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Juíza que idealizou projetos de reinserção social acusa influenciadora de estelionato

Realizadas desde 2017, com foco em pessoas que respondem a processos na Vara Criminal de Mesquita, iniciativas fazem parte de parceria entre o órgão judicial e a Prefeitura local

Por Daniel Israel em 01/04/2022 às 08:00:00

Oficinas promovem recolocação profissional para pessoas condenadas por diferentes crimes. Foto: Vara Criminal de Mesquita

Na última quarta-feira (30/3), a juiza titular da 7ª Vara Criminal de Mesquita, Cristiana Cordeiro, fez duas postagens no Twitter e, em contato com a reportagem do Portal Eu, Rio! ontem à noite (31), se disse "bastante indignada" com uma situação que o Código Penal classifica como estelionato (art. 171). Tanto que ela promete levar o caso adiante, inclusive ao conhecimento do Ministério Público (MP-RJ).

"Eu estou, acima de tudo, bastante indignada com a ousadia dessa pessoa. A postagem coloca a Sra. Barbara Sheldon como autora ou no mínimo responsável pelo projeto", lamentou. "Vou levar ao conhecimento da Promotoria de Investigação Penal, para que apure a conduta da Sra. Barbara, que, aparentemente, busca se beneficiar (eleitoralmente, talvez) de um projeto do qual jamais participou".

Alertada pela assistente social Rosana Santiago, que coordena projetos de reinserção social no Núcleo de Atendimento de Medidas (NAM), ligado à Vara, a magistrada alega que a corretora de imóveis Barbara Santana, ex-candidata a deputada federal e conhecida nas redes sociais como Barbara Sheldon, se apropriou de um projeto que não é de sua autoria. Anteontem, no Facebook - onde tem 48,9 mil seguidores, fora 14,2 mil no Instagram, o que lhe permite ser vista como influenciadora digital -, ela publicou o que seriam oficinas gratuitas realizadas pelo Centro LGBTQIA+ de Nova Iguaçu, que, segundo ela, teria convidado a Superintendência de Diversidade Sexual de Nilópolis para uma parceria.

Em seu perfil na mesma rede, a corretora, que se diz requisitada "não apenas por [outras mulheres por] ser transexual, mas minha história de vida", se apresenta como titular da pasta (informação repetida ao repórter), além de informar que trabalha no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Postagens conflitantes: a corretora de imóveis (à esquerda) está sendo acusada pela juíza, que vai acionar o MP-RJ. Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Mais suspeitas

Contactada pela reportagem, Barbara respondeu que "minha escola foi o TJ, quando fiz parte da equipe do desembargador Siro Darlan, através do projeto Dana, que me deu toda qualificação para ser o que sou". O TJ-RJ informou que Barbara "não é servidora do Tribunal", enquanto o magistrado ainda não respondeu ao nosso contato se ela trabalhou no gabinete dele.

Quanto à divulgação do telefone do Núcleo de Atendimento de Medidas, ela disse que foi porque "o curso será ministrado por lá a partir do dia 11/04". Porém, de acordo com publicação do NAM (disponível ao fim do texto), a maioria das oficinas terá início nesta primeira semana de abril.

Ela mantém sua versão, dizendo que este é o "primeiro ano que o município de Nilópolis tem uma Superintendência da Diversidade Sexual", e anuncia que haverá novidades. "Essa parceria é a primeira de muitas, nosso projeto - esse sim da minha Superintendência - será a Feira da Diversidade, a cada dois meses. Em breve, passarei maiores informações", garantiu.

No entanto, a Prefeitura de Nova Iguaçu não resconhece qualquer atuação do município nessa área, ressaltando que a abordagem só poderia ser feita pela Secretaria de Saúde ou a de Assistência Social. Não é o caso, de acordo com assessor do órgão municipal ouvido pela reportagem.

Quando perguntada como faz para se dividir entre três tarefas diárias, Barbara explicou que "meu horário de trabalho é todos os dias das 9h às 17h, na Prefeitura, e na corretagem agendo meus clientes para os fins de semana ou à noite". A Prefeitura de Nilópolis, cujo site está fora do ar, retornou nosso contato por meio de sua assessoria de imprensa, porém não respondeu em definitivo até a publicação desta matéria. A Patrimóvel confirmou que Barbara Santana é funcionária da empresa, uma das maiores do segmento no Rio e Grande Rio.

"Meu trabalho na empresa é quase todo virtual e minha forma de captar cliente é diferente, então consigo conciliar dois trabalhos com maestria", agregou.

Em 2018, Barbara incluiu o apelido Sheldon como sobrenome para se candidatar a deputada federal pelo PP (atual Progressistas), que integrava uma coligação com DEM, MDB e PTB. Ela obteve 729 votos e não foi eleita.

Foto, nome, número usados pela então candidata, na última eleição majoritária. Imagem: Reprodução/TSE

Acolhimento para vencer estigma

As iniciativas realizadas pelo NAM tiveram início em 2017, a partir de parceria com a Prefeitura de Mesquita, e visam à recolocação profissional de pessoas que respondem processos naquela Vara Criminal. Em setembro do ano passado, o trabalho foi ampliado com a oferta de oficinas gratuitas em diversas áreas, como design de sobrancelhas, massoterapia, inglês e Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Com uma carreira de 24 anos na magistratura, Cristiana de Faria Cordeiro é titular da 7ª Vara de Mesquita desde março de 2012 e tutora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), além de pertencer à Associação de Juízes para a Democracia (AJD), da qual é integrante há sete anos. Quando fala sobre esses projetos, com os quais está envolvida desde o início, destaca a necessidade de humanizar as pessoas atendidas e transborda esperança.

"As oficinas surgiram porque um dos grandes problemas dos indivíduos que respondem a processos criminais é a falta de opção, têm baixa escolaridade e carregam o estigma", comentou.

"Comecei a conversar com pessoas da Prefeitura que já trabalhavam no Fórum e perguntei se seria possível fazer algum tipo de atendimento pelo serviço social. Isso foi um embrião do NAM. Com essa iniciativa, a Rosana deu sugestões, fazendo dinâmicas em grupo, chamadas de Circuito", detalhou. "São dez encontros, se discute uma série de temas, com participação das secretarias de Mesquita. Então, nunca teve a ver com outro município".

"Não são oficinas para o público em geral", esclareceu, e em seguida pontuou. "Foi-se criando não só uma estrutura física, mas também de pessoas que colaboram. Hoje, o NAM tem uma equipe com duas assistentes sociais, uma psicóloga, estagiária de psicologia, estagiária de serviço social, e a gente atendeu quase 500 pessoas".

A assessoria de imprensa do TJ-RJ também ressaltou que essas atividades incluem "familiares, conforme a disponibilidade de vagas", ao que Cristiana acrescentou que trabalhadores terceirizados da 7ª Vara Criminal também podem participar, respeitado o limite de vagas.

A juíza ainda contou que a divulgação das oficinas que vão começar nos próximos dias foi feita através do WhatsApp do NAM, em publicações no Status e em uma lista de transmissão. Até agora, porém, o NAM não respondeu à nossa solicitação de contato.

Convocação do Núcleo de Atendimento de Medidas (NAM) de Mesquita: públicos específicos para encontros periódicos. Imagem: Reprodução/WhatsApp

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