Quando se fala que a música é eterna, isso significa que jamais a morte pode apagar o brilho de um profissional do meio. E nem mesmo a fatalidade pode impedir que um novo trabalho inédito seja apresentado ao público. Esta é a explicação literal para o álbum "No Meio do Caminho", trabalho póstumo do Beni Borja, um dos fundadores do Kid Abelha, e que faria 61 anos nesta segunda-feira (21) se fosse vivo. E é justamente nesta data que o álbum é lançado.
Nascido como Carlos Beni Carvalho de Oliveira Borja, Beni era tido como um guru no meio musical por descobrir inúmeros talentos, como Biquíni Cavadão e Gabriel, O Pensador. E por anos ele desenvolveu um trabalho praticamente sozinho, o "No Meio do Caminho", projeto no qual trabalhou por dez anos. Essa foi uma criação onde o guitarrista fez tudo sozinho, gravando todos os instrumentos e empilhando camadas musicais em seu estúdio particular.
Em 2016, o repertório estava pronto, e o compositor, preparado para cantá-lo, mas a produção se arrastava com muitas indefinições. Foi quando o baixista Rian Batista (Cidadão Instigado), casado com a filha de Beni, a artista plástica e também cantora e compositora Julia Debasse, entrou em cena:
“Casa de ferreiro, espeto de pau. O Beni, que ajudou tantos artistas a colocar seus projetos de pé, não estava conseguindo fazer isso por si mesmo. Era um caos cheio de indecisões, e eu lhe disse o óbvio”, conta Batista.
O óbvio, no caso, era reunir uma banda, tocar e criar os arranjos a partir das sessões. Assim foi feito, e, em algumas semanas, nove das dez faixas do disco estavam gravadas: Beni, cantando e tocando violões e guitarras, Sérgio Diab (Stratoman), nas guitarras, violões e vocais de apoio, Bruno Wanderley, na bateria, e Rian, no baixo e vocais. Apenas “Matemática”, com a sua pegada latina, manteve- se na versão solitária do autor.
No Meio do Caminho apresenta a digestão pessoal de um conhecimento musical sem fronteiras. Corais gospel, beats eletrônicos e refrões de MPB, melodias nordestinas e riffs pesados combinam-se, sem artificialismos, num resultado onde o que sobressai, de fato, é o apreço pela canção e seus ourives, mais uma chave para entender o disco. Com temas e letras que escapam à trivialidade, as 10 canções do álbum compõem um extraordinário painel do atual massacre das nossas subjetividades, submetidas a fórmulas compradas prontas.
No início de 2020, o disco, com produção assinada por Rian e Diab, estava praticamente pronto, mas a pandemia chegou e adiou o lançamento. Beni finalizou e batizou o álbum e escolheu para a capa uma pintura da filha; um carro quebrado no meio da estrada e um homem que parece cogitar aflito sobre o que fazer.
Em dezembro de 2021, ele se preparava para, afinal, apresentar a obra ao público no início deste ano. Mas, dois dias antes do Natal, literalmente no meio do caminho, no trânsito, um infarto súbito levou Beni em segundos, mesmo tendo sido imediatamente socorrido.
Apesar do falecimento do guitarrista, os produtores e a família de Beni prometem levar "No Meio do Caminho" ao palco para celebrar a vida do artista que rejeitava o título “roqueiro” e preferiria ser chamado de "músico", principalmente criador.