Começou nesta terça-feira (12/4) o julgamento de quatro dos nove acusados de envolvimento na morte do pastor Anderson do Carmo, morto em 2019. O júri está sendo presidido pela juíza Nearis dos Santos Carvalho Arce, da 3ª Vara Criminal de Niterói. Estão sendo julgados o filho biológico de Flordelis, Adriano dos Santos Rodrigues; o filho afetivo Carlos Ubiraci Francisco da Silva; o ex-PM Marcos Siqueira Costa e sua esposa Andrea Santos Maia. André Luiz de Oliveira também seria julgado na terça, mas o seu advogado pediu dispensa por motivo de saúde e o júri dele será remarcado.
Durante toda a manhã apenas a delegada Bárbara Lomba, titular da Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) na época do crime, foi ouvida. Ela narrou a dinâmica da investigação desde o dia do crime até o indiciamento dos réus. Para a delegada, o divisor de águas na vida de Flordelis e do pastor e que acabou levando ao crime foi quando ela se elegeu deputada federal. Segundo a delegada, Anderson, que tinha total poder sobre Flordelis, comandando sua vida e a igreja que os dois fundaram juntos, passou então a cuidar de sua vida política, fazendo inclusive articulações em nome dela, o que vinha desagradando Flordelis e sua família.
Sobre as acusações de abuso sexual por parte de Anderson, Barbara Lomba disse que nada ficou provado e que a raiva que as filhas sentiam por ele era devido ao seu poder em relação à Flordelis.
Após a pausa para o almoço, o júri retornou com o depoimento do delegado Allan Duarte Lacerda, atual delegado titular da DHNSGI. Segunda testemunha a ser ouvida, o delegado, que atuou na segunda fase do caso, após assumir a Delegacia de Homicídios em 24 de janeiro de 2020, afirmou que conversou com sua antecessora sobre as linhas de investigação e que foi possível concluir que a autoria intelectual teria sido de Flordelis. Ele disse ter ouvido diversas testemunhas, tendo alguns depoimentos sido marcados por contradições. Allan Duarte citou os relatos de tentativas anteriores de matar o pastor Anderson e que foram encontradas em celulares apreendidos pesquisas sobre substâncias de envenenamento. Contou que duas pessoas foram envenenadas acidentalmente na casa por terem ingerido bebidas dirigidas a Anderson e reforçou que havia tratamento diferenciado na casa entre os filhos mais próximos a Flordelis e os demais. Falou também que a vítima sabia de planos para sua morte, mas não acreditou que de fato ocorreria.
O delegado disse ainda que não foi comprovada violência doméstica de Anderson a Flordelis, que três celulares sumiram (de Anderson, Flordelis e Flávio) e que o do pastor chegou a ser usado após o crime. O delegado afirmou que mensagens enviadas para Lucas mostraram que a intenção dos envolvidos era simular um latrocínio – roubo seguido de morte.
Após, Luana Rangel Pimenta, nora de Flordelis, casada com o filho afetivo Wagner (“Misael”), ratificou a diferença entre os membros da família na rotina da casa, afirmou que Anderson era quem cuidava de tudo da vida de Flordelis (casa, política, igreja, carreira musical).
“O pastor era o cérebro disso tudo e a pastora era a imagem da mulher de Deus”, relatou.
A nora de Flordelis disse ainda que Flordelis e os filhos não concordavam que Anderson ficasse com parte do dinheiro da então deputada e que Flordelis dizia que “Deus ia levá-lo porque ele estaria atrapalhando a obra de Deus” e que isso teria sido revelado a ela. Luana falou também que Flordelis tinha um grande poder sobre os filhos e que nada acontecia na casa sem o seu consentimento, ressaltando que Anderson endeusava a esposa, por quem era completamente apaixonado. Luana disse ainda que, após ela e seu marido prestarem depoimento na delegacia, foram ameaçados por parte da família com frases como “esses x-9 têm que morrer tudo com tiro na cabeça”.
