O site oficial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que a desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta concedeu efeito suspensivo em agravo de instrumento para permitir que a deputada eleita Ana Caroline Campagnolo volte a publicar, em sua página no Facebook, postagem em que se coloca disponível para receber denúncias de alunos contra professores. As delações visariam os mestres que eventualmente manifestem posições político-partidárias ou ideológicas capazes de humilhar ou ofender as liberdades de crença e consciência dos alunos. De início, a oferta da deputada eleita foi tomada como um ataque à liberdade de cátedra e à liberdade de expressão, com desdobramentos inaceitáveis para a autonomia universitária e o ambiente escolar, sendo proibida.
A situação se alterou agora que o recurso de Ana Caroline foi acolhido pela desembargadora Maria do Rocio. No entender da magistrada, toda essa discussão tem como pano de fundo, na realidade, a chamada "Escola sem Partido" - a possibilidade ou não do professor ultrapassar o limite de sua cátedra para ingressar na seara da doutrinação político-ideológica. Na decisão, contudo, sempre de acordo com o site do TJSC, a desembargadora foca em dois pontos que antecedem esse debate: a possibilidade da deputada se colocar como uma espécie de "ouvidora social" em defesa de alunos vítimas de abusos ou excessos em sala de aula, e o direito dos estudantes gravarem aulas ou momentos pontuais em que agressões dessa natureza ocorreriam.
A desembargadora Rocio considera que em ambos os dois casos não há impedimento legal a tais procedimentos. "Não vislumbro nenhuma ilegalidade na iniciativa da (…) deputada estadual eleita, de colocar seu futuro gabinete como meio social condensador do direito que todo cidadão possui, estudantes inclusive, de peticionar a qualquer órgão público denunciando ato que entenda ilegal praticado por representante do Estado, sobretudo quando se tratar de ofensas e humilhações em proselitismo político-partidário travestido de conteúdo educacional ministrado em sala de aula", anotou em sua decisão. O despacho determina também o chamamento de outros atores - associação de pais, sindicato de professores, dirigentes da rede de ensino, etc. - para, querendo, intervirem no feito. O mérito deste agravo ainda será objeto de julgamento colegiado, por parte da 3ª Câmara Civil do TJSC.
Delação como método permitiu ascensão relâmpago na política a jovem de 28 anos "antifeminista, cristã, conservadora e de direita
Na noite do domingo 28 de outubro de 2018, mal fechadas as urnas que garantiram a vitória de Bolsonaro com mais de 60 milhões de votos, Ana Caroline Campagnolo, eleita deputada estadual em Santa Catarina pelo partido do ex-capitão, abriu um canal de denúncias na internet contra professores “doutrinadores”. Campagonolo, que chegou a ser cogitada para a Secretaria de Educação de seu estado, emula a alemã AfD, de extrema-direita, legenda que criou um canal para que alunos denunciem doutrinação nas escolas. A AfD estimula os estudantes a filmar professores que critiquem o partido.
“Garantimos o anonimato dos denunciantes”, afirmou a deputada em uma rede social. Formada em História, Campagnolo processou a professora Marlene de Fáveri, da Universidade do Estado de Santa Catarina e sua ex-orientadora no mestrado, em 2016, por suposta “perseguição ideológica”. Definindo-se como “antifeminista, conservadora, cristã e de direita”, teve uma carreira política meteórica. Filha de um Policial Militar da reserva, evangélica, professora de história do município de Chapecó, oeste de Santa Catarina, Campagnolo é graduada pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó. Disputou pela primeira vez um cargo eletivo e jamais ocupou qualquer função pública.
Depois de concluir o curso de História, estudou enfermagem na Universidade Federal Fronteira Sul, mas desistiu. Criada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a UFFS tem a quase totalidade dos alunos saídos de escolas públicas. “Ela dizia que os professores eram doutrinadores de esquerda. Daí, resolveu abandonar a universidade”, lembra umaa colega.
