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Inseminação Caseira: conheça a prática que vem dividindo opiniões

Procura cresce e especialistas alertam sobre a tentativa de engravidar por conta própria

Por Caroline Carvalho em 02/11/2018 às 16:56:05

Foto: Pixabay

Ser mãe é um sonho para a maioria das mulheres. Seja hétero ou homossexual, o relógio biológico fala mais alto, mas nem todas conseguem ser mãe da forma mais convencional. Os entraves para que a gravidez ocorra são diversos: problemas de fertilidade do homem, quando casal hétero, ou no caso de um casal homoafetivo, a solução basicamente encontrada é a inseminação artificial. Entretanto, o valor que se gasta em uma clínica pode ultrapassar os R$20.000,00. Em alguns hospitais públicos é possível realizar o procedimento de forma gratuita, mas é necessário preencher diversos pré-requisitos e aguentar uma fila de espera que pode chegar a mais de um ano.

É por isso que vem, a cada dia, aumentando o número de mulheres que estão recorrendo a inseminação caseira, em que basta um pote de coleta (como aquele usado em exames de urina) e uma seringa. O sêmen de um doador é depositado num pote de coleta e, logo em seguida, transferido para dentro da vagina da receptora com a ajuda da seringa e geralmente, o doador não é anônimo. O procedimento é sempre realizado no período fértil, às vezes mais de uma tentativa por ciclo menstrual para aumentar as chances de gravidez.

A prática vem sendo bastante difundida, via grupos de Facebook, principalmente entre casais homoafetivos femininos que veem uma chance de engravidar, às vezes as duas engravidam do mesmo doador, para que seu sonho da maternidade seja realizado. É o caso da jornalista Mayla Tauany e da sua esposa, a contadora e profissional de educação física, Talita Germano. Juntas há oito anos, com união estável assinada, casa comprada e com seus “filhos patudos”, só estava faltando um bebê para completar a felicidade. 

Mayla e Talita planejam ter filhos usando a técnica de inseminação via seringa (Arquivo pessoal)

“O sonho de ser mãe sempre esteve presente, só não sabíamos como e nem quando. A nossa ideia é engravidar juntas, ao mesmo tempo e do mesmo doador, assim nossos filhos seriam meio irmãos de sangue (embora isso não signifique nada comparado ao amor em que eles viverão). Porém, a inseminação artificial é algo, infelizmente, muito caro e pouco acessível para a nossa realidade. Foi então que descobri a IC", disse Mayla.

"Temos pesquisado bastante sobre o método da “seringa” e a possibilidade de um doador. Nossos planos seguem firmes, só não chegou o momento ainda. Mas sabemos que em breve colocaremos em prática esse nosso sonho de aumentar a família. Por enquanto, seguimos nas pesquisas e em todas as possibilidades que estiverem ao nosso alcance",completou Mayla.

Entretanto, o sonho pode causar alguns problemas, de acordo com Maria Albina Catellani, médica da Área de Atenção Clínico-Cirúrgica à Mulher do IFF/Fiocruz, como infecção e na clínica, as chances de sucesso são maiores.

“A inseminação caseira pode causar infecção por manipulação inadequada do material e por vírus ou bactérias que podem estar presentes no sêmen. Pode também ser ineficiente no caso de alterações do espermograma.

O sêmen passa por um preparo em laboratório chamado capacitação, onde  os espermatozoides com melhor motilidade são separados do  resto do sêmen para, então, serem injetados dentro do útero. Isso reduz o risco de infecção e aumenta a possibilidade de sucesso. Antes do início do processo receptora e doador são submetidos a exames para detectar doenças possíveis de serem transmitidas pelo sêmen.” - explica a médica.

Outros entraves que podem acontecer são no campo jurídico. O criminalista Carlos Maggiolo alerta que, apesar da prática, informal, não incorrer em crime, pois em tese o sêmen está sendo doado, se o doador não comprovar que realizou os exames necessários e está saudável, pode haver risco para a saúde da mulher e aí sim, estar cometendo um crime e ainda revela que tais práticas ainda não são crimes por não estarem previstas em lei, o que pode mudar.

 

“Aquele que vende kit de inseminação artificial caseira através da internet, aquele que administra grupos nas redes sociais visando captar doadores, ainda não respondem por crimes porque, por enquanto, não há previsão legal para as suas condutas, mas se de alguma forma a paciente for contaminada, por exemplo, por uma bactéria presente num desses apetrechos constantes do kit, o fornecedor estará expondo a saúde da mulher a risco, nesse caso responderá por crime. Da mesma forma, se o administrador do grupo não zelar para que o doador realize todos os exames necessários, e porventura a paciente for contaminada por alguma doença sexualmente transmissível, também poderá, eventualmente, responder pelo mesmo crime que o doador.
Questão interessante é a hipótese do doador que tenha alguma anormalidade genética por ele desconhecida e que venha a atingir a saúde da criança no futuro. Digamos que a criança nasceu com alguma deformidade genética por culpa do pai biológico – considerando que as clínicas especializadas realizam todos os exames de praxe, incluindo aí exames genéticos e suas compatibilidades, há crime para isso? Alguém poderá responder criminalmente? Pois bem, a criança viverá para pagar a irresponsabilidade desse pai e dessa mãe biológica – e ninguém será punido por isso.
A evolução do Direito se dá desta forma. Primeiro há uma evolução na sociedade para depois o Direito se adaptar à nova realidade. A inseminação artificial caseira, hoje, é um fenômeno social – e o Direito já se prepara para normatizar essas novas condutas e comportamentos.”-  revela Carlos.

