A mente de Lima Barreto, dessecada com poesia e arte, cada neurônio e veia nervosa eletrocutando estigmas e a síndrome de uma suposta raça, classe ou grupo superior. No monólogo "Traga-me a cabeça de Lima Barreto", que estreia nesta sexta-feira (19), no CCJF (Centro Cultural Justiça Federal).
Nele, o ator Hilton Cobra arrasta a atenção dos espectadores para uma profunda reflexão sobre a obra e a genialidade de Lima Barreto, seus percalços da vida, loucura, racismo e eugenia (teoria de seleção genética baseada em características hereditárias com o objetivo de melhorar as gerações futuras), diga-se de passagem esta teoria permeava o regime nazista que perseguiu e ceifou judeus, homossexuais, ciganos e negros durante a II guerra.
O espetáculo percorre o país desde abril de 2017 com uma performance marcante contando um pouco da história do escritor e jornalista brasileiro, morto em 1922.
A peça foi escrita especialmente por Luiz Marfuz para festejar seus 40 anos de trajetória artística. Dezenas de críticas assinalam o valor artístico do trabalho juntando crítica social e racial, criada graças a um coletivo de profissionais como Fernanda Júlia (direção), Marcio Meirelles (cenário), Jorginho de Carvalho (luz), Zebrinha (direção de movimento), Jarbas Bittencourt (música) e Biza Viana (figurino).
A produção desvenda a cabeça do escritor através de uma autópsia realizada por eugenistas brasileiros, na década de trinta. Estes senhores julgavam que da cabeça de Lima não poderia ser uma fábrica de ideias, um manancial de conhecimento sendo considerado o seu cérebro inferior não sendo capaz de produzir uma obra tão extensa e nobre.
Tendo esta análise da mente de Lima Barreto procura mostrar um pouco do seu acervo, de sua obra não reconhecida e de seus embates políticos e literários.
Cenas de documentários
Ilustrando essa imersão no universo de Barreto serão exibidas cenas dos documentários "Homo Sapiens 1900" e "Arquitetura da Destruição" que apresenta a estratégia e Arte utilizada na propaganda Nazista, cujo o destaque principal é o ditador Adolf Hitler com sua ideia da "raça ariana", mais bela e superior raça no planeta. Emprestando suas vozes para textos em off figuram os atores Lázaro Ramos, Frank Menezes, Harildo Deda, Hebe Alves, Rui Manthur e StephaneBourgade - amigos e admiradores do trabalho de Cobra.
A peça se desdobra em criar um equilíbrio sobre a eugenia e a vida do escritor, e foi para Luiz Marfu desafiante.
"Obviamente estamos tratando de uma situação imaginária, um Lima idealizado. Ele sempre se colocou como um escritor militante, posicionando-se contra a política, os governantes, o sistema econômico, as injustiças sociais. Mas a questão da eugenia não foi tratada por ele de forma direta e aberta", explica Marfuz.
Responsável pela direção do espetáculo, Fernanda Julia destaca: "O diálogo crítico e politizado sobre negritude é um disparador potente colocado nas cenas ... e provocar a reflexão e problematizar o que está posto. São dois caminhos que sigo e que fundamentam minhas escolhas poéticas e estéticas. Sou uma encenadora negra e afirmativa, desejo sempre colocar em cena a beleza, a grandiosidade e as vitórias do meu povo. "
Hilton Cobra, criador da Cia dos Comuns em 2001 esclarece a motivação para encenar "Traga-me a cabeça de Lima Barreto".
"É importante e providencial discutir eugenia e racismo reconhecendo o Lima - um autor tão pisoteado, tão injustiçado, cm sua literatura brasileira "a sua pátria estética", os privados de liberdade. Acredito que ele deve ter sido, se não o primeiro, um dos primeiros autores brasileiros que colocaram esse "submundo" em qualidade e com importância dentro de uma obra literária", ressalta Hilton Cobra.
Mais de 10 mil pessoas já assistiram o espetáculo que caiu no gosto da crítica e do público. Mais uma oportunidade cultural e política para entendermos questões sociais de nosso país.