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Irã: A sombra de 1979

Os líderes muçulmanos trouxeram principalmente miséria para um país que poderia ser um dos mais desenvolvidos do mundo

Por Kaio Serra em 12/02/2019 às 12:23:15

Foto: Museu Nacional do Irã

Após alguns momentos tensos, parecia que o voo transportando o aiatolá Khomeini de volta ao Irã, não iria conseguir aterrissar. Duas semanas se passaram desde que o xá Mohammad Reza Pahlavi deixou o país em meio a enormes protestos contra seu governo autocrático. Os assessores de Khomeini estavam ansiosos para o aiatolá retornar do exílio em Paris e preencher o vácuo de poder. Mas o governo deixado para trás pelo xá advertiu-os para não retornar. Quando o avião deles se aproximava do espaço aéreo iraniano, a força aérea ameaçou derrubá-lo. Alguns a bordo aplaudiram a chance do martírio. Os jornalistas ocidentais a reboque eram mais moderados.

O avião acabou pousando em Teerã e, depois de uma breve discussão entre seus seguidores sobre quem o ajudaria, Khomeini desceu lentamente as escadas até a pista, ajudado por um administrador da Air France. Ele foi recebido na capital pelo que alguns acreditam ser “a maior multidão da história”. A data era 1º de fevereiro de 1979. Dez dias violentos depois, o governo do xá renunciou e o exército deu lugar aos revolucionários islâmicos.

Quarenta anos depois, o Irã é nominalmente democrático, mas os mulás (líderes regionais educados na teologia islâmica) não eleitos ainda detêm o poder real. Eles desafiaram as expectativas, permanecendo no comando por tanto tempo.

De fato, as matrículas nas universidades aumentaram, os serviços para os pobres melhoraram e a economia é mais diversificada. Mas em sua maioria, o Irã está em pior situação. Nos meses após a revolução, Khomeini e seus seguidores de linha dura, apelidados de "as barbas", tomaram decisões que levaram o país à um caminho terrível.

O Irã hoje é menos piedoso do que os mulás gostariam, menos próspero do que deveria e menos engajado com o mundo do que a maioria dos países.

Khomeini tomou sua primeira grande decisão muito antes de chegar ao poder. “O governo deve ser dirigido e organizado de acordo com a lei divina (o Alcorão), e isso só é possível com a supervisão do clero”, disse ele em seu primeiro discurso.

Quarenta anos após a revolução islâmica, os clérigos pró-regime, nas mentes de muitos iranianos, associaram-se a um estado opressivo e fora de sintonia. Khamenei piorou as coisas. Quando seu candidato à presidência, Mahmoud Ahmadinejad, um radical, venceu uma eleição duvidosa em junho de 2009, multidões realizaram protestos em massa pelo país. O regime reprimiu, acusando os líderes moderados da oposição, conhecidos como o Movimento Verde, não apenas de incitar a população, mas de serem mohaarebs - pessoas que lutam com Deus cristão.

O público há muito tempo perdeu seu zelo revolucionário. Acredita-se que mais de 150 mil iranianos com ensino superior deixem o país a cada ano, entre as maiores taxas de fuga de cérebros do mundo. Jovens iranianos frequentam a mesquita com menos frequência do que seus pais.

No entanto, o regime age como se a revolução tivesse ocorrido ontem. O judiciário recentemente proibiu que cães de rua vaguem pelas cidades (o Islã considera os cães impuros). Neste mês, Khamenei repreendeu as mulheres que retiraram seus hijabs (véu que as mulheres são obrigadas a utilizarem sobre a cabeça, rosto e pescoço). Isso captura a essência do governo islâmico no Irã: os clérigos septuagenários dogmáticos forçando suas próprias opiniões antiquadas sobre uma sociedade jovem e diversificada, obviamente, isso só pode ser sustentado através da coerção.

A principal ferramenta de opressão dos clérigos é o Corpo dos Guardas da Revolução Islâmica (IRGC ). Khomeini não confiava no exército do xá, então reuniu os grupos armados que apoiaram a revolução em uma única força, o IRGC . Em 1980, enviou-a para combater o exército invasor de Saddam Hussein, o então ditador do Iraque, chamando a guerra de “causa divina”. Centenas de milhares de iranianos morreram no conflito de oito anos.

A guerra mudou o IRGC, que agora possui mais de 100 mil soldados e supervisiona a base voluntária, uma milícia militante um milhão de vigilantes voluntários. Sua força secreta opera na Síria, Iêmen, Iraque e Líbano. Em casa, os guardas estenderam seu alcance a todos os aspectos da sociedade. Ex-membros possuem altos cargos no governo e assentos no parlamento. Os Guardas garantem que os programas de rádio e televisão apoiem o estado e que as escolas ensinem os alunos a serem leais ao regime.

O governo do Irã tinha pouco a oferecer aos soldados que voltaram da guerra Irã-Iraque, por isso colocou o IRGC para trabalhar na reconstrução do país. Desde então, tem ocupado contratos com o governo, muitas vezes sem licitação. Hoje controlam, direta e indiretamente, um império de negócios no valor de bilhões de dólares. Está construindo uma linha de metrô em Teerã, extrai petróleo e gás e administra clínicas de cirurgia ocular a laser. Enquanto as sanções americanas ferem seus concorrentes, as empresas ligadas aos Guardas conseguem contrabandear mercadorias e evitar impostos. O próprio Khamenei controla o Setad, um conglomerado opaco com interesses em quase todos os setores econômicos.

Em face das sanções, o estado desenvolveu uma “economia de resistência”, que é diversa e autossuficiente em algumas áreas, mas dificilmente eficiente. O Irã ocupa hoje o último lugar no Índice de Facilidade de Fazer Negócios do Banco Mundial e no Índice de Percepção de Corrupção da Transparency International. Em 1977, o pib por pessoa no Irã era ligeiramente maior do que na Turquia, outro grande país islâmico; hoje os salários iranianos são menos da metade dos turcos.

Em janeiro do ano passado, milhares de iranianos foram às ruas para protestar contra a corrupção, a repressão e o aumento dos custos de vida. A raiva inicial foi dirigida a Hassan Rouhani, o presidente reformista. Mas as pessoas rapidamente voltaram sua ira para os clérigos dominantes e para o IRGC. "As pessoas são indigentes enquanto os mulás vivem como deuses", gritavam os manifestantes, e "Morte aos Guardas Revolucionários". O regime, como é de seu costume, prendeu centenas e culpou os Estados Unidos pela agitação.

O ódio pelo "grande Satã", apelido de Khomeini para os americanos, era um princípio central da revolução. Afinal de contas, foram os EUA que puseram Mohammad Pahlavi no poder depois de ajudar a derrubar o governo democraticamente eleito de Muhammad Mosaddegh, um primeiro-ministro nacionalista, em 1953. Em 1979, iranianos de todas as tendências haviam se voltado contra o desgoverno do xá. Muitos temiam que sua sociedade estivesse sob ataque da cultura ocidental.

Reféns do passado

A visão dos EUA sobre o Irã foi envenenada nove meses após a revolução de 79. Quando o então presidente americano, Jimmy Carter permitiu que o xá Mohammad Reza Pahlavi fosse aos Estados Unidos para tratamento de câncer, isso causou indignação no Irã. Em 4 de novembro de 1979, ativistas estudantis escalaram as paredes da embaixada americana em Teerã, sequestrando a maioria dos funcionários. Os reféns permaneceram em cativeiro por 444 dias. Oito soldados americanos morreram em um esforço de resgate abortado em 1980. Khomeini usou o ataque para obter apoio popular.

A inimizade mútua quase não se dissipou. Os EUA apoiaram o Iraque em sua guerra com o Irã. O irgc patrocinou ataques terroristas contra americanos. Em 2002, George W. Bush disse que o Irã fazia parte de um "eixo do mal". Mas sua invasão do Iraque um ano depois, e o tumulto desde as revoltas da primavera árabe em 2011, permitiram que o Irã estendesse sua influência pela região. Evidências crescentes de que o Irã estava buscando um programa de armas nucleares provocaram sucessivas rodadas de sanções.

Uma nova era parecia possível quando Barack Obama se ofereceu para “estender a mão” se o Irã “abrisse [seu] punho”. Rouhani concordou com um acordo em 2015, através do qual o Irã restringiu seu programa nuclear em troca de um alívio de sanções. Ambos os líderes esperavam que melhores relações se seguiriam. Mas o acordo não produziu prosperidade, como Rouhani havia prometido aos iranianos, e o Irã continuou a testar mísseis e interferir no exterior.

No ano passado, o presidente Donald Trump retirou os EUA do acordo. De fato, Trump está cercado por políticos sem senso cultural e diplomático, como John Bolton, seu conselheiro de segurança nacional, que já havia defendido o bombardeio do Irã ou a derrubada dos mulás.

Apesar de toda sua arrogância, Trump se ofereceu para conversar com Rouhani, que recusou o convite, culpando novas sanções pelo sofrimento iraniano. Tais súplicas, no entanto, deixam os clérigos e o IRGC nervosos. A hostilidade americana confere ao regime uma razão de ser; isolamento significa menos concorrência para seus negócios.

Os protestos diários continuam no Irã, enquanto a economia afunda. “O Ocidente não é o inimigo, o inimigo está bem aqui", dizem alguns na multidão. Ódio pelo xá uniu os iranianos por trás de Khomeini. Hoje, porém, a oposição é dispersa e sem liderança. Os iranianos olham ao redor da região e veem apenas revoltas fracassadas.

A revolução de 1979 trouxe principalmente miséria e opressão, mas um novo 1979 poderá chegar em breve.


 

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