Outro problema que os casais podem enfrentar é a de, posteriormente, ser requerida pensão alimentícia e registro de paternidade. A especialista em direito da família Cátia Vita afirma que, na reprodução assistida, surgem alguns conflitos de direito: o doador, de se manter anônimo caso queira e o concebido de conhecer sua origem.

“Tendo em vista o fato de que o doador não possui interesse em manter uma relação socioafetiva com o concebido, e por isso se mantém anônimo, violar tal escolha significa violar o direito à sua intimidade e à sua vida privada.

Portanto, temos que o direito ao anonimato do doador é fundamental e sem ele talvez não existissem doadores, tendo em vista que esse é um elemento de muita importância: aquele que doa não possui interesse em manter algum vínculo com o concebido.

Por certo que não, pois a paternidade deve ser desejada, não imposta. A responsabilidade pela concepção é compartilhada pelo casal, visto que uma decisão dessa grandeza afetará tanto o homem quanto a mulher. Sendo assim, a manifestação de vontade, através do consentimento informado, acarreta uma obrigação de caráter irrevogável, não podendo o pai, em momento posterior, declarar a sua discordância em reconhecer a paternidade. O documento assinado pelo doador deverá, em minha opinião, atribuir ao pai todas as responsabilidades jurídicas, como direito à pensão alimentícia, direitos sucessórios, etc.”- analisa Cátia.

E quem doa?

As tentantes, como são chamadas as mulheres que querem engravidar, tem toda a motivação de serem mães, mas e o doador do sêmen? Conversamos com um dos doadores, João Carlos Barcelos, 61 anos, analista de sistemas, que possui um grupo no Facebook, com mais de 11mil membros e que já tem mais de 60 filhos nascidos.

Ele revela que seu desejo sempre foi ter muitos filhos, pois criou uma filosofia ateístas denominada genismo, em que garante que os genes são a essência e a melhor forma de imortalidade. Sua esposa o ajuda nas doações, sendo ela mesma quem marca as visitas das tentantes.

Aqui cabe o registro de que, apesar de não haver pagamento entre as partes para a doação do sêmen, geralmente o que acontece é da tentante se hospedar na casa de João, e ele cobrar o valor da diária do quarto, especialmente reservado para este fim. Em algumas vezes, a própria esposa do João ajuda a tentante a fazer a inseminação.

“Enquanto isso eu faço amor com minha esposa e ejaculo num pote de coleta e ela leva o sêmen para as tentantes, que, com ajuda de um espéculo, colocam o sêmen dentro da vagina. Depois elas ficam com o quadril levantado por cerca de meia hora. Minha mulher pode ajudar a colocar o sêmen caso a tentante queira.”- explica João.

Sobre a possibilidade de haver contaminação, João garante que usa somente material esterilizado e estar com todos os exames em dia.

“Usamos material esterilizado e depois de três anos fazendo IC ( Inseminação Caseira ) nenhuma delas se queixou de qualquer doença ou anormalidade. Sinal que o procedimento é seguro. Além disso tenho exames de DSTs que podem ser consultados pela web.”- afirma.

Sobre um possível requerimento de registro e pensão, ele afirma que é um risco que corre, mas que se, porventura, ocorrer um dia, ele também vai pedir a guarda.

“Eu não me asseguro que elas não vão cobrar pensão, é um risco! Mas caso isso ocorra,aí, em contrapartida, também vou pedir a guarda! Algumas pedem um contrato e eu já assinei alguns abrindo mão da paternidade e coisas assim. Mas me parece que isso não tem um valor legal. Mas elas devem pensar: porque eu quereria justamente o filho delas se ja tenho 60 filhos nascidos? Não é verdade?” - questiona João.

O analista de sistemas revela ainda que a maioria das tentantes é de casais homoafetivos e que a procura por ele é grande por conta do seu tipo físico chamar a atenção. Loiro, olhos azuis, alto. “Eu acho que ajuda, pois loiro de olhos azuis tem bastante preferência em bancos de sêmen então isso deve valer pras ICs também.”.

Apesar de afirmar que o procedimento é seguro, João finaliza que as mulheres que desejam fazer inseminação caseira devem se informar, pois existem muitos espertalhões querendo arrancar dinheiro das tentantes. “Eu diria pra elas conversarem com quem já fez IC com doadores sérios e verificar que não há motivos para medo. E tomar muito cuidado com doadores picaretas que existem de monte nesse campo.” finaliza João.

Apesar da divergência entre especialistas e quem faz a inseminação caseira o grande fato é que a prática vem atraindo muitas mulheres no sonho da maternidade e uma opção mais em conta do que os procedimentos realizados em clínicas. A médica Maria Albina afirma que há possibilidade de usar diferentes medicações para indução de ovulação, incluindo algumas em conta. “Mas, de qualquer forma é, ainda, um processo caro e com uma oferta muito limitada no serviço público.” -salienta Maria.

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