Às 18 horas do dia 10 de abril de 1924, na casa 117 da antiga Rua Visconde de Itaúna, via que desapareceu do Centro do Rio para dar espaço à Avenida Presidente Vargas no início dos anos 1940, o silêncio se impôs no ambiente acostumado aos batuques de atabaques e tamborins. Morria, naquele momento, por colapso cardíaco, Hilária Pereira de Almeida, a Tia Ciata, grande dama da então Pequena África, anfitriã de festas e rodas de samba memoráveis por onde passaram bambas como Donga, Sinhô e João da Baiana, entre tantos baluartes.
O óbito repentino foi atestado pelo médico C. Salles e consta na documentação da partilha amigável dos bens de Hilária, localizada recentemente no Arquivo Central do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. No mesmo local encontram-se documentos que ajudam a esclarecer e resgatar uma série de matizes que atravessaram o percurso de grandes personagens da formulação do samba carioca e, por consequência, da cultura musical do Rio de Janeiro no século XX.
No rico acervo histórico do arquivo permanente do Judiciário fluminense estão testamentos, inventários e arrecadações, entre tantos documentos de lendários sambistas que batiam ponto nas bandas do terreiro nos fundos da casa de Tia Ciata, ou em outras bandas da cidade.
Verifica-se, por exemplo, que o brilhante José de Assis Valente, autor de inúmeras composições que viraram sucesso na boca de artistas como Carmem Miranda e Caetano Veloso, se suicidou ingerindo cianeto diluído em guaraná, em 11 de março de 1958. E que deixou um portifólio de músicas avaliado, no inventário, em cem mil cruzeiros, o que daria hoje cerca de R$ 100.
Já Tia Ciata deixou para os filhos a quantia de 3 contos de réis, o equivalente hoje a R$ 369 mil, para os quatro filhos vivos à época: Izabel, Eduardo, Glyceria e João Paulo. O dinheiro estava em uma caderneta da Caixa Econômica, como consta no inventário da sambista e mãe de santo baiana. A famosa casa onde ela viveu e promoveu seus saraus não consta no inventário.
Esse e outros documentos foram colhidos pelo Grupo de Pesquisa Histórica (GPH) da Divisão de Gestão de Documentos do TJRJ. A pesquisa buscou, em função da chegada do mês de fevereiro, mês do Carnaval, trazer mais conhecimento sobre o samba e os grandes artistas que abriram alas para o gênero musical.
O GPH foi criado em 2015 e seu objetivo é localizar processos judiciais históricos armazenados no Arquivo Central do TJRJ ainda não avaliados, a maioria dos séculos XVIII, XIX e XX. Existem oito milhões de processos no acervo permanente/histórico. Os processos localizados ficam disponíveis para consulta de acadêmicos, historiadores, genealogistas e demais pesquisadores.
O agendamento para acesso ao material é realizado pelo serviço de "atendimento ao pesquisador" ([email protected]).