada do nome ‘Caixa’ do título.



A produção tem uma hora de duração. As filmagens começaram em 2019 e em 2020 filmaram 15 depoimentos. O documentário conta com imagens de arquivo cedidas por Lorena Borges Gaia (ex-síndica do prédio), a jornalista Paula Máiran (assessora do falecido vereador Renatinho do PSOL, então presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal de Niterói), Jaqueline Deister, Cynthia Gorham e pelo vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL).

“Conseguimos entrar no prédio e fazer imagens importantes, que mostram a deterioração do ambiente e dos pertences dos moradores. No entanto, no momento da filmagem, também fomos ameaçados por uma agente da prefeitura que disse, com todas as letras, que não estava autorizado fazer qualquer tipo de filme sobre o prédio da Caixa. A película conta a história a partir da ótica dos moradores, os maiores prejudicados pela ação criminosa do Estado burguês. A única pessoa que filmamos que não é moradora é a Paula Máiran”, conta Arthur, que é ainda historiador formado pela UFF e mestre em Educação pela Uerj.

Ouça no podcast do Eu, Rio! (eurio.com.br) o depoimento da ex-síndica do prédio, Lorena Borges Gaia, ao repórter Anderson Madeira.

O cineasta conta que o filme foi produzido com recursos próprios e sem qualquer financiamento público ou privado.

“É importante destacar que se trata de um documentário político independente, produzido com recursos próprios. Até o momento gastamos apenas o que tínhamos, ou seja, algo em torno de pouco mais de mil reais, claro que sem contar com equipamentos que já pertencem à produtora. Não conseguimos qualquer recurso, o dinheiro investido foi próprio. O objetivo central do filme é contar a história e todo o processo do despejo dos moradores do prédio da Caixa promovido pelo Ministério Público, pela justiça burguesa e pelo seu aparato repressor”, explica Arthur.


Foto: Divulgação/Amanda Lebeis

De acordo com o diretor, os ex-moradores continuam até hoje desamparados por parte do Poder Público e entregues à própria sorte.

“Os moradores continuam completamente desamparadas por parte do poder público, que tinha como única intenção acabar com a vida daquelas pessoas jogando-as nas ruas. Não é raro andar pelo Centro de Niterói e encontrar ex-moradores nas ruas, alguns trabalhando, outros já entregues à degeneração que a situação de rua promove. A Prefeitura de Niterói também tem grande responsabilidade sobre todo este processo, atuou contra todas as famílias despejadas e não promove nenhum tipo de assistência a essas famílias. Se caminharmos pela Amaral Peixoto observamos o aumento exponencial da miséria, o que nem de longe incomoda o poder público. Pelo contrário: a Prefeitura investe cada vez mais em repressão, como o Centro Presente, uma polícia altamente seletiva com relação aos seus alvos", aponta.

No último dia 5, Arthur recebeu uma notificação extrajudicial em que a Caixa Econômica Federal pede a retirada da palavra ‘Caixa’, do título do filme, por entender que isso atinge a reputação do banco. Há uma agência da CEF ao lado do prédio e onde também funciona a superintendência regional da empresa.

Sobre a notificação, o cineasta afirmou que já esperava tal reação do poder público.

“Não há qualquer anormalidade nesse tipo de conduta promovida pelo poder. Sabemos que a justiça, a repressão policial e a burocracia servem aos interesses das classes dominantes. Eles estão apenas fazendo o que deve ser feito. Sabemos que a covardia é a arma da justiça e da polícia. O que nos cabe fazer é nos organizar enquanto trabalhadores e enfrentar o problema. Esse tipo de enfrentamento não se faz com negociação. Os trabalhadores só podem se emancipar diante de uma organização armada. Do contrário continuarão reféns das arbitrariedades do estado burguês”, declarou.

Eis a íntegra da notificação da CEF:

À “202 Filmes” Produtora e Arthur Azevedo da Silva Moura Ref.: Filme “Prédio da CAIXA” Assunto: NOTIFICAÇÃO

Nos termos abaixo expostos:

1. A Caixa Econômica Federal tomou ciência da divulgação na rede social “Youtube” de vídeos publicados através no canal da produtora “202 Filmes” e que fazem referência a um filme intitulado “PRÉDIO DA CAIXA”.

2. Na foto de divulgação do vídeo que corresponderia ao trailer do filme encontra-se escrito em destaque “PRÉDIO DA CAIXA”, com referência à autoria de V.Sa., Sr. Arthur Moura.

