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Verão ameaçado com novo surto de Chikungunya

Doença pode vir em larga escala, segundo Fiocruz

Por Cesar Faccioli em 21/06/2018 às 05:33:00

Divulgação: Fiocruz

O surto de chikungunya registrado no Estado do Rio de Janeiro nos quatro primeiros meses deste ano apresenta um grande risco de repetir-se, em escala ampliada, quando chegar o verão. O alerta é do coordenador de vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio. De sintomas muito semelhantes aos da dengue e da zika, também transmitidas pelo mosquito Aedes Aegyptii, a chikungunya é de chegada mais recente ao Brasil. Daí menos gente ter desenvolvido anticorpos, e estar portanto vulnerável à doença.

No Estado do Rio, os registros no primeiro quadrimestre do ano se aproximaram de 15 mil casos, mas, segundo a sub-notificação, a tendência de o público não registrar os casos de quadro clínico mais brando, permite supor números bem mais expressivos. E preocupantes. O desemprego e a precarização influem para a sub-notificação. Muita gente fica com medo de, faltando seguidamente, perder a vaga. Mesmo nos empregos que tenham maiores garantias legais.

"Pela média constatada em estudos sobre sub-notificação, é possível estimar em 45 mil o total de pessoas infectadas de janeiro a abril. Com o retorno do período chuvoso, a tendência é de números mais elevados", argumenta o pesquisador.

Os 45 mil casos do início do ano já são suficientes para caracterizar uma epidemia de razoáveis proporções. O quadro do Rio reflete problemas que se manifestam em outras regiões, como a falta de saneamento adequado. Mesmo assim, o pesquisador descarta como pouco provável uma epidemia nacional de Chikungunya. O alerta da Sociedade Brasileira de Virologia quanto a um surto em dois anos deve ser levado em conta, mas não de forma literal.

"A característica epidemiológica da doença é muito semelhante à da dengue, presente no Brasil desde a década de 1980 com mais força. Não se registrou uma epidemia nacional, que atingisse dez a quinze estados de uma vez. O País é extenso, com regimes climáticos muito distintos por região. O período chuvoso não coincide no Nordeste e no Sudeste, as duas áreas mais populosas", exemplifica.

A elevação das temperaturas, outro fator decisivo para o ciclo de reprodução do mosquito vetor, não coincide em todas as regiões. Daí Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, estados nordestinos, terem registrado um grande número de casos. Estudos de vigilância epidemiológica chegaram a apontá-los como os prováveis pontos de chegada da Chikungunya. Teria vindo da África, trazida por um participante da Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Mais recentemente, os casos, além do Rio, se concentraram no período chuvoso de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Exemplo da dengue impõe atenção redobrada

Há uma década,em 2008, foram registrados de 500 mil a 700 mil casos de dengue no Brasil. Foi o período que chegou a ser necessária a instalação de tendas para hidratação, em praças públicas como o Campo de Santana, no Centro do Rio. Com ciclos de sucessivo agravamento, os surtos se repetiram em 2003, 2008 e 2013.

"A dengue tem quatro sorotipos diferentes,o que dificulta o controle. Uma pessoa pode ser infectada mais de uma vez, desde que por variedades distintas do vírus. Por isso, a preocupação com a dengue hemorrágica, que podia até matar se não fosse detectada a tempo", relembra o pesquisador.

A Chikungunya não alcançou números tão terríveis quanto os da dengue, a arbovirose de maior disseminação no País. O Rio de Janeiro, nesse quadro, reúne condições de risco para a ocorrência da doença mais recente. O primeiro desses fatores de risco é a baixa exposição anterior ao vírus.

Os outros três fatores têm relação direta com os problemas estruturais e a crise financeira do Estado do Rio. Os elevados índices de infestação do mosquito Aedes Aegyptii refletem o grande número de criadouros, reservatórios de água propícios ao desenvolvimento das larvas. O acúmulo de água é facilitado por chuvas intensas ou pelo armazenamento de recursos hídricos de forma equivocada, como banheiras desativadas e barris usados.

