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Cientistas renunciam a premiação, após Bolsonaro boicotar dois pesquisadores

Na quarta (3), o presidente da República já tinha decretado a si mesmo a Ordem Nacional do Mérito Científico

Por Daniel Israel em 06/11/2021 às 15:15:16

Jair Bolsonaro, durante cerimônia de premiação de seu governo. Foto: Palácio do Planalto

Neste sábado (6), 21 acadêmicos de diferentes universidades e centros de pesquisa agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico renunciaram à condecoração. Eles divulgaram carta aberta contra decreto do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), que concedeu a condecoração a si mesmo em detrimento de dois pesquisadores.

Os cientistas desprezados ontem (5) por Bolsonaro, que já tinha se autopremiado na quarta-feira (3), são Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda. Das instituições baseadas no Rio de Janeiro, há pesquisadores e professores vinculados à UFRJ, PUC-Rio, Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), unidade avançada do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Os signatários destacam na carta que a exclusão de Adele e Lacerda é "inaceitável sob todos os aspectos". "Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação", declaram em outro trecho.

Ainda na sexta, quando o decreto com a retirada de ambos foi publicado, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) se posicionou publicamente, por meio de nota que pode ser lida aqui. No texto, a SBPC "expressa convicção de que tal condecoração deve ser destinada a quem contribuiu decisivamente para o progresso da ciência e da cultura brasileiras".

A Academia Brasileira de Ciências (ABC) também se pronunciou, em tom de "indignação e protesto". "Ciência e inovação estão sendo debilitadas por uma política econômica equivocada, que mira o horizonte imediato, com medidas que prejudicam o futuro do Brasil", afirmou em trecho. O texto pode ser lido aqui, na íntegra.

Uma das principais instituições de ensino e pesquisa do País, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), até a presente data responsável pela fabricação em solo brasileiro de quase cem milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca contra covid-19, também emitiu comunicado sobre o descaso do presidente da República e destacou o trabalho de ambos. "Marcus Lacerda foi um dos responsáveis pela pesquisa no Amazonas que apresentou evidências sobre a não eficácia do uso da cloroquina no tratamento de pacientes graves com Covid-19. Antes de ocupar a direção da Fiocruz Amazônia, Adele Benzaken foi, durante cinco anos, diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), HIV e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, tendo tido enormes contribuições na formulação de políticas públicas para a área". A publicação pode ser acessada aqui.

O filósofo, escritor e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, atual presidente da SBPC, falou à reportagem sobre os pesquisadores agraciados em anos passados que abdicaram do prêmio. "Pelo que entendi [são] 10 cientistas. Mas pode ser que não tenham sido localizados".

Um deles, embora não tenha subscrito o manifesto, foi o historiador, cientista político e escritor Luiz Felipe de Alencastro, condecorado há 20 anos, que fez uma postagem em seu perfil no Facebook. "Registro minha renúncia ao lugar de comendador da ONMC, ao qual fui admitido em 2001", afirmou o autor de obras de referência como "O Trato dos Viventes" (Companhia das Letras, 2000).

Em outubro, o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico (CNPq) sofreu corte de 92% no orçamento, cujos recursos foram destinados a outras áreas, em decisão do Ministério da Economia. Durante audiência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, se disse "surpreso". "Eu pedi ajuda para recuperação desses recursos e ele [Bolsonaro] prometeu que vai ajudar", declarou na ocasião. Em julho, a Plataforma Lattes, base de dados que reúne informações sobre pesquisadores de todo o Brasil mantida pelo CNPq, sofreu uma pane e ficou 16 dias fora do ar.

A Ordem Nacional do Mérito Científico foi instituída em 1993, por decreto do então presidente em exercício, Itamar Franco, composta de comissão que indica quem receberá a láurea, é formada por integrantes do MCTI, SBPC e ABC, sendo três de cada. Os condecorados podem ser titulados com o grau de Comendador ou a Grã-Cruz.

Imagem: Reprodução/Facebook

Confira o texto na íntegra.

"Carta aberta dos cientistas condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico

Os cientistas abaixo assinados, condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em decreto presidencial de 3 de novembro de 2021, vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados, em novo decreto presidencial na data de 5 de novembro de 2021.

Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente.

Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas.

Como bem pontuaram a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em notas divulgadas no dia 5/11/2021, a Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras. A indicação de membros agraciados é realizada por uma Comissão, formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela SBPC. Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019. Mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista.

Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação.

Outrossim, desejamos expressar nosso reconhecimento às indicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entidades que têm respeito duradouro em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação na sociedade brasileira. Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de Ciência e Tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil.

Brasil, 6 de novembro de 2021.".

Assinam (em ordem alfabética):

Aldo Ângelo Moreira Lima (UFC)

Aldo José Gorgatti Zarbin (UFPR)

Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEMA)

Anderson Stevens Leonidas Gomes (UFPE)

Angela De Luca Rebello Wagener (PUC-RJ)

Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira (IMPA)

Cesar Gomes Victora (UFPel)

Claudio Landim (IMPA)

Fernando Garcia de Melo (UFRJ)

Fernando de Queiroz Cunha (USP)

João Candido Portinari (Projeto Portinari)

José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS)

Luiz Antonio Martinelli (USP)

Maria Paula Cruz Schneider (UFPA)

Marília Oliveira Fonseca Goulart (UFAL)

Neusa Hamada (INPA)

Paulo Hilário Nascimento Saldiva (USP)

Paulo Sérgio Lacerda Beirão (UFMG)

Pedro Leite da Silva Dias (USP)

Regina Pekelmann Markus (USP)

Ronald Cintra Shellard (CBPF)

Veja, na Galeria de Fotos, os comunicados enviados ao ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, por dois dos cientistas que subscreveram a Carta aberta e renunciaram às respectivas comendas da Ordem Nacional do Mérito Científico (ONMC).

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