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Pesquisa da Defensoria aponta racismo em prisões após reconhecimento por foto

STF e CNJ sinalizam para atuação conjunta com os órgãos estaduais

Por Anderson Madeira em 15/09/2021 às 21:16:25

Raoni Rocha Barbosa, mais recente inocente preso apenas com base no reconhecimento fotográfico. Foto: Acervo pessoal

Levantamento feito com a participação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) mostra que 81% das pessoas presas injustamente através de reconhecimento por foto são negras. Os dados fazem parte de estudos feitos em conjunto com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais. Em oito anos, foram pelo menos 90 prisões ilegais. Os relatórios apontam falhas no reconhecimento fotográfico em delegacias do país.

Segundo documentos, de 2012 a 2020 foram realizadas ao menos 90 prisões injustas baseadas no método - sendo 73 no Rio de Janeiro. Desse total, 79 contam com informações conclusivas sobre a raça dos acusados, sendo 81% deles negros. Para os defensores, esses estudos revelam não só um racismo estrutural como também a necessidade de olhar mais cuidadoso para os processos que se sustentam apenas no reconhecimento fotográfico da vítima como prova da prática do crime.

O primeiro relatório, disponibilizado pela instituição em setembro de 2020, citou 58 erros em reconhecimento fotográfico no período de junho de 2019 e março de 2020, todos ocorridos no Rio de Janeiro. Oito processos não contam com informação sobre a cor do acusado, contudo, 80% dos suspeitos cuja informação estava inclusa eram negros. Em 86% desses casos, foi decretada a prisão preventiva, com períodos de privação de liberdade que variaram de cinco dias a três anos.

O relatório mais recente, produzido com informações enviadas por defensores de dez estados da federação e publicado em fevereiro de 2021, engloba o período de 2012 a 2020. Neste estudo, foram contabilizados 28 processos, quatro deles com dois suspeitos, envolvendo um total de 32 acusados diferentes. O Rio de Janeiro é o estado que apresenta o maior número de casos, com 46% das ocorrências. Neste caso, apenas os processos de três acusados não informaram a cor de cada um. Aproximadamente 83% das pessoas apontadas como suspeitas também eram negras.

Dos casos referentes ao Rio de Janeiro, a maioria das acusações foram por prática de roubo, na forma simples ou com agravante, porém há dois casos de homicídio simples, uma tentativa de homicídio e um furto. Somados os dois relatórios, os dados dão conta de que 81% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico são negros, entre pretos e partos conforme a definição do IBGE.

Segundo o Coordenador da Comissão Criminal Permanente do CONDEGE e defensor público na Bahia, Maurício Saporito, isso deixa claro o racismo estrutural e a questão racial forte, que não é desconhecida do universo jurídico e social.

"O que nós percebemos com esse estudo da Defensoria juntamente ao CONDEGE é que, quando acontece o reconhecimento fotográfico, as autoridades que buscam a punição criminal de alguém já se satisfazem e não dão continuidade às investigações", ressaltou o defensor. "Nós encontramos pessoas que estavam no exterior, monitoradas eletronicamente e até mesmo presos na data do fato e que não poderiam ter cometido o crime e mesmo assim foram reconhecidos por fotografia. Isso mostra que a investigação se baseia apenas em uma prova, e a prova nesta fase precisa ser muito mais do que um reconhecimento fotográfico".

Procedimentos e casos reais

A seleção de casos para a formulação dos documentos se baseou nas seguintes situações: o reconhecimento pessoal em delegacia ter sido feito por fotografia; o reconhecimento não ter sido confirmado em juízo; e a sentença final de absolvição. Também foram solicitados aos defensores que enviassem informações sobre nomes, data dos fatos, acusação (imputação, no jargão jurídico), se houve prisão durante o processo e por quanto tempo, e motivos da absolvição.

Entre os casos citados, destaca-se o de um acusado cuja vítima afirmou não ter condições de reconhecer quem o atacou pois o local do crime estava escuro. Outra vítima, que também disse ser incapaz de fazer o reconhecimento devido à luminosidade, ainda assim foi chamada dois meses após o ocorrido, ao passo que uma terceira pessoa foi acusada com base na foto de seu documento de identidade, sem no entanto ser identificada no reconhecimento presencial.

A maioria dos acusados foi inocentada porque o reconhecimento não se confirmou em juízo, porém há casos em que ficou demonstrado que o acusado não poderia ter cometido o crime, pois estava preso por outro processo ou estava sendo monitorado por tornozeleira eletrônica.

No último 31/8, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux, usou a pesquisa da Defensoria Pública fluminense para a redação e publicação da Portaria 209. A medida cria grupo de trabalho para elaborar, nos próximos seis meses, regulamentação de procedimentos para reconhecimento pessoal em processos criminais e sua aplicação no âmbito do Poder Judiciário, com objetivo de evitar condenações injustas.

"O reconhecimento de pessoas tem sido um tema que vem causando bastante inquietude no processo penal, sobretudo, diante de condenações ou decretação de prisão preventiva de forma equivocada, com base no reconhecimento fotográfico, sem que houvesse o cumprimento das garantias constitucionais e processuais", disse a coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Lúcia Helena Oliveira.

Para Sônia Ferreira Soares, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, o uso de tais fotos como meio probatório é ilegal.

"Nós da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ entendemos que é ilegal a utilização desse meio como supostamente probatório para decretação ou mesmo representação ou requerimento da prisão", pontua ela, que prossegue. "Alguns avanços positivos aconteceram nessa área. O STJ em algumas decisões vem reiteradamente reafirmando o fato de que não há base legal para o reconhecimento fotográfico da forma como é hoje, como base para prisão".

Assista no vídeo a seguir ao posicionamento de Lúcia Helena Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal na Defensoria Pública.


Ouça abaixo, no podcast do Portal Eu, Rio!, à declaração de Sônia Ferreira, advogada e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.

Por Anderson Madeira
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