Desde 2013, Campagnolo leva seu discurso para a internet por um canal no YouTube. Fã do filósofo Olavo de Carvalho, sugere “obras clássicas” tidas por ela como "fundamentais para o crescimento cultural e que "não são indicadas na faculdade”. Defende o projeto da “Escola Sem Partido”, arquivado na legislatura passada na Comissão de Educação do Congresso, ataca a “ideologia de gênero” e nomina em seu canal os integrantes da comunidade LGBT da cidade.
Nesse mesmo 2013, o ano das jornadas contra o aumento das tarifas de ônibus que evoluíram para um protesto difuso contra os políticos em geral e o governo de Dilma Rousseff em particular, Campagnolo envolveu-se em uma querela acadêmica que foi parar nos Tribunais. Acusou sua então orientadora no Mestrado, Marlene de Fáveri, de “perseguição ideológica”, após ter seu projeto de mestrado selecionado pela Universidade do Estado de Santa Catarina, copm o título de“Virgindade e Família: mudança de costumes e o papel da mulher percebido através da análise de discursos em inquéritos policiais da Comarca de Chapecó". Campagnolo alegava ter sido vítima de “estresse emocional e sofrimento psíquico, situação de humilhação e sensação de cerceamento”.
Fáveri pediu afastamento e substituição da condição de orientadora, alegando não poder orientar alguém que não acredita naquilo que estuda. A então mestranda seguiu adiante em seus estudos até maio de 2016, quando foi reprovada pela banca final da UESC. Foi aí que resolveu acionar a ex-orientadora na Justiça por danos morais. Em 5 de setembro de 2018, o juiz André Alexandre Happke, do 1º Juizado Especial da Comarca de Chapecó, arquivou o processo. Julgou a ação improcedente por falta de provas.
Filiada ao PSL, Campagnolo passou então a arquitetar sua candidatura à sombra do ex-capitão e agora presidente Jair Bolsonaro. O discurso foi do antipetismo, o combate à corrupção, contra a ideologia de gênero, a favor da escola sem partido, comunismo e a franquia ao uso de arma pelo cidadão comum. Na campanha, fez questão de posar com armas nas redes sociais. Campagnolo obteve 34.825 votos.
Até o segundo turno da eleição, suafama virtual restringia-se ao território catarinense. Às 19:44 de domingo, porém, Ana Caroline publicou em sua página do Facebook um post incentivando os estudantes a filmar ou gravar “na semana do dia 29 de outubro (…) todas as manifestações político-partidárias ou ideológicas que humilhem ou ofendam sua liberdade de crença e consciência”. Justificou a medida pelo fato de “muitos professores doutrinadores estarão inconformados e revoltados com a vitória do presidente Bolsonaro” e, portanto, “não conseguirão disfarçar sua ira e farão da sala de aula uma audiência cativa para suas queixas político-partidárias”. Em outra mensagem, mais recente, ela justifica o ato como “promessa de campanha”.
As redes sociais se dividiram. Comunidade acadêmica e adversários reagiram contrários, enquanto eleitores ela, maioria dos comentaristas, a apoiavam. No segundo turno das eleições, Jair Bolsonaro obteve 75,92% dos votos válidos em Santa Catarina. O comandante Moisés, do mesmo PSL, conquistou 71,09% – a maior votação da história catarinense para um candidato a governador.
Na segunda-feira 29, uma petição online com mais de 200 mil assinaturas de todo o País denunciava a medida, tratada como “tentativa de cerceamento dos professores”. O Ministério Público de Santa Catarina anunciou que vai apurar a conduta da deputada eleita. A 25ª Promotoria de Justiça de Florianópolis instaurou, de oficio, procedimento para verificar “possível violação ao direito à educação dos estudantes catarinenses para adoção das medidas cabíveis”.
No mesmo dia, uma nova agressão foi associada aos apoiadores da nova deputada: o diretório do PCdoB, em Florianópolis, recebeu uma encomenda pelo correio contendo panfletos com imagens de Ana Caroline de armas em punho. No alto, os dizeres: “petistas, não se metam com o Bolsonaro. Depois falam que não avisei”. Na parte externa do envelope, um lembrete: “domingo as urnas encerram às 17 horas”. O número de Bolsonaro na eleição. O diretório registrou o Boletim de Ocorrência e constatou que o endereço do remetente, na vizinha Balneário de Camboriú, não existe.