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Pacientes com síndrome rara lutam pela vida e pelo acesso a medicamento de alto custo

Segundo Ministério da Saúde, cerca de 400 brasileiros são diagnosticados com a Síndrome Hemolítica Urêmica Atípica (SHUA)

Por Jonas Feliciano em 29/01/2019 às 09:47:00

No dia primeiro de agosto de 2018, Gylsa Pessanha Machado de Souza, 26, deu entrada no Hospital de Campos dos Goytacazes, grávida de sete meses para dar a luz. Na ocasião, Gylsa apresentava um quadro de pressão alta e precisou realizar uma cirurgia cesariana de emergência. Depois disso, a paciente foi para o seu quarto e o bebê, que nasceu com um quilo, precisou ficar sob cuidados médicos na UTI neonatal.

A jovem ficou bem após o parto. No entanto, alguns sintomas do pós-operatório começaram a preocupar a equipe médica. Gylsa apresentou um inchaço nos membros inferiores e uma queda significativa das taxas sanguíneas. Consequentemente, o seu quadro clínico evoluiu para problemas nas funções renais, mas até aquele momento, os médicos ainda não sabiam qual era o diagnóstico da paciente.

De acordo com Ana Luisa, irmã de Gylsa, a situação piorou rapidamente. Em pouco tempo, ela teve que ser assistida em uma unidade de terapia intensiva, pois seu organismo estava com um importante desequilíbrio metabólico.

“No dia cinco de agosto, a Gylsa foi encaminhada para a UTI. As suas plaquetas e as hemoglobinas estavam muito baixas. Além do mais, a uréia e a creatinina também tinham subido. Os médicos queriam investigar melhor. Por tal motivo, foram feitos muitos exames. Ela recebeu 15 bolsas de sangue e começou a fazer hemodiálise porque seus rins pararam. A equipe não sabia o que estava acontecendo até que, após 44 dias, um hematologista levantou a hipótese da Síndrome Hemolítica Urêmica Atípica (SHUA). Eles realizaram um exame mais especifico que foi analisado nos Estados Unidos e confirmou a suspeita”, explicou.

Ana Luisa contou que com a conclusão do diagnóstico o especialista afirmou que a melhor opção para o tratamento da doença seria o uso da medicação Eculizumab, conhecido comercialmente como Soliris. Contudo, em média, para o governo federal o preço da medicação custa R$ 13 mil e se for importado pelo próprio paciente o valor pode chegar a R$ 20 mil. No caso da Gylsa, o consumo mensal deveria ser de oito frascos, o que geraria um gasto de R$ 160 mil para a família.

Diante do alto custo do tratamento e da possibilidade de conseguir por meio da justiça a compra do remédio, Gylsa entrou com uma ação judicial na justiça federal de Campos pleiteando o direito mediante a gravidade e a necessidade da sua situação.

“Descobrimos que existem aproximadamente 400 pessoas com o diagnóstico de SHUA no Brasil, além dos casos que não são notificados. Todas elas recebem o Soliris porque fizeram o pedido na justiça. Na ação, solicitamos total urgência, pois existia o risco de morte. Embora o judiciário brasileiro seja lento até que tivemos uma resposta rápida. O juiz de Campos deferiu uma tutela antecipada para adiantar a compra, o processo já estava correndo no Ministério da Saúde, porém a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com um recurso que foi aceito por um desembargador do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro (TRF-2) e suspendeu o efeito da tutela antecipada”, relatou Ana Luisa.

Para Ana, a decisão acabou parando o processo administrativo que já estava no setor de compras do Ministério da Saúde. Ainda assim, as advogadas da autora chegaram a procurar o desembargador para tentar uma reconsideração do caso, pois os pareceres médicos de Gylsa comprovavam a necessidade do tratamento. Todavia, o magistrado entendeu que a medicação não está inclusa na relação fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, por tal razão, manteve o indeferimento.

“Agora, estamos desesperados e correndo contra o tempo. Coincidentemente, no dia em que fomos tentar a reconsideração, na volta meu cunhado me ligou dizendo que mais um resultado de exame da Gylsa diagnosticou uma insuficiência cardíaca em decorrência da doença. Esse é um fato novo e mais uma chance de tentarmos acelerar o processo, pois não sabemos até quando ela vai aguentar. Por enquanto, ela está em casa tomando várias medicações, fazendo hemodiálise três vezes na semana. É muito complicado porque ela depende disso para continuar sobrevivendo e é tudo muito burocrático. As pessoas esperam tanto que acabam morrendo. Ela não é a única que está passando por essa situação, existem muitos espalhados pelo Brasil que estão sofrendo, pois dependem desse remédio para sobreviver e, muitas vezes, devido tantas dificuldades não resistem à espera”, lamentou.

