Após ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), a 29ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou que o Google Brasil Internet Ltda promova a exclusão de quatro canais e todos os vídeos postados por estes perfis no YouTube. O MPF apurou a propagação de discurso discriminatório e intolerância religiosa no conteúdo veiculado. A decisão fixou o prazo de cinco dias para o cumprimento, sob pena de multa diária a ser definida.
O conteúdo ilícito foi identificado nos canais Geração Jesus Cristo, Geração ao Vivo, Geração de Mártires e Geração de Mártires ao Vivo, todos relacionados a uma instituição religiosa que já esteve envolvida em processos por intolerância, inclusive com a condenação criminal de seu líder.
A apuração do MPF identificou que os envolvidos reincidiram na difusão de conteúdos ilícitos. “Mesmo após a intervenção do Poder Judiciário – tanto na esfera cível quanto criminal - a Igreja Geração Jesus Cristo, liderada por Tupirani da Hora Lores, criou novos perfis na plataforma YouTube para continuar a propagar discurso de ódio, em manifesto abuso do direito à liberdade de expressão”, detalha a ação.
A Justiça Federal acolheu o pedido de urgência na exclusão dos vídeos devido ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo pois enquanto estiverem disponíveis online, os vídeos continuam a promover intolerância religiosa no ambiente virtual. Nesse sentido, a ação do MPF busca resguardar os direitos fundamentais garantidos na Constituição, que prevê a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou qualquer outra forma de discriminação.
“Nota-se que a Constituição garante que todos têm direito a ter uma religião, a qual deve ser respeitada independentemente da crença do outro. Se houver desrespeito, agressão ou qualquer espécie de violência ao direito tutelado constitucionalmente, necessária se faz a intervenção estatal. Daí que, em um Estado laico como o Brasil, devem ser reprimidas as condutas que tendem à intolerância religiosa”, afirma a decisão proferida pela juíza federal Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos.
Seis anos atrás, Justiça retirou conteúdo da playlist 'Islamismo Assassino', da mesma seita
Em outro caso de intolerância religiosa, em 2016, a Justiça Federal confirmou liminar ao manter a condenação da Google Brasil por conservar conteúdo de intolerância religiosa no site YouTube. A decisão determinou a retirada de 15 vídeos da playlist “Islamismo Assassino”, produzidos pelo pastor Tupirani da Hora Lores, da Igreja Geração Jesus Cristo. A sentença, proferida pela 21ª Vara Federal da Capital, e posteriormente confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região e, além da retirada do conteúdo, exigiu ainda o fornecimento dos dados do responsável pelo canal, o que possibilitou a identificação dos envolvidos.
Na ocasião, o MPF decidiu judicializar a questão após o Google negar atender recomendação para retirada dos vídeos por vias extrajudiciais. O caso chegou à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão após representação formulada pela Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, com delação de suposta veiculação de discursos de ódio contra a religião islâmica em diversas páginas de internet e perfis de rede sociais diversos, reunidos no dossiê islamofobia online.
Chefe da Igreja Geração Jesus Cristo foi condenado por incitar violência contra judeus
O pastor da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo Tupirani da Hora Lores a 18 anos e seis meses de prisão por racismo pela publicação de seis vídeos no YouTube com ofensas contra judeus. O Ministério Público Federal ofereceu a denúncia após representação da Confederação Israelita do Brasil, que atuou como assistente de acusação, e da Federação Israelita do Rio de Janeiro. O pastor foi preso em 24 de fevereiro, por causa da publicação dos vídeos que propagam discurso de ódio contra a comunidade judaica. A sentença que condenou o chefe religioso partiu da juíza Valéria Caldi Magalhães, da 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Em suas alegações finais, a defesa sustentou que o pastor estaria sendo sendo perseguido por sua pregação religiosa e que seus discursos sempre se restringiram a palavras de fé e, eventualmente, alguns palavrões. Além disso, afirmou que o réu nunca agiu com dolo de praticar crime de racismo. No entanto, a magistrada decidiu pela condenação de Tupirani, com a manutenção da prisão preventiva.
Na sentença, a juíza afirmou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos prevê expressamente que a liberdade de manifestação religiosa se sujeita a limitações necessárias à proteção dos direitos ou liberdades das demais pessoas. "Não se pode utilizar a 'liberdade de expressão' para propagar discursos de ódio que tenham potencial de prejudicar a reputação das pessoas e de gerar ações violentas contra elas", disse.
De acordo com Magalhães, a tipicidade objetiva das condutas está presente, porque os vídeos são pautados em uma retórica que não apenas diminui o povo judeu, "mas também incita à sua humilhação, eliminação e massacre": "Eles estimulam a intolerância e o ódio público contra as categorias de pessoas eleitas pelo réu como moralmente inferiores. Eles são explícitos ao admitir e conclamar a morte e diversos tipos de agressões contra os judeus".
Para a magistrada, as alegações do pastor de que os vídeos estariam foram de contexto não merecem acolhimento. Segundo ela, mesmo que as palavras refiram-se a pequenos trechos de grandes pregações, "objetivamente elas conclamam à morte, à eliminação, à humilhação dos judeus nos dias atuais". Por fim, Magalhães disse que o potencial lesivo das conduta não é meramente abstrato.
"Tupirani se intitula pastor religioso e, por tal motivo, ostenta uma posição de ascendência espiritual sobre os fieis de sua igreja. Em razão desta condição, suas palavras têm um especial peso e podem ser interpretadas pelos seguidores como comandos de comportamento. Tanto isso é verdade que os autos retratam notícias de que discípulos de Tupirani já teriam se envolvido em agressão a prédios públicos e a grupos de pessoas em situações de conflito de ideias", disse.
5015964-07.2022.4.02.5101
Fonte: Ministério Público Federal