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Poder Judiciário promove debate sobre racismo estrutural como legado da escravidão no Brasil

Mais de mil documentos no Arquivo Central do Poder Judiciário contam a luta dos escravizados pela liberdade

Por Portal Eu, Rio! em 22/11/2021 às 09:09:22

Rio chegou a ter 46% da população composta por pessoas escravizadas. Foto: TJRJ.

No Arquivo Central do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro estão 1360 documentos que contam as histórias de luta, dor e resistência de escravizados no Brasil. E o tema será debatido nesta terça-feira (23), às 17 horas, pelos professores Flavio Gomes e Beatriz Mamigonian no debate “Racismo estrutural: Legados da Escravidão do Brasil”, organizado pelo Museu da Justiça – Centro Cultural do Poder Judiciário (CCMJ).

Os convidados irão analisar a permanente luta da população negra por seus direitos e contra o preconceito racial que, iniciado no Brasil colônia, perdura até hoje. O evento é gratuito e será transmitido pela plataforma Teams. Para acessar, você deve clicar neste link.

Escravidão no RJ

Mais de 4 milhões de pessoas escravizadas foram traficadas da África para o Brasil. Só no Rio de Janeiro, principal porto e entreposto durante os períodos colonial e imperial, cerca de dois milhões de cativos chegaram em navios negreiros, de onde então também eram arrematados e levados para diversas cidades.

De acordo com um censo, o Rio chegou a ter 46% de sua população composta por escravizados. Entre eles, Manoel Congo, parte em um dos autos processuais preservados no Arquivo Central.

Manoel foi um líder quilombola à frente de uma rebelião ocorrida na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Paty do Alferes, na vila de Vassouras, em 1838. A insurreição começou após o feitor de uma fazenda matar um escravo. Os fugitivos cometeram furtos, assassinatos e depredações nas fazendas da região. Quando o quilombo foi derrubado, Manoel Congo foi condenado à morte e executado na forca.

A equipe do Serviço de Gestão de Acervos Arquivísticos Permanentes (DGCOM-SEGAP) analisou ao longo de 11 meses toda a documentação física referente à escravatura arranjada nos Fundos Documentais da “Casa da Suplicação do Brasil (1808-1833)” e “Relação do Rio de Janeiro (1833-1890)”.

A construção de um catálogo organizado segundo critérios temáticos, cronológicos, onomásticos ou toponímicos (reunindo a descrição individualizada dos documentos) foi planejada com o intuito de viabilizar o acesso ao acervo com a recuperação da informação de forma célere e transparente.

“Diferentemente do que era ensinado nos antigos livros de História, que apresentavam os trabalhadores escravizados como seres que aceitavam como definitiva sua condição de cativo, o acervo histórico do Poder Judiciário comprova o protagonismo dos escravizados na luta por liberdade e melhores condições de vida, em uma sociedade marcada pela estratificação social, definida no ordenamento jurídico de então”, ressaltou Gilmar de Almeida Sá, chefe do Serviço de Acervo Textual e Audiovisual e de Pesquisas Histórias (SEATA) do TJRJ.

História de assassinatos e torturas

Aos maus tratos, exploração, assassinatos e torturas, os cativos resistiam de diferentes maneiras. A luta pela liberdade e por dignidade poderia se dar tanto pelas revoltas, com fugas, formações de quilombos e levantes, como meio por meios legais, aproveitando a solidariedade e o companheirismo para fazer valer seus direitos.

Custodio, Adão, Peregrino, Basilio, Felicio, Fausto, Rita, Elysa, Veronica e Delphina alegaram ter recebido o direito à liberdade após a morte de sua senhora, dona de terras no município de Valença, em 1886. Apesar de a prática ser comum, em muitos casos aos escravizados era negado esse direito acordado, deixado em testamento. Os dez tiveram de enfrentar a oposição dos herdeiros, que chegaram a protocolar um novo testamento, mas o pedido para anular a liberdade foi negado, com base na Lei do Ventre Livre, que tornara irrevogáveis as alforrias concedidas, promulgada quinze anos antes.

O sistema escravista era tão violento e incrustrado de tal maneira na sociedade brasileira que, em 1855, a liberta Joana, mesmo de posse de sua carta de alforria, obtida com indenização de 320 mil réis, solicitou mandado de manutenção da liberdade. Os documentos mostram que ela fez o pedido a fim de assegurar seus direitos contra qualquer ameaça de reescravização, “para jamais ser embuchada em tempo algum, visto que resumiu sua pessoa do cativeiro e foi libertada judicialmente”.

O temor de libertas como Joana se justificava em histórias como as de crioula Miquelina, como registrado nos autos judiciais. Em 1841, ela, que tinha sido alforriada no testamento de sua senhora sob a condição de pagar uma cota de 200 mil réis, pede que seja autorizada a depositar a quantia para receber a liberdade. Entretanto, o pedido foi negado, com a alegação da filha herdeira de que o valor da escrava excedia o quinhão da falecida.

Os autos processuais servem também como prova dos temores que a organização e a rebelião provocavam nos senhores de escravos, nas classes abastadas e nas instituições públicas, organizadas em torno dos interesses econômicos da elite escravocrata. Como forma de impedir e desestimular fugas, os senhores seviciavam os cativos que eram recapturados. O escravo Antônio, que fugia pela Rua da Conceição, no Rio, quando feriu e foi capturado por um policial, se tornou réu e foi sentenciado a açoites e ao uso de ferro no pescoço por cinco dias.

Outra peça de destaque no Arquivo histórico é um Arbitramento, de 1881. Nele, o escravizado Pedro, representado por um curador, e com base na Lei do Ventre Livre, requer que se arbitre o valor a ser pago ao seu senhor por sua carta de liberdade, e pede que seja considerada a idade avançada e aceitação de pecúlio para o pagamento. Nos autos consta a Carta de Liberdade.

Todos estes processos e outros já estão digitalizados e podem ser acessados online no terminal de consulta localizado portal do Museu da Justiça.



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