Quarta testemunha do julgamento, Wagner Pimenta, conhecido como Misael, disse que tinha de 12 para 13 anos quando foi morar na casa de Flordelis. Embora tivesse família biológica, gostou do ambiente por ser mais “jovial” e ingressou na residência na mesma época que Anderson, que tinha uma liderança natural e passou a ser chamado de pai até pelos mais velhos após o início de seu relacionamento amoroso com Flordelis. A pastora teria passado a dizer que Anderson abusava das filhas, mexia no dinheiro e outras informações falsas para, a seu ver, criar justificativas para sua morte. Ele disse ter desconfiado da participação de Flordelis no crime desde o início, pelo modo como ela teria chorado de forma falsa e pela sua frieza ao falar que tinham que deixar o luto de lado para se dedicar a um congresso da igreja poucos dias após a morte do pastor.
“Flordelis era o cartão-postal da família, a atacante”, afirmou o filho afetivo, contando que só morava na casa quem a obedecesse e que ela chegou a proibi-lo de ir ao sepultamento de seu pai biológico.
Outro filho afetivo de Flordelis, Alexander Felipe Matos Mendes, conhecido como Luan, foi a quinta testemunha a ser ouvida. Afirmou que foi acolhido por Flordelis após ir parar em uma marquise depois de sair de casa. “No começo, era um por todos e todos por um”, contou. Para ele, a harmonia da família começou a desandar quando passou a entrar mais dinheiro em casa. Alexander disse que a mãe não aceitava mais ser mandada por Anderson e, emocionado, contou como foi o momento em que viu o corpo do pai, tendo percebido também que Flordelis chorava “lágrimas de crocodilo” na ocasião da morte do marido.
Terminaram no fim da noite de terça-feira (12/4) os depoimentos de 12 testemunhas, sendo nove de acusação e três de defesa.
Em comum, os depoentes contaram em juízo sobre a convivência da família no cotidiano, numa rotina de maus tratos, privilégios e abusos. Regiane Ramos, dona da oficina onde Lucas dos Santos trabalhava, filho adotivo de Flordelis, e já condenado pelo envolvimento no assassinato, afirmou que a família não era harmoniosa como aparentava, e sim um hospício. Ela contou que a carta em que Lucas admitia ter cometido o crime era falsa, que o texto já tinha sido preparado e entregue a ele, que apenas copiou no presídio.
Roberta dos Santos, filha de Flordelis, contou que havia diferença no tratamento entre filhos e netos na casa. De acordo com o depoimento, um grupo de privilegiados era formado principalmente pelos filhos biológicos, sendo tratado com mais carinho, tendo acesso aos melhores alimentos e produtos de melhor qualidade, enquanto os outros chegavam a comer apenas arroz nas refeições.
Rebeca e Raquel, filhas de Carlos, e netas da ex-deputada também foram ouvidas. Segundo Rebeca, a família toda sabia que Anderson já tinha sofrido tentativas de envenenamento a mando de Flordelis, e que o lema da família era "negue até a morte", com punições físicas caso algum membro cometesse atos de traição e delação.
Raquel Silva, também filha de Carlos, contou que os pais trabalhavam no gabinete da ex-deputada em Brasília e também de um dos filhos adotivos, Misael, que foi vereador do Rio de Janeiro. De acordo com a testemunha, eles eram obrigados a devolver parte do salário aos titulares do mandato, crime conhecido como "rachadinha". A acusação foi ratificada por Eduardo, testemunha de defesa arrolada por Carlos, de quem era amigo na igreja Ministério de Flordelis.
Depois, os quatro réus foram interrogados entre 23h58 e 2h58 desta quarta-feira (13/4). Às 3h15 iniciou-se a sustentação do Ministério Público que pediu a absolvição de Carlos Ubiracy, seguido do assistente de acusação que pediu a condenação dos quatro acusados. Das 5h55 às 7h30, os advogados dos réus apresentaram suas defesas. Como o Ministério Público abriu mão da réplica, em seguida, o Conselho de Sentença se reuniu para decisão.
Processo nº 0074870-44.2019.8.19.0002
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro