Quem não aprecia uma boa xícara de café? Parece que os números não escondem a preferência e o famoso grão continua sendo um dos produtos mais consumidos pela população ao redor do planeta. Seja no trabalho, na padaria, no desjejum ou ainda nas reuniões entre familiares e amigos, é sempre difícil resistir ao aroma e o sabor da segunda bebida mais apreciada do país.
Toda essa popularidade se reflete em altos índices. Em 2018, de acordo com dados divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), a previsão para a produção brasileira foi de 54,04 milhões de sacas de 60 kg. Com isso, o país deve ocupar a liderança no ranking dos maiores produtores mundiais. Um primeiro lugar que ostenta 36% do total produzido em todo o mundo.
Considerada um recorde, a produtividade atingirá uma média de 30,86 sacas de café por hectare. Neste ano, A CONAB também aponta que a área destinada à cafeicultura do país vai ser de 1,88 milhões de hectares. Os números são um reflexo do ciclo da alta bienalidade, uma característica da cafeicultura brasileira definida pela alternância entre safras altas e baixas. Além do mais, outros fatores como as condições climáticas e o aperfeiçoamento tecnológico prometem contribuir para o sucesso do setor.
Relacionados de acordo com a porcentagem da produção total, os estados brasileiros que mais produzirão em 2018 são: Minas Gerais (53%), Espírito Santo (22%), São Paulo (10%), Bahia (8%), Rondônia (4%) e Paraná (2%). Diante dos percentuais, um relatório produzido pela OIC (Organization Coffee International) revela que 36% da quantidade consumida mundialmente deve ser brasileira.
Dados da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) indicam que o consumo interno do café sofreu um aumento em 2017. Praticamente, isso significa que a mercadoria passou pela crise econômica sem sofrer grandes impactos. A quantia consumida por cada brasileiro cresceu para 5,1 kg por ano. Algo em torno de 83 litros de café por pessoa.Em dezembro do ano passado, nas prateleiras de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, os preços oscilaram entre 8,3% e 23,67%. Ao contrário dos custos de 2016, a resposta do mercado nacional foi positiva e se normalizou diante da oferta e dos valores.
O amadurecimento do mercado cafeeiro nacional foi primordial. Uma característica que possibilitou diversas alternativas negociais, novos meios de distribuição, bem como, novas modalidades do crescimento acelerado. Sem esquecer, o perfil do consumidor que se tornou mais exigente e conhecedor do produto.
Para Gilberto Braga, economista e professor da IBEMEC e FDC (Fundação Dom Cabral), a cultura do café possui um público bastante sedimentado no mercado interno e externo. Para ele, as principais produções brasileiras estão cada vez mais sofisticadas.
"Atingimos um aprimoramento e uma padronização bem interessante. Nos últimos anos, o Brasil tem conseguido reverter às perdas que impactaram a sua participação na comercialização internacional. O cooperativismo, por exemplo, é uma alternativa que vem ocupando espaço no financiamento das atividades agropecuárias. Muitas vezes, como elas são estabelecidas em regiões distantes e, que possuem centros urbanos pequenos, onde os bancos convencionais estão deixando de atuar. Também por conta do avanço dos aplicativos, as ações de créditos entre o empreendedor agropecuário e a gerência bancária, perderam lugar no sistema convencional. Neste contexto, a abertura de cooperativas vem se expandindo e alavancado a economia regional e nacional", explicou Gilberto.
Modernização, gestão democrática e novas perspectivas
A modernização da infraestrutura é parte do plano da cooperativa - Imagem: José Ferreira
Atualmente, segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o país possui 287 mil produtores de café distribuídos em 1.900 municípios. A grande parte dos agricultores é integrante de alguma associação ou cooperativa. Dessa forma, todos podem aproveitar os benefícios atrelados aos princípios cooperativistas. Entre eles, a gestão democrática, a autonomia, a educação continuada, a participação econômica e outras vantagens.
O cooperativismo tem incentivado a orientação técnica para os cafeicultores que podem absorver os ensinamentos agrícolas, mercadológicos, ambientais e econômicos. Assim, ocorre a viabilização de uma qualificação que possibilita a transformação gerencial desses empresários rurais e o aumento dos empregos e da preservação do meio ambiente.
Hoje, de acordo com o Centro do Comércio do Café do Rio de Janeiro (CCCRJ), o estado possui 1.420 propriedades que cultivam o produto. Na safra 2015/2016, elas foram responsáveis pela produção de 347.400 sacas de café do tipo arábica.
As regiões Sul, Noroeste e Serrana centralizam a produção. Além disso, em geral, os cafeicultores possuem terrenos com extensões menores que 50 hectares. Essa característica define o perfil de 75% dos produtores. Um dos principais municípios que compõe a lista dos grandes produtores estaduais é Varre-Sai, no interior fluminense. Na cidade, encontra-se 29% do parque cafeeiro da região noroeste, e está a sede da principal cooperativa do estado, a COOPERCANOL.
Em 2018, a estimativa da CONAB é que a safra de Varre-Sai atinja 106 mil sacas. Isso equivale a 30% do que deve ser produzido em todo o Rio de Janeiro. Não à toa, por meio da Lei 6.726/14, a localidade foi nomeada a Capital do Café.
O título não é justo somente pela produtividade, mas também pelo envolvimento social que a atividade promove na região. O café é o principal produto em 650 propriedades rurais e emprega aproximadamente três mil pessoas no período de colheita, além da marca de 4.660 hectares de área plantada. Na prática, a quantidade de empregados corresponde a 25% da população e as plantações a 20% do território de Varre-Sai.
Em 2015, depois de alguns anos desativada, a COOPERCANOL reiniciou suas atividades comerciais. Não demorou muito para o cenário da cafeicultura do Noroeste mudar e ganhar fôlego. Principalmente, pelas ações que vem sendo implementadas em conjunto com órgãos públicos e investidores. Para o presidente José Ferreira, o trabalho em parcerias com outras entidades tem modificado significativamente a qualidade do café com bons resultados.
"Apesar de ainda não está comercializando o café, já conseguimos melhorar o preço no comércio local. Tudo por meio da orientação do mercado aos produtores, principalmente, para os cafés de melhor qualidade. O principal gargalo da cafeicultura no Noroeste Fluminense está na comercialização por deficiência das empresas legalizadas na compra de café. Por tal motivo, a grande parte da produção da região ainda sai clandestinamente", explicou o presidente.
Segundo ele, a cooperativa foi fundada em 1977, mas ficou um longo período sem realizar atividades. No começo, era apenas um grande espaço físico. Com a reativação, a modernização e o impulsionamento na produtividade do setor, o objetivo da entidade é comercializar o café dos seus sócios. Por enquanto, a venda segue apenas para os comerciantes privados e alguns atravessadores e pela exportação para os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Em 2012, um grupo de produtores resolveu reativá-la e apresentou um projeto ao BNDES. A proposta foi aprovada e a COOPERCANOL recebeu recursos para instalação de uma unidade de "rebeneficiamento" do café.
"Hoje estamos preparados para iniciar nossas atividades de comercialização. A intenção é começar o mais rápido possível. Para isso, estamos recebendo uma consultoria via SEBRAE e outra através do Programa Rio Rural, com o intuito de capacitar à diretoria, os funcionários e os associados", completou.
Sucessão familiar
Aherança verde de seu Juscelino - Imagem: Juscelino Gonçalves
Juscelino Gonçalves, 60, iniciou a sua relação com a cafeicultura por meio da herança familiar. Quando o conhecido produtor Tessa Vargas trouxe o cultivo para o noroeste fluminense, seus antepassados acompanharam a chegada do café na região. Na época da decadência no Vale e no sul do estado do Rio de Janeiro, Vargasmigrou com as plantações para Leopoldina e Bicas, em Minas Gerais. De acordo com Juscelino, sua família seguiu para Natividade e depois para Varre-Sai onde se estabeleceram e passaram a viver da produção cafeeira.
Em 2004, após o falecimento do pai, que chegou a ser presidente da Coopercanol, o produtor herdou uma parte da sociedade na cooperativa. Inicialmente, trabalhava com a plantação das mudas no sítio da família. Em seguida, comprou as partes dos irmãos. Hoje, ele possui seis mil pés, além de mais 60 mil que devem ser plantados em breve.