No dia 11 de janeiro, a paciente recebeu mais uma sentença favorável. Mas, devido a decisão do desembargador ainda vai precisar aguardar o julgamento de um novo recurso pendente de marcação em uma sessão plenária que deve acontecer em fevereiro. A reunião contará com a participação de três desembargadores que poderão mudar, ou não, o destino de Gylsa.

Vale destacar que a decisão do magistrado baseou-se na Portaria nº 77 de 14 de dezembro de 2018. O documento tornou pública a decisão de incorporar o Eculizumabe para tratamento de pacientes com hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, mas não incluiu a SHUA na listagem de patologias assistidas pelo estado.

Desde que passou a valer, a portaria entendeu que as pessoas com HPN podem ser atendidos na rede pública pelo Protocolo de uso do Eculizumabe. Ele foi estabelecido pelo Ministério da Saúde com atendimento e tratamento restritos aos hospitais que integram a Rede Nacional de Pesquisa Clínica, além de registrarem os dados clínicos e farmacêuticos no sistema nacional informático do SUS.

Políticas públicas

De acordo com Ministério da Saúde, o Brasil possui uma Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Desde 2014, é possível que os pacientes tenham acesso a uma rede de atendimento para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação.

O Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza consultas para prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de pessoas com doenças raras, além de cuidados com os sintomas. Tudo isso é feito por meio de avaliações individualizadas das equipes multidisciplinares nos diversos serviços de saúde do país, como unidades de atenção básica, hospitais universitários, centros especializados de reabilitação e atenção domiciliar.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças raras são aquelas que afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos. Entretanto, o número exato de doenças raras ainda é desconhecido, mas atualmente são descritas de sete a oito mil patologias na literatura médica. Desse total, 80% delas decorrem de fatores genéticos e os outros 20% estão distribuídos em causas ambientais, infecciosas e imunológicas.

A Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras tem como objetivo melhorar o acesso aos serviços de saúde e à informação, reduzir a incapacidade dos pacientes e contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que são diagnosticadas com essas doenças. Inicialmente, para a implantação dessa Politica, foram incorporados, 15 exames de biologia molecular e citogenética, além do aconselhamento genético.

O Ministério da Saúde está revisando a elaboração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para doenças raras, buscando unificar procedimentos em documentos já existentes. Atualmente, há a disposição PCDT para 36 doenças raras, que orientam médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e demais profissionais de saúde sobre como realizar o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação dos pacientes, bem como a assistência farmacêutica no SUS.

O atendimento é feito prioritariamente na Atenção Básica e se houver necessidade o paciente será encaminhado para um especialista em uma unidade de média ou alta complexidade. Para atrofia espinhal e distrofia muscular, estão disponíveis no SUS procedimentos relacionados ao diagnóstico, tratamentos como fisioterapia, além da oferta de órteses, próteses e materiais especiais.

O custeio dos procedimentos para fins de diagnósticos em doenças raras é efetuado por meio do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC) e é repassado aos Estados, Distrito Federal e Municípios a partir da publicação da portaria de habilitação dos Serviços e/ou Serviços e produção dos respectivos procedimentos no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS). Assim como o Ministério da Saúde, os gestores estaduais e municipais podem empregar recursos próprios na oferta de assistência e cuidado.

Medicamentos

É importante destacar que os pacientes com doenças raras podem contar com o suporte do SUS para a obtenção de medicamentos. Contudo, o número dessas patologias que envolvem um tratamento baseado em fármacos representa uma pequena fração do universo de doenças raras. Vale lembrar que o uso e a disponibilização de medicamentos no SUS estão regulamentados pela Conitec.

Em 2015, os gastos do Ministério da Saúde com medicamento para doenças raras alcançaram a marca de R$ 1 bilhão. Até abril deste ano, já foram aplicados aproximadamente R$ 600 milhões. Além disso, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançaram um edital de chamada para pesquisa envolvendo os casos de pessoas com tais quadros clínicos. As propostas aprovadas serão financiadas com recursos no valor global estimado de R$ 5 milhões.

