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Dom Mauro Morelli e padre Julio Lancellotti puxam o coro contra o 'Muro da Vergonha'

Religiosos e arquitetos condenam obra para impedir que moradores de rua de Caxias se abriguem sob o vão da rampa do Teatro Raul Cortez, projetado por Oscar Niemeyer

Por Anderson Madeira em 24/09/2021 às 11:51:15

Com a veemência que o levou a empunhar uma marreta contra pedras sob um viaduto em São Paulo, o padre Júlio Lancelloti investe contra o 'Muro da Vergonha', em Duque de Caxias. Foto: Reprodução Interne

A estrutura que a Prefeitura de Duque de Caxias está construindo no vão sob a rampa do Teatro Raul Cortez, no Centro, já está sendo apelidada pelos movimentos sociais da cidade de “Muro da vergonha”, por impedir que pessoas em situação de rua se abriguem no local em dias de chuva e frio. Lideranças religiosas, como o padre Júlio Lancellotti, da Diocese de São Paulo, conhecido pela defesa dos desabrigados, e o bispo Dom Mauro Morelli, de Duque de Caxias, atuante na resistência à ditadura militar, se posicionaram contra. Assim como o arquiteto Paulo Niemeyer, responsável pelo escritório Oscar Niemeyer, que projetou a obra.


“Manifesto a indignação com o muro da vergonha feito na cidade de Duque de Caxias, no Teatro Raul Cortez. Nós não precisamos de muros, para discriminar, afastar as pessoas em situação de rua, mas, de pontes, para que eles possam ter caminho para caminhar, casa para morar, vida para viver. Abaixo o muro da vergonha”, afirmou Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua da Diocese de São Paulo.

Ouça no podcast do Eu, Rio! o depoimento do padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua de São Paulo, sobre a construção do 'Muro da Vergonha' em Duque de Caxias.

Dom Mauro Morelli se manifestou através de sua conta no Twitter: “Maldito o país em que criança passa fome e o pobre sem teto é escorraçado pelo poder público. Mateus 25: Cristo se identifica com os descartados e abandonados, lesados em sua dignidade e privados de direitos básicos imprescindíveis”, declarou o religioso, Bispo Emérito da Diocese de Duque de Caxias.



A militância de Lancellotti contra a chamada 'arquitetura hostil' teve repercussão internacional e motivou iniciativas legislativas de âmbito nacional. O Plenário do Senado aprovou, no dia 31 de março, um projeto que proíbe o uso de arquitetura urbana de caráter hostil ao livre trânsito da população de rua em espaços de uso público. A técnica é caracterizada pela instalação de equipamentos urbanos como pinos metálicos pontudos e cilindros de concreto nas calçadas para afastar pessoas, principalmente as que estão em situação de rua. Do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), o PL 488/2021 altera o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 2001). Relatada pelo senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta seguiu para a Câmara dos Deputados.

O projeto foi apresentado após o padre Júlio Lancellotti — conhecido por suas ações de acolhimento às pessoas em situação de rua em São Paulo — usar uma marreta para remover pedras pontiagudas instaladas pela prefeitura sob um viaduto. O protesto do religioso teve grande repercussão e apoio. Por isso, Paim acatou emenda que denomina a lei a ser originada pela proposta de "Lei Padre Júlio Lancelotti".


A ONG Fórum Grita Baixada, que atua em defesa dos Direitos Humanos na região, se manifestou através da seguinte nota:

“A Prefeitura de Duque de Caxias iniciou ontem (21/9) a construção de um muro na rampa de acesso ao Teatro Raul Cortez, na Praça do Pacificador, a fim de impedir que pessoas em situação de rua se abriguem sob esse acesso.

O MURO DA VERGONHA como tem sido chamada a edificação reforça o apartheid social e o preconceito contra a população em situação de rua.

Além de descaracterizar a arquitetura original de um prédio projetado pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer, a medida reflete a prática higienista de lançar mão do design hostil para excluir determinados grupos com a população em situação de rua do espaço público.

Os movimentos sociais e grupos de defesa dos direitos da população em situação de rua REPUDIAM a edificação, lembrando que problemas sociais devem ser tratados com políticas públicas adequadas que assegurem as condições materiais básicas a todos os cidadãos, especialmente aos mais pobres e fragilizados.

Fórum Grita Baixada se junta a outros movimentos e organizações de Direitos Humanos da Baixada para protestar contra esse absurdo!”


O arquiteto Paulo Niemeyer, presidente do Instituto Niemeyer e bisneto do idealizador de Brasília, vai divulgar em breve uma nota oficial sobre a obra. Mas, já se pronunciou contra em sua conta no Instagram, publicando várias fotos do muro, cuja construção, segundo, ele, não foi autorizada pelo escritório.

“Sobre a obra indevida em nosso centro cultural Niemeyer em Duque de Caxias, o qual tive o prazer de desenvolver com Oscar Niemeyer. Estamos preparando uma nota oficial para darmos nosso parecer e soluções junto ao Poder público para o problema”, disse o arquiteto.

O professor Marroni Alves, representante do Movimento União de Bairros no Fórum Municipal em Defesa da População de Rua e do Educafro, um dos líderes da luta contra o muro, afirmou que a obra é para “enxugar gelo”.

“Nossa luta e mobilização em defesa da pessoa em situação de rua em Duque de Caxias segue. Não queremos muros! Não adianta fechar com tijolo e cimento a parte de baixo da rampa do Teatro Raul Cortez, obra de Niemeyer, e as pessoas irem para o outro lado da calçada. Isso é enxugar gelo. Sugeri ao Dr. Paulo (Niemeyer) que em um gesto a favor dos nossos irmãos que vivem nas ruas, ele ofereça a Prefeitura de Duque de Caxias o desenho para usar a 59° DP, um terreno público ou um pedaço das inúmeras praças vazias para construção do Centro de Acolhimento, Tratamento e Saúde da População de Rua. Lugar para se alimentar, dormir em camas, tomar banho, receber atendimento de saúde, psicossocial e o tratamento que toda pessoa merece”, declarou.







Por Anderson Madeira
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