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Lutador volta ao ringue, aos 34 anos, para superar perda familiar

Tiro em Acari mata irmã e devolve irmão ao esporte

Por Alexandra Silva em 13/12/2018 às 08:07:00

Uidson Alves Ferreira disse que morte da irmã destruiu sua família. Foto: Arquivo pessoal

Aos 34 anos, Uidson Alves Ferreira subirá no ringue no próximo dia 16, na seletiva masculina do Circuito Carioca de Verão de Beachboxing 2018/2019, em Ipanema. Uidson disputa na categoria leve até 66 kg. Essa será a primeira luta depois da morte da irmã caçula. Morador do morro do Borel, ele treina constantemente para dar a volta por cima, após a morte de Maria Eduarda Alves da Conceição, atingida por tiros de fuzil, enquanto fazia aula de educação física na escola, em Costa Barros, em março de 2017.

O lutador, que pratica artes marciais desde criança, alugava fitas de VHS pra ver as lutas, se inspirou nas vitórias do Royce Grace, no UFC. Uidson fez diversas modalidades de lutas. A mãe o levou para praticar judô, depois capoeira, boxe inglês e finalmente, aos 13 anos, começou a praticar boxe tailandês (muay thai), modalidade que passou a treinar com mais afinco. Estreou nas competições aos 20 anos, mantendo um card de vinte lutas, quinze vitórias e cinco derrotas.

"Eu pratico esportes, corro quilômetros, treino todo dia para poder atingir um objetivo", revelou Uidson.

Da violência das ruas para a violência dos ringues

Fora dos ringues, Uidson sofreu algumas derrotas para o crime. O lutador é um egresso do sistema prisional, e passou seis anos cumprindo pena por quebra do regime semiaberto, por porte ilegal de arma. Na prisão, manteve o treinamento com o ex-campeão de MMA Fábio Leão, participando de um projeto de lutas, junto com outros detentos. Na cadeia só pensava em voltar pra sociedade e mudar a trajetória da sua vida. Foi morar no Borel e começou dar aulas para crianças e jovens da comunidade e aulas particulares, em uma academia também no bairro da Tijuca. Uidson reconhece que o muay thai é um esporte violento, mas ressalta que, por ser um esporte de contato, causa lesões como qualquer outro.

"Nós temos nossos próprios fantasmas e temos que saber canalizar eles para algum lugar. Algumas pessoas bebem, outras fumam cigarro, outras correm, pulam de paraquedas. Enfim, cada um faz uma coisa. Eu procurei canalizar tudo de negativo comigo para a luta. Eu solto tudo ali dentro do ringue de uma forma positiva", declarou.

Um golpe na família

Em março de 2017, a vida de Uidson sofreu um golpe que nenhuma modalidade de luta poderia desferir. Sua irmã caçula Maria Eduarda, de 13 anos, foi morta com tiros disparados por policiais em uma operação no bairro de Costa Barros, zona norte do Rio. Maria Eduarda foi morta com dois tiros na base do crânio, segundo laudo da necropsia. Segundo Uidson, a família está destroçada. Além da morte da irmã caçula dos sete irmãos, sofrem com o descaso do governo e com a desestrutura familiar que a violência causou.

"Essa tragédia abalou muito nossa família. Minha mãe teve um abalo psicológico muito grande. Ela tem alternado mudanças de humor. Uma hora ri, outra hora ela chora uma hora ela nos trata bem, outra hora, ela fala coisa com coisa. O pai da Maria também não recebe nenhum tipo de atendimento. O estado não se preocupou em fazer nenhum trabalho com eles, em relação ao abalo que ele mesmo cometeu, matando a filha deles", desabafou Uidson.

Segundo Uidson, sua mãe Rosilene Alves Ferreira, 54 anos, tem evitado dar entrevistas sobre o assunto. Ela vem sofrendo de depressão, tem tido problemas com catarata e, além disso, perdeu o emprego e tem passado por dificuldades financeiras e não conseguiu se adaptar à nova casa que lhe foi doada pela prefeitura, na ocasião da tragédia. O pai de Maria Eduarda, Antônio Alfredo da Conceição, separado de Rosilene, mora distante da cidade e também, vem passando por problemas emocionais.

"Ele me ligou esses dias e "tava" querendo desabafar. Ele me criou. Conheço ele desde pequeno. Ele também tá "ferrado". Me ligou chorando", revelou.

Uidson revelou que os irmãos ficaram muito abalados e que, uma das irmãs, tentou suicídio e outra está com problemas de comportamentos, gerando conflitos na família.

Além da irmã, Uidson lamenta que já perdeu professores, alunos e amigos para a guerra urbana do Rio.

Caso Maria Eduarda


Maria Eduarda Alves da Conceição foi morta enquanto fazia aula de educação física na Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, em mais uma operação policial. Duda, como era chamada pelo irmão, era uma jovem extrovertida que sonhava ser uma atleta nas quadras de basquete.

Um ano e nove meses após a morte de Maria Eduarda, o cabo Fabio de Barros Dias e o sargento David Gomes Centeno, acusados pela morte da jovem, estão aguardando julgamento na prisão. Recentemente tiveram pedido de habeas corpus negado pelo STJ. O caso está em andamento em duas instâncias jurídicas: cível e criminal.

Segundo, a assessoria do escritório João Tancredo, que trabalha na acusação, foi pedido reparação aos danos psicológicos e financeiros. Principalmente, solicitam uma verba para o tratamento psicológico na rede particular, que foi negado a princípio pelo estado, pois a família não está conseguindo acompanhamento na rede pública. Na esfera criminal, os policiais são acusados por homicídio qualificado e foram denunciados pelo Ministério Público que pediu que fossem julgados em júri popular.

Em busca das vitórias

Enquanto aguarda as decisões da justiça sobre a morte da irmã, Uidson segue treinando e aguarda ansioso para subir no ringue. Ele pretende retomar com o projeto social, na comunidade onde mora. Também quer voltar a estudar; escrever música e cantar. Com as vitórias, ele sonha montar uma empresa familiar, que possa empregar seus irmãos e ajudar sua mãe. Além de criar uma fundação chamada Maria Eduarda, que pretende resgatar jovens da criminalidade.

"Eu vou lutar por isso, vou voltar a competir e quero ganhar todas as lutas. Vou me esforçar para isso. E quero voltar com os projetos de esportes que já recuperou vários detentos. Vários deles estarão na competição do dia 16 em Ipanema", finalizou Uidson.

Foto : Arquivo pessoal Uidson

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