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Moradores relatam o medo da violência em Vila Isabel

Tiroteio intenso deixa moradores apavorados na manhã desta quinta

Por Sandra Braconnot em 28/06/2018 às 23:10:46

Moradores tem dia de tensão, em Vila Isabel. (RioArquivo/Tânia Rêgo/ABr)

Moradores do bairro de Vila Isabel, zona norte, do Rio de Janeiro, foram acordados na manhã desta quinta-feira (28) por barulho provocado pelo intenso tiroteio, acontecido na Comunidade dos Macacos, que deixou um policial morto e quase toda população local com muito medo.

"O barulho era apavorante, porque não parava e os sons eram muito diferentes. Acho que tinha todo tipo de arma. Até em canhão eu pensei. Puxa... na minha época não tinha isso não! Eu saia à noite, dirigia sozinha de madrugada sem medo nenhum. Agora, vivo apavorada. Me assusto até com fogos de artifício", disse a aposentada Lizete Coutinho, de 86 anos, moradora na Rua Barão de Cotegipe. A idosa, não pode seguir a recomendação médica de tomar sol de manhã na varanda de sua casa, com medo das rajadas que estava ouvindo.

Não são poucas as consequências de um tiroteio, mesmo que distante, provocam. A sensação faze com que a executiva Lu Santos, entre em oração, pedindo proteção para ela e sua família. Já Eliane Machado, ora a Deus para proteger todos que estão na rua e, principalmente, os inocentes.

"Eu começo a me movimentar e clamar por energias positivas que funcionem como bloqueios protetores das pessoas. Temos que evocar as forças do bem", diz Maria Leonor Delmas que age assim durante troca de tiros.

Orações à parte, tem pessoas que passam mal mesmo, como é o caso de Katia Spinelle, que mora bem próximo à comunidade dos Macacos. Durante o tiroteio teve taquicardia, hipertensão e a taxa da glicose aumentou muito, por ser de origem emocional. "Dá muito medo", afirmou.

As consequências a saúde

A Psicóloga, Rosane Motta, que há mais de 20 anos atende com a terapia cognitiva comportamental, já recebeu diversos pacientes, traumatizados pela violência.

"Atendi um menino no meu consultório com transtorno de stress pós-traumático (TEPT), por ter presenciado um tiroteio, na entrada da escola. Ele chegou muito mal, apresentando síndrome de pânico, ansiedade, medos intensos, pesadelos e não conseguia mais ir à escola. Em duas semanas ele voltou a frequentar a escola e após seis meses de tratamento, voltou a ter uma vida normal", conta.

Outro caso que a psicóloga destacou foi a de uma mulher que estava num ônibus assaltado. Houve um intenso tiroteio entre os bandidos e um policial que estava no coletivo. Um dos tiros matou na hora o passageiro que estava sentado ao lado dela. O trauma foi tão grande que ela nunca mais voltou ao normal.

"Minha paciente perdeu totalmente o interesse pela vida, entrou em depressão, não conseguia mais sair, conviver com outras pessoas (isolamento social), entre outros sintomas. Ela continua em terapia. Está bem melhor, mas não voltou a ser a mesma pessoa".

Rosane Motta, disse ainda que tem constatado um número crescente de pessoas que estão cada vez mais se sentindo prisioneiras em suas próprias casas e, segundo a psicóloga, isso gera impotência, ansiedade e muitos outros tipos de doenças psíquicas e até físicas.

Os que não são atingidos

Para Alexandre Duarte, de 67 anos, no entanto, os tiros já não assustam mais, pois já se acostumou e sabe que dificilmente as balas chegarão à sua casa. "Se eu tiver que sair, eu saio sim. Só evito passar pelas ruas de onde sei que veem os tiros", disse o aposentado que mora em Vila Isabel, há mais de 30 anos.

Alguns parecem ter a falta de sorte de conviver diariamente com tiroteios e outros a qualquer momento ou em qualquer lugar do Rio de Janeiro podem passar por isso. Talvez não haja um carioca que não tenha vivido ainda essa situação traumática.

O astrólogo André Leôncio Abreu Barros, de 60 anos, mora no bairro de Santa Tereza, próximo à quatro comunidades (Fallet, Coroa, Formigueiro e São Carlos) e aprendeu a conviver e até a medir a gravidade dos tiroteios.

"Sou astrólogo, atendo clientes em casa e observo todo tipo de comportamentos, desde pessoas que perdem a concentração e ficam preocupadíssimas com a hora de ir embora até outros que nem se abalam mais. Eu mesmo, já nem ligo. Às vezes, acho que a mídia faz tudo parecer maior do que é. Nós cariocas, já tivemos tempo suficiente para entender a normalidade dessa situação. O medo está dentro de cada um. Quando o interior está em paz, o exterior tanto faz!", explicou.

E talvez esse seja o caso de Fernanda Santiago, cabelereira, 32, residente na Rua Cândido Benício, Rio Comprido, que garante não se assustar: "Aqui onde eu moro, os tiroteios são diários. O som dos tiros já virou música. Eu não me apavoro mais. Virou rotineiro. Caso aconteça no meu portão, como no ano passado, espero parar e vou trabalhar", contou tranquilamente.

O fato é que se para uns ouvir tiros é algo sempre atemorizante, para outros já se tornou normal. É interessante quando esses dois grupos de pessoas com comportamentos tão diferentes diante um tiroteio, estão juntos.

"Certa vez eu estava participando de uma reunião com educadores alemãs, em uma sala na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), quando começou um intenso tiroteio na comunidade da Mangueira. Nós, os cariocas, nem ligamos, mas os nossos convidados se jogaram no chão e ficaram apavorados. Que coisa! Nos acostumamos!", disse Chico Faria, aluno da universidade.

Normose

O conceito de Normose foi cunhado na década de 80 pelos psicólogos brasileiros Roberto Crema e Pierre Weil e também pelo filósofo e psicólogo francês Jean-Ives Leloup para designar a Patologia da Normalidade: uma forma de comportamento visto como normal, mas que na realidade é anormal.

Os "normóticos", pessoas que se acostumam, se acomodam ou se adaptam a um ambiente social doente, tendem a considerar paranoicos, exagerados ou desequilibrados, todos os que têm uma resposta coerente a um estímulo que apresenta perigo. Achar normais coisas que não deveriam pode ser a doença do século.

São inúmeros os acontecimentos que hoje são considerados normais, pelos normóticos. Por exemplo: achar graça ao ver uma pessoa cair e se machucar, como nas vídeos-cassetadas. Ou então nas pegadinhas maquiavélicas que até já resultaram em mortes. Viver em uma cidade onde constantemente ouvimos, ou estamos no meio, de um tiroteio também.

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