"Essa prática é muito comum em locais de abastecimento intermitente, como a Zona Oeste ou a Baixada Fluminense, mas a rigor acontece em grande parte das comunidades do Rio", explica Venâncio.

A violência urbana dificulta o acesso das equipes da Vigilância Sanitária às casas e apartamentos. A omissão do poder público agrava o quadro, com unidades de saúde na periferia das grandes cidades sendo fechadas. A demora no diagnóstico definitivo, de resto caro e difícil como na maioria das doenças virais, abre caminho para complicações em parcela significativa dos pacientes.

A letalidade não chega a ser a maior preocupação nos casos de Chikungunya. Está longe de ser desprezível, com uma morte a cada mil casos notificados. A necessidade da prevenção, contudo, salta aos olhos e diante de outra característica da doença, o percentual de cronicidade, maior que o da dengue. Muita gente passa a apresentar dores crônicas nas articulações, cansaço e um mal-estar difuso, mas tão intenso que impede sequer levantar da cama. Não por acaso, o absenteísmo (índice de faltas ao trabalho) aumentou fortemente nas regiões afetadas pelos surtos de chikungunya. Em muitos casos, meses ou anos depois do surto, os percentuais de ausência não haviam retornado à média anterior ao problema.

Complicações mais graves também são relativamente frequentes, e justificam os investimentos em prevenção. Os quadros neurológicos, com formas graves em recém-nascidos, quando a mãe é infectada nos últimos dias de gestação, têm sido registrados. São meningocefalites, infecções da membrana cerebral e da caixa craniana.

"Preocupa também a descompensação de algumas doenças previamente manifestadas, como a diabetes e a hipertensão. Não é incomum que os medicamentos para controlar a pressão alta e as taxas de açúcar no sangue tenham que ter a dose reforçada. Sem contar que doenças infecciosas sistêmicas podem evoluir para a síndrome de Guillain-Barré, uma doença potencialmente mortal e causadora de paralisia parcial ou total do sistema nervoso, particularmente nas extremidades do corpo", adverte.

Epidemias têm causas diversas, e soluções são estruturais

Campanhas de prevenção e combate aos criadouros são necessárias, mas longe de serem suficientes. Sem investimento pesado e constante em saneamento, e reforço na Educação, será virtualmente impossível enfrentar o desafio das doenças infecciosas crônicas, na avaliação de Rivaldo Venâncio.

"Somos um país de graves desigualdades. Pesam sobretudo os determinantes sociais da saúde. Um bom exemplo é o descuido com o ambiente. Na Copa de 2014, ficou na memória a cena dos japoneses coletando com sacos plásticos as embalagens que levavam para o Mineirão", lembra.

O lixo também ilustra bem o desafio. No Primeiro Mundo, a coleta de lixo domiciliar é seletiva, facilitando o reaproveitamento como matéria-prima. Por aqui, ressalvadas exceções como a reciclagem de latas de alumínio, seletivo tem mais a ver com a exclusão. Metade ou mais das grandes cidades sequer têm coleta semanal de lixo. O fornecimento da água para consumo doméstico é intermitente, a poucos quilômetros do centro do Rio encontra-se bairros inteiros com esgoto a céu aberto.

"A origem desses grandes problemas de saúde pública é multifatorial. As soluções acabam a cargo exclusivamente das autoridades sanitárias. Inviável pensar assim, ainda mais com a recessão econômica trazendo cortes de verbas para várias áreas. Sem persistência, que custa dinheiro e exige gestão, não há solução sustentável", resume.

Os exemplos para o sucesso podem ser buscados na natureza. O próprio inimigo mostra caminhos, baseados na renovação permanente.

"O mosquito gosta de água relativamente limpa, e foi capaz de se adaptar. Estamos usando contra as arbovirores ferramentas do século XX, como o mata-mosquito e o fumacê, em pleno século XXI. A abordagem não pode persistir com 100 anos de defasagem. O Rio e o Brasil de 2018 podem aprender com Oswaldo Cruz e o combate à febre amarela, mas têm que entender a necessidade de atualizar os instrumentos. A guerra mudou.

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