Após reunião com moradores de Duque de Caxias que defendem o fim das obras de construção da Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (CEARJ) no Campo do Bomba, naquele município, o deputado estadual Waldeck Carneiro (PT) protocolou na Alerj um projeto de lei, em co-autoria com a bancada do PSol na Casa Legislativa – Dani Monteiro, Eliomar Coelho, Flávio Serafini, Mônica Francisco e Renata Souza - e com a deputada Enfermeira Rejane (PCdoB), que cria o Parque Estadual Quilombo do Bomba. O objetivo é preservar as características histórico-arqueológicas, já que ali havia um quilombo no período colonial, se localiza a sede da Fazenda São Bento (século XVI) e um sambaqui com vestígios de habitantes pré-históricos; e ambientais, porque aquela área é um pôlder, ou seja, possui uma estrutura de amortecimento que evita inundações naquele terreno, que faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do São Bento, de acordo com o artigo 268, Inciso V, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. As obras no local encontram-se paradas devido a uma decisão judicial.
O projeto tem como meta:
I - Proteger aquele território geográfico, reconhecido por ser planície de inundação e área pôlder situada entre os Rios Sarapuí e Iguaçu, essenciais para amortizar os efeitos das enchentes em diversos municípios da Baixada Fluminense;
II - Salvaguardar sítios arqueológicos de sambaquis com idades estimadas de 4 a 5 mil anos, protegidos pelo artigo 225 da Constituição Federal, por serem referências dos primeiros habitantes do Estado do Rio de Janeiro e das cercanias da Guanabara;
III - Preservar os vestígios do Quilombo do Bomba existentes no território e ampliar as pesquisas sobre as memórias ancestrais da Hidra de Iguaçu, comunidades quilombolas do oeste das cercanias da Guanabara, no século XIX;
IV - Salvaguardar o patrimônio histórico nacional do Complexo da Fazenda do Iguaçu, patrimônio federal situado no entorno do Campo do Bomba e no interior da Área de Proteção Ambiental São Bento, assim como as edificações testemunhas do Núcleo Colonial São Bento, instituído pelo Ministério da Agricultura;
V - Impedir a expansão urbana e humana sobre o território de umidade exposto aos acidentes ampliados promovidos pelo polo petroquímico e pelo passivo ambiental do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho;
VI - Salvaguardar o território pôlder dos aterramentos e da impermeabilização que agravam as situações de inundações na Bacia do Iguaçu-Sarapuí;
VII - Ampliar a cobertura vegetal com vistas ao combate dos efeitos da poluição industrial do polo petroquímico e para amenizar os efeitos das ilhas de calor no oeste da Baía de Guanabara, agravadas pelo avanço da crise climática proveniente do aquecimento global, de modo a contribuir com o controle térmico.
VIII - Estabelecer o reflorestamento e a criação de horto de mangue para recuperar áreas degradadas da margem oeste da Baia de Guanabara, a fim de contribuir para a ampliação da biodiversidade.
IX - Viabilizar espaço de lazer, de promoção da cultura local e de educação ambiental, favorecendo as sociabilidades comunitárias e a promoção da preservação ambiental.
“O Governo Estadual adotará as medidas necessárias à efetiva implantação do Parque Estadual Quilombo do Bomba e à realização de pesquisas arqueológicas e históricas, podendo estabelecer parcerias com prefeituras, organizações não governamentais sem fins lucrativos e instituições de ensino e pesquisa. O Plano de Manejo definirá as atividades que garantam o uso público e científico do parque, o território pesqueiro e os projetos de recuperação das áreas degradadas e de cobertura vegetal, assegurando a participação da sociedade civil organizada na sua elaboração”, afirma Waldeck, que preside a Comissão da Região Metropolitana da Alerj.
O projeto também cria o Conselho Deliberativo do Parque Estadual Quilombo do Bomba, que será será composto por 27 membros indicados, de forma paritária, pelo poder público, pelas universidades e pelos movimentos sociais organizados, nos termos de ato regulamentador a ser fixado pelo Poder Executivo. Os membros do poder público e das universidades serão indicados por seus respectivos responsáveis legais e os representantes dos movimentos sociais serão eleitos em fórum próprio convocado para essa finalidade. Nos processos de indicação e de eleição, serão garantidos, no mínimo, 30% (trinta por cento) de mulheres; 10% (dez por cento) de negros; e10% (dez por cento) de jovens. Haverá um prazo de dois anos para a elaboração deste plano.
Foto: Divulgação
Inundações
"Essa obra irresponsável pode gerar inundações na Rodovia Washington Luís, onde os rios Sarapuí e Iguaçu beiram". A afirmação, feita em maio deste ano, na Audiência Pública Virtual da Região Metropolitana da Alerj, sobre a implantação da Central de Abastecimento do Rio de Janeiro (CEARJ) no Campo do Bomba, em Duque de Caxias, é do professor da UERJ, Adacto Ottoni.
Segundo ele, o local é um amortecedor natural de inundações e, com o aterramento realizado pela obra, a impermeabilização do solo aumenta, reduzindo drasticamente o serviço de 'pulmão de água' contra enchentes. "Com as dragagens criminosas que foram feitas no local, o lençol freático que existe ficará elevado e não conterá as águas. Independentemente de chuvas haverá alagamento na região, levando a prejuízos econômicos e danos à saúde pública, aumentando a umidade nos imóveis e gerando problemas respiratórios nos cidadãos", revelou.
Os técnicos avaliam que, em chuvas fortes, sem este amortecimento natural, os níveis dos rios Sarapuí e Iguaçu vão transbordar. Se for em fase de maré alta, não há para onde esta água escorrer. Isso afetará toda a bacia dos dois rios. "Não se deve considerar a construção da CEARJ no Campo do Bomba com a justificativa de que a área vai ser ocupada irregularmente. Ao contrário, deve-se preservar a área com a sua característica de fauna e flora naturais, mantendo-se os seus essenciais serviços ambientais, especialmente de 'pulmão' no controle de inundações na região", disse Adacto.
Pôlder
O local escolhido para o projeto é um pôlder - grande “piscina natural/esponja” - que retém e absorve águas de chuva e dos rios Iguaçu e Sarapuí, que transbordam, especialmente em maré alta, momento em que também retornam ao encontrar a Baía de Guanabara mais alta. A área tem cerca de três milhões de m². O CEARJ pretende ocupar 480.000 m² (o que corresponde a cerca de 16% do total da área) e os “empreendimentos associados”, o restante.
O projeto prevê, ainda, a concessão de uso do Campo do Bomba por 35 (trinta e cinco) anos, renováveis por igual período, por parte da Prefeitura de Duque de Caxias,em favor do Consórcio CEARJ, que se obriga ao pagamento da outorga à prefeitura pelo uso da área, algo em torno de R$ 100 milhões ao longo do período, começando com R$ 1 milhão no primeiro ano.