Mais estressadas, ansiosas, preocupadas. Inseguras com as tensões sociais em suas comunidades. Ameaçadas por riscos físicos e, principalmente, para a saúde. Essas são algumas das consequências das fake news nas vidas das meninas que participaram do estudo Verdades e Mentiras – As meninas na era da desinformação e das fake news, realizado pela ONG Plan International com 26 mil meninas e jovens mulheres de 15 a 24 anos em 26 países, incluindo o Brasil, onde 1 mil meninas participaram. No primeiro estudo global em grande escala para entender o impacto da desinformação e das fake news associado a um olhar de gênero, nove em cada dez meninas (87%) disseram que as fake news afetaram negativamente suas vidas.
Em um mundo tão impactado pela pandemia de COVID-19, as informações disseminadas pela internet se tornaram ferramentas importantes para a conscientização sobre medidas sanitárias, prevenção, vacinação. Mas, nesta mesma esteira, o mundo todo tem acompanhado um aumento significativo da disseminação de informações erradas e fake news, o que se tornou um grande problema que afeta todas as pessoas. Para as meninas, em especial, o impacto é devastador. No Brasil, a pesquisa aponta que 72% das participantes receberam alguma fake news sobre a pandemia; 32% acreditaram em uma fake news sobre a COVID-19 e 22% questionaram a necessidade de tomar a vacina. Não só no Brasil, mas nos países de baixa e média renda que participaram da pesquisa as meninas e jovens mulheres tiveram maior probabilidade de serem afetadas por fake news e informações erradas que circulam na internet.
“Todos os dias, meninas e jovens mulheres que navegam na internet são bombardeadas com mentiras e estereótipos sobre seus corpos, sua identidade e como devem se comportar. Imagens e vídeos são manipulados para objetificá-las e deixá-las envergonhadas. As meninas têm um medo muito real de que eventos e perfis falsos possam atraí-las e enganá-las, levando a situações perigosas também no mundo físico”, afirma Bhagyashri Dengle, Diretora Executiva de Política Transformativa de Gênero da Plan International.
Diante deste cenário, o estudo procurou descobrir quais são as consequências das desinformações e das fake news (informações errôneas) na vida das meninas e jovens mulheres. A pesquisa classifica as desinformações como informações falsas, enganosas e muitas vezes prejudiciais que as pessoas compartilham de forma deliberada para causar danos e/ou obter lucro. Já as fake news ou informações errôneas são as informações falsas, enganosas e muitas vezes prejudiciais que as pessoas compartilham por equívoco. No Brasil, muitas vezes é difícil diferenciar um grupo do outro.
Como parte da campanha Meninas Pela Igualdade (Girls Get Equal), a Plan International apoia meninas no mundo todo pedindo aos governos que tomem medidas imediatas para aumentar a alfabetização digital de crianças e jovens. A ideia é dar conhecimento e habilidades para que possam identificar informações falsas e se envolverem com confiança em espaços on-line. Este é o segundo ano consecutivo em que a Plan International se debruça em estudos globais sobre temas que afetam as meninas no universo on-line. No ano passado, a pesquisa Liberdade On-line? mostrou que 58% das meninas no mundo já sofreram assédio pela internet e pelas redes sociais. No Brasil, o número chegou a 77%.
Destaques da pesquisa
A Plan International Brasil fará o lançamento oficial da pesquisa amanhã (6), às 16 horas, em um debate com a jornalista Ana Paula Padrão, embaixadora da Plan, Natália Leal, CEO da Agência Lupa, Dani Conegatti, doutor em Educação pela UFRGS, professor e pesquisador de gênero, sexualidade e mídia, e Raíla Alves, gerente de empoderamento econômico e gênero na Plan International Brasil. A conversa será transmitida pelo canal da Plan no YouTube.
A pesquisa aponta que as descobertas revelam as consequências da desinformação e das fake news no dia a dia de meninas e jovens mulheres. Uma a cada três (35%) relata que as informações falsas estão afetando sua saúde mental, deixando-as estressadas, preocupadas e ansiosas – no Brasil, esse número chegou a 46%. O estudo descobriu que 20% das participantes se sentem fisicamente inseguras (25% no Brasil). Aqui, 38% das meninas acabaram discutindo com familiares e amigas/os e 30% ficaram menos confiantes para compartilhar suas opiniões. Elas também ficaram tristes e deprimidas (29%). No mundo, 18% pararam de se envolver na política ou em questões da atualidade e 19% afirmaram que sua confiança nos resultados eleitorais foi abalada. Sem dúvida, é um fenômeno que mina a confiança de meninas e jovens mulheres para participar da vida pública. O fenômeno ainda é reforçado quando elas acompanham casos de lideranças femininas que se veem alvo de rumores maldosos e teorias da conspiração criados para minar sua credibilidade, envergonhá-las e silenciá-las. Isso prejudica as ambições de liderança das meninas.
“A internet molda as opiniões das meninas sobre si mesmas, os problemas com os quais elas se importam e o mundo ao seu redor. Nossa pesquisa deixa claro que a disseminação de informações falsas on-line tem consequências na vida real. É perigoso, afeta a saúde mental das meninas e é outra coisa que as impede de se engajar na vida pública”, diz Bhagyashri Dengle.
