A Justiça Federal condenou a União, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) a recuperar e restaurar as quatro fachadas do Edifício A Noite, localizado na Praça Mauá, no Centro do Rio de Janeiro. A sentença é a primeira vitória de uma ação iniciada em setembro de 2016, movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
Na determinação proferida pela juíza Maria Alice Paim Lyard, está prevista a reparação, recuperação ou substituição dos elementos estruturais de concreto armado deteriorados, comprometidos, em ruínas ou em estado crítico, com o acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e dos órgãos de fiscalização estadual e municipal. Além disso, o Inpi, a EBC e a União devem realizar uma vistoria em até 90 dias e apresentar um plano de ação com prazos definidos para as etapas do projeto, contratação e execução das obras.
Ao longo destes dois anos de tramitação do processo nº 0125592-26.2016.4.02.5101, na justiça, o MPF já havia expedido liminares determinando algumas obrigações inerentes às instituições responsáveis pelo prédio. "A ré União alega insuficiência de recursos e que a responsabilidade pela preservação é do INPI. O réu INPI alega que não é proprietário do imóvel, que solicitou o desfazimento da cessão junto à União e que, em virtude do "Teto de Gastos" não detém recursos para realização da reforma do Edifício. A ré EBC afirma que o INPI assumiu perante o MPF os compromissos objeto destes autos e que não houve formalização do Contrato de Constituição de aforamento em seu favor" diz um trecho da sentença final que resume o "jogo de empurra" institucional nas extensas manifestações da ação.
"O caso revela um dos mais emblemáticos casos de negligência e desleixo. Durante anos a fio, a União tem sido omissa no que diz respeito às obras necessárias para a conservação e recuperação de um imóvel que possui inegável valor histórico e cultural. A propósito, é um contrassenso imaginar que a Constituição Federal atribua a um ente federativo o dever de fiscalizar, proteger e cuidar de bens tombados e ao mesmo tempo permitir-se que esse ente deixe à míngua o Edifício A Noite, sem verter os recursos necessários para obras indispensáveis em suas estruturas e fachadas", afirma o procurador da República Jaime Mitropoulos na ação que motivou a sentença.
Edifício A Noite, um pilar da nossa cultura
"O Edifício "A Noite" é um pilar da arquitetura e da cultura brasileira", afirma o professor do Instituto de Geografia da UERJ e Coordenador do Projeto Roteiros Geográficos do Rio João Baptista Ferreira de Mello. O prédio inaugurado em 1929, foi a maior construção estruturada em concreto armado na época e, durante alguns anos, foi o mais alto da América do Sul, tendo, inclusive, um mirante em sua cobertura para que as pessoas pudessem apreciar a cidade, já que ele era o único "arranha-céu".
O professor explica que, sete anos após sua inauguração, o edifício abrigaria a Rádio Nacional, que nos anos 1940, 50 e início da década de 1960, foi a grande influenciadora e difusora cultural dos hábitos urbanos brasileiro e a maior emissora da América Latina.
"A Rádio chegou a ter 14 orquestras, programas humorísticos extraordinários, narrações esportivas, o jornalístico "Repórter Esso", programas de auditório e as radionovelas que moviam o imaginário e a rotina das pessoas, que iam mais cedo para casa para ouvi-las. Também protagonizou a rivalidade entre artistas do Brasil, como as Rainhas do Rádio Marlene e Emilinha, por exemplo", conta João Baptista.
Ele lamenta que mesmo com a requalificação da Praça Mauá, por ocasião dos jogos Olímpicos, o prédio estivesse vazio e abandonado, tendo à sua volta a efervescência das visitações ao Cais do Valongo, Pedra do Sal, da Rua Sacadura Cabral, do Museu de Arte do Rio e, à sua frente, o Museu do Amanhã que, como destaca Baptista, "se colocou, por dois anos na proeza de ser um dos 20 mais visitados dos mundo, concorrendo com museus de Paris, Nova Iorque e Tóquio".
Além de todo esse vasto histórico de sede do jornal vespertino "A Noite" (até 1937), da Rádio Nacional (até 2012) e do INPI (da década de 60 até 2006), o prédio é tombado pelo patrimônio histórico, pelo Município do Rio de Janeiro e pela União.
"É uma lástima, temos muito a lamentar que o prédio, hoje, esteja vazio. Realmente ele merece ser toporreabilitado, restaurado, requalificado, metamorfoseado para exibir toda a sua história e ter de volta o seu esplendor", conclui o professor João Baptista.