No último dia 16 de novembro, o roteirista carioca Felipe Cabral estreou no universo literário com seu romance “O primeiro beijo de Romeu”. A obra foi lançada pela Galera Record e, juntamente com ela, as matizes que colorem a bandeira e o universo LGBTQIA+ serão potencializadas. Inspirado nos acontecimentos da Bienal do Livro do Rio de 2019, onde houve uma tentativa de censura por parte do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, a publicação narra as vivências de Romeu que, prestes a dar seu primeiro beijo, tem sua vida virada de cabeça para baixo. Além de ser arrancado do armário para toda a escola, ele descobre que o livro que seu pai lançaria na Bienal do Rio acaba de ser censurado pelo prefeito da cidade.
Felipe contou sobre o processo de construção da história e também falou dos desafios de ser fiel ao momento narrado no livro.
“A história nasceu ali. Um mês depois da Bienal, eu já tinha toda a premissa do livro na cabeça. É uma releitura, uma livre interpretação dos fatos, uma ficção, mas que escrevo contagiado pelas minhas lembranças. Um dos desafios da escrita, inclusive, foi justamente transmitir a sensação de estar no meio daquele furacão. Celebrávamos os 50 anos da Revolta de Stonewall e eu me senti no meio de uma revolução dos livros”, pontuou o autor.
Naquela edição da Bienal, ele era mediador e curador de duas mesas sobre a literatura LGBTQIA+ na Arena #SemFiltro. Agora, discutindo, entre outras coisas, a LGBTfobia, a liberdade de expressão e as novas composições familiares, o livro conta com orelha assinada por Jean Wyllys e realiza um marco: pela primeira vez, uma obra young adult nacional publicada por uma grande editora mostra? um beijo entre dois garotos na capa, numa ilustração elaborada pelo artista Johncito.
Sobre isso, Felipe contou que a escolha preconizou uma mudança no meio editorial, abrindo espaço para novas abordagens nas histórias LGBTQIA+.
“Até minha adolescência, nunca havia lido um gibi sequer que tivesse um personagem gay com o qual eu pudesse me identificar. Só aos 20 anos, quando me aceitei gay, fui atrás de um livro onde pudesse me enxergar e não existiam muitas opções. É inegável que houve um avanço nesta literatura. Em 2017, resolvi criar o canal ‘Eu Leio LGBT’ justamente para mostrar que já existiam histórias onde estamos presentes. Mas é importante frisar que ainda há uma carência de histórias que abarquem as outras letrinhas da nossa sigla”, destacou o roteirista e escritor.
A ausência de referências ao longo da vida transformou o jovem autor num entusiasta e precursor em evidenciar o afeto LGBTQIA+ na TV. Como colaborador de Rosane Svartman e Paulo Halm, Felipe escreveu o primeiro beijo gay de uma novela das 19h na TV Globo em “Bom Sucesso”. Um pouco antes, porém, realizou o mesmo feito na quarta temporada de “Vai Que Cola”, do Multishow, com o primeiro beijo do personagem Ferdinando (Marcus Majella) em seu flerte, e na série “Quero ser solteira”, também exibida pelo canal pago, onde escreveu seu primeiro beijo gay na TV, em 2012. Na novela “Totalmente Demais” também escreveu uma sequência contra a homofobia.
“É muito importante que nossos beijos sejam cada vez mais comuns na indústria cultural. As novelas, filmes, peças e livros constroem o imaginário de uma sociedade e podem derrubar preconceitos através da arte. Quanto mais beijos forem exibidos, menos tabus eles serão ”, comentou Felipe.
Entre as circunstâncias de seu primeiro romance, o autor ainda destacou o processo de autoaceitação de Romeu e as relações familiares como as mais emocionantes.
“Romeu começa o livro, e isso não é? spoiler, sendo tirado do armário à força para toda escola. De uma hora para outra, seus medos e inseguranças vêm à tona da pior forma possível. Mas quando eu escolho esse menino como protagonista, quero mostrar que ele não está sozinho”, afirmou.
Felipe também adiantou que um dos seus principais objetivos é despertar o desejo dos leitores em buscar outras histórias com temáticas e personagens do universo LGBTQIA+.
“Eu desejo que o meu leitor termine ‘O primeiro beijo de Romeu’ e fique com vontade de ir atrás de outros livros com personagens LGBTQIA+. Que tenha coragem para ser quem ele é. Muito já foi conquistado, mas é preciso ir além: dar espaço para histórias com personagens negros, contratar autores negros, valorizar a literatura nacional, ampliar essa representatividade dentro da própria sigla LGBTQIA+. Eu sou otimista e acredito que estamos num bom caminho”, concluiu.