Judicialização

Em dez anos, o aumento dos gastos do Governo Federal com ações judiciais foi de 1.321%. Em 2018, até setembro, já foram gastos R$ 1,140 bilhões. Entre 2002 e 2017, foram cadastradas 19.837 ações judiciais no Ministério da Saúde solicitando o suporte na compra de remédios.

Confira a seguir, os números dos últimos cinco anos: R$ 549,1 milhões (2013), R$ 839,7 milhões (2014), R$ 1,1 bilhões (2015), R$ 1,3 bilhões (2016) e R$ 1,02 bilhões (2017).

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, os 10 medicamentos mais caros são para tratar doenças raras e representaram 93,6% do total gasto em 2017 em decisões judiciais. Com esses fármacos, foram gastos R$ 916,7 milhões para atender a 1.363 pacientes. Em média, as despesas foram de R$ 672 mil por paciente. O gasto com o “Soliris” em 2017 foi de R$ 267,1 milhões para atender 428 pacientes. Em 2018 até o mês de setembro o valor já havia atingido R$ 368 milhões. O preço médio unitário do medicamento no ano foi de R$ 13,6 mil.

Soliris: tratamento de primeira linha

A síndrome hemolítico-urêmica atípica (SHUa) é uma doença rara, grave, sistêmica, com acometimento em qualquer idade. Ela é definida pela ocorrência simultânea de anemia microangiopática, trombocitopenia e lesão renal, que estão associados à microangiopatia trombótica (MAT).

A MAT resulta da formação de coágulos em pequenos vasos sanguíneos ao longo de todo o corpo que podem levar a complicações em vários órgãos. A médica especialista do Hemorio, Viviani Pessôa, explica que, em via de regra, os rins são os mais afetados, mas complicações neurológicas, gastrointestinais e cardíacas também podem ocorrer.

“Tradicionalmente, a SHU foi dividida em SHU com presença de diarreia e sem a presença de diarréia. A primeira é também referida como SHU típica e resulta, principalmente, de infecções por E. coli, produtora de toxina Shiga (STEC) e, menos frequentemente, de infecção por Shigella dysenteriae Tipo 1. Todas as outras causas de SHU sem a presença de diarreia, foram denominadas SHU atípica. Embora seja possível a ocorrência de diarreia, a SHU atípica é mediada pela ativação descontrolada do sistema complemento, um componente do sistema imunológico”, informou.

Viviani ainda revelou que as mutações genéticas das proteínas reguladoras do complemento perturbam o equilíbrio causando uma atividade contínua e descontrolada que  resulta em dano das células que revestem os vasos sanguíneos, a ativação das plaquetas e os leucócitos provocando a MAT, a isquemia, a inflamação dos vasos sanguíneos que originam danos irreversíveis dos tecidos, a falha de vários órgãos e, muitas vezes, a morte.

“Em 20 a 30% dos pacientes, a SHU atípica pode ter origem familiar. A penetração da doença é de aproximadamente 50%, de modo que apenas metade dos membros da família com a mutação genética vai manifestar a doença. Existe também uma forma da Síndrome SHUa que se desenvolve em pacientes que não têm um histórico familiar da doença e que ocorre na presença de gatilhos que se acredita desempenhar um papel na ativação descontrolada do sistema complemento. Neste caso, inclui a infecção com o vírus da imunodeficiência humana, o cancro, o transplante de órgãos, gravidez, o uso de certos fármacos anticancerígenos, drogas como ciclosporina e tacrolimus, e agentes antiplaquetários como, por exemplo, a ticlopidina e o clopidogrel”, detalhou a médica.

A especialista diz que o diagnóstico de SHU atípica é um diagnóstico de exclusão de outras causas de MAT. O processo de análise é baseado na apresentação clínica dos resultados clássicos da tríade de anemia hemolítica.

“Fazer o diagnóstico é um desafio porque a triagem de mutações não está amplamente disponível. A terapia ideal deve controlar a ativação descontrolada do complemento que conduz à MAT sistêmica. Embora a troca plasmática seja frequentemente utilizada, ela produz uma resposta clínica limitada, pois pode produzir uma boa resposta hematológica a curto- prazo. Porém, apresenta grande recorrência da doença a longo- prazo e evolução renal desfavorável. O tratamento com Eculizumabe, um anticorpo monoclonal para C5, bloqueia a cascata do complemento terminal. Desse modo, ele tem sido considerado um tratamento de primeira linha, pois reduz a ativação do complemento diminuindo assim o dano endotelial e a trombose, além das lesões renais”, conclui Viviani.

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