"O café sempre foi um agregador de valores, não somente no âmbito econômico, mas também socialmente. Ele não mudou apenas a minha vida, ele transformou a vida de todos que vivem nesta região. Com a crise de 60 e a chegada de novas tecnologias desenvolvidas pela EMBRAPA, o município cresceu consideravelmente. Eu, por exemplo, vi Varre-Sai ser uma vila. Agora, me assusto com o tamanho e a velocidade do desenvolvimento da cidade. O café modificou a relação entre as famílias e entre os patrões e seus empregados. Todos somos colaboradores e parceiros", contou.
Segundo o agricultor, a cada dez sacas de café, quatro são do meeiro. São eles que entram com a mão de obra. O dono da terra fica com seis sacas e se responsabiliza por outros custeios.O produto é dividido e ajuda na distribuição mais justa da renda.
"Apesar de está um pouco assustado com os custos, sigo firme nos investimentos. Isso porque, nos próximos três anos pretendo chegar à marca de mil sacas anuais. Quem sabe, né? Ainda sou produtor e também participo das reuniões da cooperativa e atuo como suplente. Atualmente, com o suporte do BNDES, da SEBRAE, do FIRJAN, da EMATER, da Secretaria de Agriculturae de uma série de outros órgãos, a esperança aumentou", comemorou Juscelino.
Em parceria com a SEBRAE e a Universidade de Viçosa, a cooperativa ainda oferececursos para os seus 153 associados com o intuito de motivar e conscientizar os cafeicultores. A ideia é inseri-los nas estatísticas nacionais da produção cafeeira.
Qualidade, sustentabilidade e transformação
Noscafezais da família Vargas, a esperança e o respeito ao potencial regional - Imagem: Márcio Vargas
O Café Vargas é uma das empresas associadas à COOPERCANOL. Desde 2009 quando passou a atuar no ramo da torrefação, Geraldo Vargas e seus filhos entraram no mercado competitivo estadual. Entretanto, já faz 20 anos que a Fazenda Ribeira produz um café com reconhecido padrão de qualidade.
Os últimos anos foram decisivos para o desenvolvimento da empresa. De fato, o olhar sobre o potencial do norte e noroeste impulsionaram o agronegócio local.
"Nossa relação com a cooperativa foi importante na implantação do rebeneficiamento do café. No início, não tínhamos o maquinário necessário e era na COOPERCANOL que processávamos nosso produto. A associação também foi uma âncora para o desenvolvimento da cafeicultura do município. Por meio dela, conseguimos algumas parcerias e projetos relevantes que contribuíram na evolução do setor", explicou Márcio Vargas, um dos proprietários.
A propriedade rural está localizada em Varre-Sai e 60% da sua safra são de cafés especiais. Além disso, a fazenda tem investido em sustentabilidade buscando preços justos, o equilíbrio ambiental e a valorização dos seus colaboradores. Até o momento, são 15 famílias vivendo e tirando o sustento dos cafezais da Ribeira. A parceria tem proporcionado qualidade de vida e ganhos igualitários.
Os responsáveis pelo Café Vargas também criaram uma reserva particular natural dentro do patrimônio. A área é destinada a pesquisa e preservação da Mata Atlântica. A 800m de altitude, os cafezais são beneficiados pelas condições do solo e o manejo adequado na colheita.
Em outubro de 2018, o Concurso Estadual de Qualidade do Café selecionou os melhores produtos do estado. Realizado pela SEBRAE, em parceria com a COOPERCANOL, a EMATER, a CCCRJ, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) e da Prociência e Mattos Consultoria, a competição elegeu dez produtores. No total, foram 54 inscritos que submeteram os grãos a análise física e degustação.
O Café Vargas foi premiado por três amostras e conquistou o segundo, o oitavo e o nono lugar. Diante do reconhecimento, Márcio Vargas celebrou a disputa e destacou a visibilidade da produção regional.
"Nós do Noroeste fluminense ficamos com seis amostras entre as dez melhores da competição. Dessas dez, três delas foram da Fazenda Ribeira. Como trabalhamos em um sistema de parceria, cada uma das amostras premiadas foram nomeadas em homenagem há alguns dos nossos parceiros. Por esse motivo, ficamos muito satisfeitos. Afinal, desde 2004, estamos nos dedicando e cuidando da nossa infraestrutura com objetivo de sempre obter os melhores resultados. Conseguir o segundo lugar foi muito expressivo e motivador. Uma oportunidade de mostrar a nível estadual e também nacional, o potencial do Café Vargas", comemorou.