3. De acordo com o que nos foi possível apurar, o referido prédio corresponde ao Edifício Nossa Senhora da Conceição, localizado ao lado de uma agência da CAIXA e vizinha do prédio da Superintendência Regional da CAIXA, localizado no centro de Niterói/RJ.

4. Cabe no entanto alertar que o prédio em questão não possui relação com esta Empresa Pública Federal, não lhe pertencendo e nem tampouco encontra-se sob sua responsabilidade, de modo que a utilização do título “PRÉDIO DA CAIXA” tem um grande potencial de desabonar indevidamente a imagem da Caixa Econômica Federal, ao fazer com que os espectadores dos vídeos ou frequentadores das redes sociais incorram em erro ao verem as chamadas dos vídeos e associarem a CAIXA à responsabilidade pelos fatos retratados naqueles.

5. Apenas a título de informação, encaminhamos anexa a petição inicial da ACP 0075994-72.2013.9.19.0002 movida pelo MP/RJ contra o Município de Niterói e o condomínio do edifício em tela e outros, na qual se obteve a desocupação do mesmo em razão da insalubridade e risco de incêndio, petição na qual resta ausente qualquer referência à CAIXA.

6. Deste modo, ante o potencial risco de lesão à imagem desta Empresa Pública Federal, assim como a possibilidade de o título em questão induzir em erro os espectadores fazendo-os crer que a Caixa Econômica Federal possui alguma responsabilidade sobre os fatos apresentados nos vídeos, o que por evidente geraria responsabilização de V.Sa. pelos danos observados em regresso, serve a presente para NOTIFICAR os destinatários para que suprimam IMEDIATAMENTE o nome da CAIXA do título do filme, bem como dos vídeos já existentes na rede social “Youtube” ou em quaisquer outras redes sociais ou veículos de comunicação, abstendo-se de utilizá-lo em futuros filmes ou vídeos, a fim de preservar o bom nome da Caixa Econômica Federal e fazer cessar o dano à imagem resultante de sua utilização indevida.

7. Certo de que seremos atendidos neste cordial pedido, sob pena da adoção das medidas judiciais cabíveis.

Atenciosamente, RODRIGO VILLA REAL AYALA Advogado OAB/RJ 108.650 JURIR/RJ ROBERTO CARLOS MARTINS PIRES Advogado OAB/RJ 56.175 JURIR/RJ

Pertences

Entre os dias 13 e 16 de julho último, a Prefeitura de Niterói recebeu ex-moradores interessados no apoio do poder público para retirada de objetos pessoais dos apartamentos onde moraram. A retirada teve o apoio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos. Havia uma decisão judicial autorizando a retirada dos pertences até o último dia 28 de julho. No começo de junho, a Procuradoria Geral do Município tinha entrado com pedido judicial aceito pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, solicitando autorização para essa retirada. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos ficou responsável por cadastrar as famílias e organizar o calendário, estabelecido por andar, para evitar aglomerações. A prefeitura disponibilizou transporte para a mudança.

A desocupação do prédio da Caixa aconteceu em junho de 2019 por determinação da Justiça, após uma ação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro apontar condições precárias e risco de incêndio. No ano passado, a prefeitura iniciou processo de desapropriação do prédio, através do decreto municipal nº 13.796/2020, que declarou o edifício como de interesse público. Estão em andamento as vistorias para aferir o valor dos imóveis e definir a proposta de indenização aos moradores.

Porém, até hoje, 53 ex-moradores ainda não receberam o aluguel social no valor de R$ 782,69 prometido pela Prefeitura de Niterói em 2019. A Secretaria Municipal de Assistência Social e Economia Solidária, do município afirma, contudo, que paga o auxílio para 157 famílias. A pasta esclareceu que as famílias que não estão recebendo não apresentaram à prefeitura nenhum documento comprovando a propriedade, ocupação ou aluguel do imóvel.

O prédio tem 20 lojas em galeria, sobreloja com 31 apartamentos, 11 pavimentos com 310 apartamentos e a cobertura com 22 unidades habitacionais, em um total de 332 unidades, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação e Regularização Fundiária. A Prefeitura ainda informou que está sendo analisado o pagamento de indenização aos ex-moradores, após a desapropriação, para implantar moradias de interesse social, além da instalação, nos primeiros andares, de órgãos públicos municipais.

A respeito de ex-moradores que vieram a morar nas ruas, a prefeitura esclareceu que ofereceu acolhimento nos abrigos municipais a todos os despejados do ‘Prédio da Caixa’.

Por Anderson Madeira
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