O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu os pedidos de licenciamento, loteamento, construção ou instalação de qualquer empreendimento no interior e entorno da Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, na região conhecida como Restinga de Zacarias. Com isso, fica impedida a construção de um resort na localidade, pela empresa IDB Brasil Ltda. O STJ atendeu a ação civil pública da Associação de Preservação das Lagunas de Maricá e da Associação Comunitária de Cultura e Lazer dos Pescadores de Zacarias (Accaplez), representada pela Defensoria Pública do Rio. Também participou da ação o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Assim, está em vigor o acórdão proferido pela 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em julho, mantendo-se a liminar, a pedido do MPRJ, que pleiteava a anulação do licenciamento administrativo que tramitava no Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Na porção leste da APA está localizado o território da comunidade pesqueira de Zacarias, registrado pelo Mosteiro de São Bento em 1797. Trata-se do lugar de moradia, trabalho, extração de recursos naturais, confecção de materiais de pesca artesanal e práticas culturais das antigas famílias. Elas criaram a “pesca de galho” na lagoa, com recursos da restinga, e realizam tal técnica exclusivamente até o presente. No verão a atividade no mar se acentua e os zacareiros atravessam as seculares rotas de pescaria, denominadas “caminhos de pesca” entre o casario e o mar, que cruzam as dunas, os brejos e a praia.
Na APA de Maricá se encontra o ecossistema de restinga, um ambiente nativo, componente do Bioma Mata Atlântica, de alta biodiversidade, importantíssimo do ponto de vista científico e Patrimônio da Humanidade pela UNESCO-ONU, enquanto Reserva da Biosfera. Com mais de 400 tipos botânicos, este ambiente acolhe espécies ameaçadas de extinção presentes no Livro Vermelho do ICMBio (lagarto da cauda verde, bromélias, cactos etc), sendo 19 espécies da flora e da fauna endêmicas, únicas no mundo (tipos específicos de peixe-das-nuvens, ratinho de espinho, aranha e 14 insetos). Sobre as aves, há 265 espécies, inúmeros e especiais locais de reprodução, de pouso e de invernada das espécies migratórias nacionais e internacionais. Outras preciosidades são as dunas raras de areias grossas a médias. Trata-se da restinga com o maior número de trabalhos científicos do país, mais de 300 entre livros, artigos, monografias de graduação e pós-graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado, pesquisas financiadas pela FAPERJ, CNPq e FINEP.
Em petição encaminhada ao Ministro Herman Benjamin na última semana, o MP e a Accaplez solicitaram a urgente publicação do acórdão proferido pela Corte Especial do STJ em julgamento realizado em abril, que restabelecera os efeitos da liminar concedida no Agravo de Instrumento. No requerimento, expuseram ao Ministro que, valendo-se da pendência da publicação do acórdão, a IDB Brasil formulou pedido administrativo ao Inea e obteve a licença de instalação do empreendimento Maraey no interior da APA de Maricá, cujo lançamento, em outubro, contou com a presença de diversas autoridades públicas. Segundo o MP e a Accaplez, o Inea manteve o processo de licenciamento do empreendimento em desrespeito às decisões judiciais.
No acórdão do STJ, publicado no último dia 17, o ministro, em seu voto, seguido pela maioria, destacou a existência de riscos graves e irreversíveis ao meio ambiente, caso haja desmatamento e instalação do empreendimento no local. “Consumado o dano ambiental e instalado o empreendimento ou atividade, comumente a degradação vira fait accompli, irreversibilidade determinada pela realidade implacável do mundo como é, e não do mundo como deve ser. Nesse contexto de destruição sem retorno, remanesce apenas cicatriz ecológica imune à restauração, incrustada na paisagem urbana ou rural”, diz um dos trechos do seu voto.
Em nota a IDB Brasil informou que, reitera de modo enfático que, após julgamento favorável no Tribunal de Justiça do Estado do Rio no mês de agosto, não há, atualmente, qualquer decisão da Justiça, entre as quais os acórdãos publicados nesta semana, no sentido de impedir a continuidade do empreendimento. A empresa cumpre rigorosamente todos os ritos legais desde o início do processo de licenciamento do projeto, há mais de 10 anos, e jamais atuaria em descumprimento a qualquer decisão judicial vigente. A IDB Brasil segue, portanto, trabalhando no desenvolvimento do mais importante complexo turístico-residencial sustentável do país, que terá, entre outros ativos, ocupação predial de apenas 6,6%, a segunda maior reserva particular de restinga do Estado e um centro de pesquisas para estudar ecossistemas locais, além de apoio integral à comunidade de Zacarias, com entrega de título de propriedade aos moradores, infraestrutura e apoio à pesca artesanal, entre outros benefícios.
Procurado, o Inea informou que não é parte no processo no STJ, não foi formalmente intimado, tendo recebido apenas notícia da intimação referente à decisão, e reitera sua posição no sentido de observar o estrito cumprimento das decisões judiciais.
O empreendimento
As obras do resort estavam programadas para começar no próximo mês. O projeto prevê a criação de 36 mil empregos na cidade e quatro hotéis cinco estrelas, campo de golfe, hípica e oito quadras de tênis, além da regularização fundiária de Zacarias. A primeira fase das obras tem como objetivo a urbanizar e pavimentar mais de 20km de estradas. O empreendimento vai sediar, também, uma universidade de hotelaria e alta gastronomia, de padrão internacional, para posicionar Maricá como polo de formação especializada na América Latina. Com capacidade para preparar 700 alunos, a Universidade de Hotel Management & Haute Cuisine terá 32 salas de aula, uma biblioteca com 750 metros quadrados, um auditório para 350 pessoas, três refeitórios, ginásio, além de 152 dormitórios para os estudantes.
Para o município o empreendimento resultaria na arrecadação em mais de R$7 bilhões em impostos durante a construção e consolidação de vendas, o que irá ocorrer em aproximadamente 14 anos. Além disto, ainda há a arrecadação anual de R$ 1 bilhão na operação.