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"Ameaça de cotoveladas na boca é violência psicológica", alerta criminalista da UERJ

Caso ocorrido no Big Brother entre casal Gabriel e Bruna ainda repercute na sociedade e nas redes sociais

Por Portal Eu, Rio! em 23/01/2023 às 20:47:02

Gabriel e Bruna. Foto: Reprodução TV Globo

“Ja, já, você vai levar umas cotoveladas na boca”. A frase dita pelo participante do Big Brother Brasil Gabriel, em rede nacional, ainda repercute na sociedade e nas redes sociais. Segundo a advogada criminalista, Gisela França, a "sister" Bruna Griphao sofreu violência psicológica no reality show. Com isso, a orientação dada pelo apresentador Tadeu Schmidt, so vivo, ao casal foi um dos assuntos mais comentados na Web.

O caso aconteceu no último domingo (22), onde a pauta da conversa ao vivo seria a formação de um "paredão para eliminação", mas o assunto do dia acabou sendo as cenas veiculadas do casal Bruna e Gabriel, que estão tendo um relacionamento na casa. As imagens mostraram o rapaz interrompendo a moça, não a deixando falar, ridicularizando parte do corpo dela e até utilizando palavras grosseiras, como a citada no primeiro parágrafo. Com isso, sobrou para o apresentador do programa, Tadeu Schmidt, alertá-los. Leia, na íntegra, abaixo, a fala:

"(...) Estou aqui para fazer um alerta antes que seja tarde. Quem está envolvido em um relacionamento, talvez nem perceba, ache que é normal. Mas quem tá de fora consegue enxergar quando os limites estão prestes a serem gravemente ultrapassados. Olha esse diálogo que aconteceu ontem. Bruna falando: 'Eu sou o homem da relação'. Gabriel falando: 'Mas já já você vai tomar umas cotoveladas na boca'. Gabriel, em uma relação afetiva, certas coisas não podem ser ditas nem de brincadeira. Esse é o recado que eu queria deixar para vocês’’, disparou.


Foto: Reprodução TV Globo

O apresentador parafraseou trechos do programa com a finalidade de alertar o casal sobre os rumos que poderia tomar o relacionamento. Mas o que realmente aconteceu e quais as consequências destes atos?

O Portal Eu, Rio! entrevistou Gisela França, Doutora em Direito Penal pela UERJ, professora de Ciências Criminais e Segurança Pública da universidade e docente da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ) para esclarecer este assunto, que é muito frequente, porém pouco notificado por falta de informação.

Na concepção de Gisela, para que haja violência psicológica não é necessário que haja dentro de uma relação onde a mulher corresponde ao estereótipo da vítima desse tipo de crime, isto é, seja uma mulher fragilizada, calada e submissa. "Mulheres fortes são igualmente vitimadas e, muitas vezes, possuem enorme dificuldade em se identificar como violentadas e agredidas", afirma a especialista, acrescentando que as cenas exibidas no BBB 23 do casal Gabriel e Bruna configuram violência psicológica contra a mulher, que é uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher definida no artigo 7º, II, da Lei Maria da Penha.

Segundo a professora, mulheres que sofrem com a violência psicológica poderão ter um prejuízo em sua saúde mental: depressão, fobias, pânico, estresse pós traumático, baixa auto-estima, ideias de suicídio e consumo abusivo de álcool e drogas, dentre outros problemas psiquiátricos.

"Logo, essas condutas que as vitimam devem ser combatidas e, por isso, são criminosas. A violência psicológica pode causar consequências irreversíveis para a vida da mulher", lembra Gisela.

Em muitas ocasiões, a violência psicológica acaba passando despercebida pelas mulheres, caracterizando-se como uma violência silenciosa, pois atinge a subjetividade feminina e ocasiona danos internos que poderão acarretar uma infinidade de doenças e prejuízos à existência dessa mulher. De acordo com Gizela, o Direito Penal não está alheio a isso na medida em que editou a Lei 14.188, de 2021, que criminalizou a conduta do abuso psicológico. No período de 2011 a 2021 foram mais de 655 mil casos notificados de violência psicológica no Brasil, representando 21,3% de todas as violências registrados no DATASUS.

“Existe uma dificuldade da mulher de se identificar como vítima, percebendo as condutas agressivas de seus companheiros. Com isso, ficam à mercê de criminosos. Elas precisam perceber as nuances no tratamento ao qual estão submetidas pelos seus parceiros, devem ser protagonistas nas suas trajetórias de vida e evitarem que essas condutas continuem sendo praticadas. É necessário que, dentro de suas relações afetivas, tenham essa percepção no tratamento que seus parceiros lhe dispensam com a finalidade de identificarem e impedirem a prática da violência psicológica”, crê Gisela.

A violência psicológica contra a mulher é uma das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher definida no artigo 7º, II, da Lei Maria da Penha, que rege: "Qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação".

"Importante mencionar que há relação abusiva mesmo sendo a vítima uma mulher aparentemente forte e que rebata as agressões verbais. Ao não perceber que está sendo manipulada, agredida e diminuída, ela se coloca num lugar de extrema vulnerabilidade", acrescenta a especialista.


Gizela França, Doutora em Direito Penal pela UERJ, professora de Ciências Criminais e Segurança Pública da universidade e docente da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

Este tipo de comportamento masculino requer uma atenção triplicada pelas mulheres, pois acende um sinal vermelho. "Juridicamente, a Lei 14.188/21 faz a previsão e inclusão no código penal da violência psicológica contra mulher: causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. A pena estabelecida para o crime de violência psicológica contra a mulher é de prisão, de seis meses a dois anos e multa", diz Gizela.

A professora ainda afirma que qualquer mecanismo semelhante a isso pode tipificar a violência contra mulher, como a interrupção constante da fala, empurrões, apelidos que denotem menosprezo, ameaça e ridicularização. "Tudo isso demonstra um comportamento que começa por meio de palavras, pequenas atitudes, que, às vezes, as vítimas não percebem como agressão. Não podemos dizer que essas condutas do participante Gabriel poderiam escalonar e chegar a um feminicídio, seria especulativo. Contudo, podemos dizer, sem medo de errar, que os feminicídios, em regra, não começam com aquelas atitudes que atingem diretamente a vida da mulher ou a integridade física da mulher. Em cerca de 90 % dos casos, as agressões começam como verbais e psicológicas e vão crescendo. O comportamento passivo da mulher acaba permitindo que elas se convertam em agressões físicas que vão escalonando para o feminicídio", conclui a especialista.



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