Entidades de classe de enfermeiros e outros trabalhadores da enfermagem estão se mobilizando para que seja votado ainda em 2021 o projeto de lei do Piso Nacional da Enfermagem, que tramita na Câmara dos Deputados. No último dia 24, o texto foi aprovado no Senado Federal. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), informou a integrantes da Frente Parlamentar da Enfermagem que não pretende pautar a proposta para votar, mas levá-la para análise de comissões temáticas, fazendo com que o texto seja discutido do zero somente em 2022.
A Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e a Associação Brasileira de Enfermagem (ABE) estão articulando um ato público nos próximos dias em Brasília (DF) para pressionar Lira a colocar logo o projeto em votação.
"Estamos tentando construir um movimento nacional, o Lira foi irresponsável. Na verdade, ele está atuando para que o projeto não se concretize, há algum tempo. Ele disse que ia fazer um gol de placa e colocar o projeto de 30 horas ontem, só que ninguém falou em nenhum momento que queria isso", conta Christiane Gerardo, enfermeira do Hospital Federal Cardoso Fontes e diretora do Sindsprev-RJ (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro).
Na última quarta-feira (1), o requerimento de urgência para a votação do PL 2564/2020, que institui o piso da categoria, com mais de 250 assinaturas, foi protocolado pelo presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Enfermagem, deputado Célio Studart (PV-CE). Outros deputados federais já protocolaram pedidos de inclusão na Ordem do Dia.
A proposta enfrenta resistência de prefeitos, que alegam não ter recursos para bancar o novo piso da categoria, além de hospitais privados e Santas Casas de Misericórdia. Em nota divulgada recentemente, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) estimaram que a aprovação do piso nacional para enfermeiros e técnicos de enfermagem pode criar um custo extra com salários e encargos de R$ 18,4 bilhões por ano para o setor de saúde, tanto público quanto privado. Desse total, R$ 12,5 bilhões teriam de ser custeados pela União, os estados, municípios e hospitais filantrópicos.
As estimativas levaram em conta os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), elaborada em 2019 pelo Ministério do Trabalho, com base no número de enfermeiros e técnicos atuando no país e o salário médio que recebem. A versão aprovada pelos senadores prevê piso de R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375,00 para auxiliares e parteiras.
Nesta semana, Lira já declarou que o projeto é polêmico, por isso não deve ir a plenário sem antes passar por discussões aprofundadas, por meio de audiências públicas, em comissões. Deputados que defendem o piso nacional para a categoria já apresentaram requerimento de urgência, mas o pedido tem de ser votado pelo plenário, o que depende da vontade de Lira.
O presidente da Câmara tem ignorado as comissões ao pautar proposições controversas quando ele tem interesse na aprovação imediata da proposta em plenário. "Quem conhece o método dele, entende o que ele quer quando fala em ouvir as comissões. Temos até o dia 17 para votar esse projeto ainda este ano. Vamos pressionar. Votar a urgência é o mínimo que ele pode fazer", reclamou Célio Studart.
Prefeituras não garantem recursos
O projeto original, do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), previa piso de R$ 7.300,00 para enfermeiros. O valor foi reduzido mediante acordo costurado pela relatora, Zenaide Maia (PROS-RN).
A criação do piso salarial nacional representa uma conquista para os 2,5 milhões de profissionais de enfermagem. Entre eles, há quase dois milhões de técnicos e auxiliares, que estão especialmente vulneráveis aos subsalários, como demonstram os dados da pesquisa "Perfil da Enfermagem no Brasil", realizada pela Fiocruz. Em 2015, quase metade dos profissionais (45%) recebiam salários abaixo de R$ 2 mil. Somente quatro em cada 100 recebiam mais de R$ 5 mil.
Para o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o estabelecimento de um piso salarial para a enfermagem é louvável, mas é preciso que a União arque com as diferenças, pois as prefeituras, ressalta ele, não têm condições de dar aumento aos profissionais que atuam na rede municipal. "O Congresso Nacional, de forma irresponsável fiscalmente falando, cria despesa para um ente da federação, de forma populista e demagógica. Nós defendemos o piso, mas que seja algo pagável e responsável. Como está, não temos como pagar. Não dá para fazer favor com chapéu alheio”, declarou Ziulkoski recentemente à imprensa.
De acordo com ele, a maior parte do impacto dos R$ 8,9 bilhões que a medida causará aos cofres públicos será com o pagamento dos técnicos de enfermagem, que receberão 70% do piso do enfermeiro. "Não estamos estimando gastos adicionais, como o da insalubridade, que enfermeiros recebem. Os custos serão ainda maiores. O problema maior não será cobrir despesa com os enfermeiros, com os técnicos e auxiliares em enfermagem, que são muito mais numerosos. Nenhum município paga 70% do que ganha um enfermeiro para o técnico nem 50% para o auxiliar", afirmou o presidente da CNM. "Quem vai pagar por isso não será o prefeito, que não será preso por não pagar. Afinal, ele não tem dinheiro. Quem pagará será o cidadão, que verá uma piora no atendimento. Há dez anos, o governo federal não aumenta os repasses do SUS".