Na semana comemorativa do Dia da Internet Segura – em 5 de fevereiro - juristas que atuam na área do direito trabalhista alertam para o uso “despreocupado” das redes sociais pela classe trabalhadora. Segundo os especialistas, uma postagem considerada desabonadora pela empresa contratante, pode ser motivo de demissão até por justa causa. Para os advogados, o uso das mídias sociais tornou mais tênue a fronteira entre o pessoal e o profissional, pelo fato das companhias estarem mais atuantes na internet e monitorando seus funcionários fora do horário de expediente.
O advogado Rafael Carvalho, que atua no ramo trabalhista pelo escritório carioca Barreto, Carvalho e Ribeiro Advogados Associados, frisa a importância da utilização das redes sociais como meio de prova em processos. “Apesar de não ter nenhum artigo na CLT especificando a utilização das redes sociais, são usadas as normas do processo civil para validar este tipo probatório. É muito comum nas redes sociais pessoas se manifestando de maneira despreocupada. Da mesma forma que isso pode gerar provas para um processo na área civil, por danos morais, também serve como prova em processos trabalhistas, justificando, por exemplo, uma justa causa”, explica o jurista.
Carvalho ressalta que o comentário do trabalhador, se atingir a imagem ou a reputação da empresa, assim como da sua chefia, o caso pode ser interpretado como descumprimento contratual, podendo ser enquadrado em um dos incisos do artigo 482 da CLT, que trata dos trâmites das demissões por justa causa. Por outro lado, as postagens também podem ser utilizadas pelos empregados como elemento comprobatório de vínculo empregatício.
“As redes sociais se tornaram meio de comunicação, extremamente utilizado. Se antes as empresas buscavam restringir o acesso do empregado alegando que prejudicava a produtividade, hoje elas estimulam [o uso da internet], até visando propagar a sua imagem. Entretanto, é importante ressaltar o elemento que está começando ocorrer, que é o monitoramento daquilo que é manifestado pelo empregado nas redes sociais. Visivelmente, isso viola o direito de sigilo e à privacidade, garantidos tanto pela Constituição como pelo artigo oitavo do Marco Constitucional da Internet. O trabalhador [através das postagens] pode ser julgado pela sua ideologia, pelas suas opções e isso tudo pode gerar uma demissão, mas ludibriado por outro motivo qualquer, para evitar um conflito entre empregador e empregado”, afirma Carvalho.
Para Carvalho, o mercado de trabalho no país enfrenta uma conjuntura preocupante, com ataques aos direitos do empregado, através de monitoramentos nas redes sociais, inclusive ultrapassando a esfera dos acordos contratuais. “É preocupante o empregado permitir ao empregador este tipo de abordagem, este tipo de controle que ultrapassa a esfera do combinado na relação de trabalho. Eu recomendo a todos que busquem estudar mais, buscar mais informações sobre este tema que é de grande relevância para o trabalhador”, afirma.
LinkedIn: Big Brother digital
O advogado de Direito Trabalhista e Cibernético, Phelippe Zanotti Giestas, compara as redes sociais a um “Big Brother”, onde as postagens do trabalhador podem ser vigiadas por uma “teia” empresarial: chefes, colegas de trabalho e outras empresas. Para o jurista, uma das plataformas que oferece maior risco de exposição, atualmente, é o LinkedIn. “As empresas estão rastreando a vida do cidadão de todas as formas. Mas o caso que estamos estudando [se referindo ao LinkedIn], ele facilita esta busca. O candidato que coloca o seu currículo ali, está tendo a vida devastada de forma digital. Eles encontram todas as plataformas que o trabalhador está credenciado e encaminha as informações para as empresas que pagam pelo serviço”, destaca Giestas.
Giestas chama a atenção para os internautas que possuem perfis no Facebook, por exemplo, com mais três mil seguidores, cujas postagens podem viralizar com mais facilidade. “É neste momento que a métrica ajuda a empresa. Através deste dado ela tem uma posição vantajosa para avaliar se aquele comentário [do trabalhador] foi negativo ou positivo”, destaca.
Na análise jurídica de Giestas, o problema mais grave está no fato da empresa ter acesso às informações privilegiadas, como as métricas das plataformas, que especificam as visualizações das postagens. “Se eu mandar uma mensagem, a empresa que está pagando o LinkedIn vai ter um alerta imediato, ‘olha, o seu ex-funcionário está insatisfeito e está dizendo isso de você’. E a reciprocidade? A própria CLT protege este lado, o funcionário não pode ter anotações desabonadoras na sua carteira. Então, o funcionário não pode postar uma coisa que irritou ele [no trabalho], nem estou me referindo à algo que possa denegrir a imagem da empresa, mas um caso de atraso salarial, por exemplo, que ele pode vir relatar”, avalia Giestas.
‘Aprendi a lição’
Uma situação muito semelhante à citada por Giestas resultou na demissão do vendedor Lucas Noberto, de 22 anos. O episódio aconteceu em 2016, quando o jovem trabalhava em uma loja de roupas no Plaza Shopping Macaé, no interior do Rio. “Vou calar a minha boca. Tô no limite do meu estresse já. Hoje é dia 29, cara. Nove dias de atraso, eu tô sem cara de olhar quem eu devo”, afirma Lucas em uma postagem no seu perfil no Twitter. “Cristiane vai operar hoje. Tomara que volte igual Michael Jackson”, comenta o jovem em outro post.
A demissão de Lucas foi assinada pela própria Cristiane citada nas postagens dele nas redes sociais, que na época era a sua chefe no setor de vendas. “Antes de eu fazer as postagens, esta gerente começou a falar mal de mim no shopping, espelhar mentiras. As pessoas da loja viraram contra mim, ficou um clima ruim. Eu achei que falar no Twitter ninguém ia ver, que eu poderia falar dela, extravasar de um lado e ela não saber do outro. Nunca passou pela minha cabeça que isso pudesse acontecer, de ser a causa da rescisão do contrato, com justa causa ainda por cima”, conta Lucas.
O rapaz relembra as circunstâncias como aconteceu a demissão. Segundo ele, a gerente colocou em cima do balcão de venda várias cópias das postagens citando o nome dela, juntamente com a carta de dispensa. “Eram comentários que eu fiz durante dois, três meses. Ela ficou incitando aquilo, ela me apertava de um lado para eu soltar do outro. Eu fui a um advogado, ele disse que a gerente podia me demitir, mas as provas não eram muito consistentes, daria para mover processo. Só que eu entendi como um erro meu. Falei demais, deveria ter resolvido as minhas questões com ela e não em redes sociais”, considera Lucas.
Na época, o caso ganhou repercussão nacional e Lucas foi convidado para entrevistas em veículos de comunicação e programas televisivos, o que rendeu uma derradeira mensagem direcionada a ex-chefe. “Minha fama chegou, obrigado Cristiane”. Hoje, o jovem afirma ter aprendido a lição. “Depois, eu entendi que isso [comentários sobre o ambiente de trabalho nas redes sociais] realmente atrapalha, muda a imagem das pessoas, como ela [se referindo a sua ex-gerente] e a loja fizeram muitas interpretações. Falar coisas do seu trabalho em rede sociais nunca é bom. E eu aprendi isso, estou levando para a minha vida”, diz Lucas, que já conseguiu recolocação no mercado de trabalho.