Mas, afinal, como as meninas se informam e checam se as informações são verdadeiras? A pesquisa aponta que a fonte mais confiável para as informações é a grande mídia, selecionada por 65% das brasileiras, acima de instituições educacionais (31%) e familiares (30%). O governo federal foi apontado como confiável por apenas 17% das participantes nacionais.
“De forma geral, a pesquisa aponta que o cenário no Brasil é ainda mais crítico do que o observado em outros países, com efeitos cruéis sobre a vida, o desenvolvimento e a saúde mental de meninas e jovens mulheres”, afirma Cynthia Betti, Diretora Executiva da Plan International Brasil.
A pesquisa descobriu que o Facebook é a plataforma de mídia social que as meninas acreditam ter mais informações falsas e fake news, selecionada por 65% das entrevistadas. No Brasil, o WhatsApp está logo atrás, com 61% - bem acima da média mundial, de 27%.
Quase todas as meninas e mulheres jovens que participaram da pesquisa (98%) usam alguma estratégia para verificar se as informações que acessam on-line são verdadeiras. O mais comum (67%) é cruzar as informações com outras fontes, checar quem é o/a autor/a (53%) e se fornecem evidências (47%).
O que as meninas pelo mundo afirmam
Camila, de 20 anos, do Brasil, dá seu depoimento:
“Assim que precisamos ficar de quarentena, nossa rotina mudou totalmente para o virtual. Foi naquele momento que percebi o quão instantânea é a vida on-line e como é fácil ficar imerso naquele universo. Para não perder nenhuma novidade, acabamos não conferindo se a notícia é verdadeira ou falsa, nova ou antiga. A gente só lê, e se for interessante, sai compartilhando com os outros.
Isso, infelizmente, é fruto da cultura da desinformação no Brasil, que ficou mais presente na pandemia com diversos tipos de afirmações – verdadeiras ou não – sobre a vacina contra a COVID-19, sobre o como o governo está trabalhando para ajudar a população e por aí vai.
Em março de 2020, quando fiquei sabendo que o vírus havia chegado no Brasil, não acreditei. Continuei fazendo o que precisava fazer e, ao olhar à minha volta, percebi que as pessoas pensavam o mesmo que eu. Hoje penso ‘como isso aconteceu? Por que eu não acreditei logo?’. E me questiono se isso não foi consequência de estar em constante contato com fake news, e, ao ver uma notícia verdadeira, descredibilizá-la por parecer algo muito absurdo.”
Charlotte, de 23 anos, do País de Gales diz que a abundância de informações falsas na internet pode deixar as pessoas “muito, muito vulneráveis”. “Acho que às vezes há essa falta de responsabilidade no mundo on-line, onde as pessoas podem simplesmente fazer as coisas sem ter repercussões”, explica.
Já Mia, de 20 anos, do Quênia, destacou o fato de vivermos on-line. “Estamos fazendo tudo digitalmente. Então eu acho que [a alfabetização digital] deveria ser ensinada nas escolas primárias, nas escolas secundárias, nas universidades. Para que, quando crescermos, tenhamos uma visão melhor de como usar nossas plataformas digitais”, diz Mia.
Lilly, de 23 anos, do Malawi, ressalta os riscos para a saúde mental. “Quando você usa as redes sociais precisa estar psicologicamente apta e colocar sua mente no lugar, porque há muitos comentários negativos e muitas coisas ruins acontecendo na internet que podem fazer você ... não querer usar a internet.”
Rachel, de 18 anos, dos Estados Unidos, aponta o papel das empresas de mídias sociais no combate à desinformação. “Eu acho que elas [empresas de mídia social] precisam fazer um trabalho melhor para impedir a disseminação de informações falsas e fake news, sendo mais proativas para retirar posts denunciados, garantindo que as coisas venham de uma fonte ou algum tipo de sistema de checagem de fatos.”
Alfabetização digital
Como resultado da pesquisa, a Plan International está conclamando os governos a educar crianças e jovens na alfabetização digital. O estudo revelou que 67% das meninas e jovens mulheres nunca foram ensinadas a identificar informações falsas ou fake news na escola. “Precisamos dar ferramentas para as meninas e todas as crianças para um mundo cada vez mais digital. É por isso que estamos apoiando os apelos das meninas para que a alfabetização digital seja incluída em sua educação”, diz Bhagyashri Dengle.
A Plan International lançou um abaixo-assinado global, que será encaminhado aos governos defendendo a alfabetização digital de crianças e jovens. Todos e todas podem fazer parte do movimento. O link para assinar é plan.org.br.
Dados e metodologia da pesquisa mundial
A pesquisa Verdades e Mentiras – As meninas na era da desinformação e das fake news entrevistou meninas e jovens mulheres em 33 países em duas fases. A quantitativa teve mais de 26 mil adolescentes e jovens mulheres com idade entre 15 e 24 anos, em 26 países. Já a etapa qualitativa foi realizada com entrevistas aprofundadas em 18 países para investigar as experiências e opiniões de meninas e jovens mulheres.
Entre os países do estudo quantitativo estão Alemanha, Austrália, Brasil, Burkina Faso, Canadá, Colômbia, El Salvador, Equador, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, Finlândia, França, Holanda, Indonésia, Itália, Jordânia, Malaui, Nepal, Peru, Quênia, Reino Unido, Suécia, Togo, Vietnã e Zâmbia. A coleta de dados foi feita por duas empresas de pesquisa de marketing – Ipsos e GeoPoll – de 5 de fevereiro a 19 de março de 2021.