O papa é pop e o cordel também. A transposição da escrita Cordelista para arquivos digitalizados trará revolução tecnológica para as letras de uma das manifestações mais significativas da cultura do Nordeste. Em setembro de 2018, foi reconhecido como Patrimônio Cultural e imaterial Brasileiro pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A Fundação Casa Rui Barbosa (CRB) empreende o projeto de salvaguardar o rico e extenso material presente em milhares de obras.
A Literatura de Cordel veio de Portugal, em que se comercializa folhetins, livretos, e se adaptou as nossas regionalidades, em principal a nordestina. Folhetins, livretos, eram pendurados em cordões ou varais para a visualização dos clientes. O Cordel atravessou o Atlântico, adotou o Nordeste como berço e depois se espalhou pelo Brasil.
Gonçalo Ferreira, escritor de 82 anos, presidente da ABLC (associação brasileira de Literatura de Cordel) conta que a tradição do Cordel se originou no Rio de Janeiro quando entre os anos de 1945 e 50 escritores, repentistas, artistas e vendedores de produtos diversos, a maioria vindos do Nordeste se reuniam no bairro de São Cristóvão, onde hoje é o Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, popularmente conhecido “Feira de São Cristóvão”. Nomes de como os cordelistas Santa Helena e Azulão, faziam suas cantorias e duelos. Estes são os “dinossauros” da primeira geração da feira, referência quando o tema é a região Nordeste. Gonçalo é um dos poucos remanescentes desta geração, veio para o Rio de Janeiro com 14 anos onde até esta idade participava dos duelos de repentistas no Ceará, sua terra natal. Em solo Carioca se dedicou ao ofício de escritor.
O presidente da ABLC conta com cerca de 300 cordéis e 30 livros, “Um resto de razão” (coletâneas de contos nordestinos) é o seu primeiro livro publicado. O escritor em 2011 lançou uma série de cordéis com temáticas cientificas. Os onze volumes foram parar em Washington, na biblioteca do Congresso Nacional, juntamente com outros 12000 exemplares de nossa imortal de Literatura popular, nesta instituição de renome.
O cordel “Peleja de Rachel e Alencar avarandados no céu” trará para a Marquês de Sapucaí a tradição da poesia deste gênero e alegria do povo do Nordeste, em especial do Ceará. Enredo que a escola de samba União da ilha desenvolverá na passarela do samba. O escritor Cordelista comenta que o projeto da CRB executa importante papel do futuro cordel “Temos acompanhado o progresso, assim como o rádio e a tv, agora sendo digitalizado e disponibilizado na internet ”, emenda o ilustre cordelista.
Outro artista cearense, o professor João Rodrigues falou ao Portal da importância da iniciativa de digitalizar e preservar em arquivos digitais dará 'imortalidade' as obras.
“O papel se rasga, a tinta some, os folhetos se acabam... o futuro é digital e mantém a arte viva por muito mais tempo. A Casa Rui Barbosa está dando uma imensa contribuição à Literatura de Cordel, e a nós, cordelistas”.
O professor tem trinta folhetins de cordéis e dois livros de poesias publicados que costuma vender em encontros poéticos. Seu primeiro contato com a cultura nordestina foi indo aos reisados e as cantorias de repentistas levado por seu pai. Neste ambiente, desenvolveu o gosto pela leitura e pelo cordel, na cidade do interior do Sertão do Ceará, Reriutaba. Rodrigues tem um blog chamado uruliterario é membro correspondente da Academia de Letras, Ciências e Artes de Ipu, cidade vizinha, além de participar de um programa de rádio “Sons da Literatura”, transmitido em Campo Grande, MS, onde professor João Rodrigues comenta sobre literatura de cordel e recita poemas.
O historiador Mario Brum considerou a ação da CRB providencial pelo fato imprescindível de preservar esse material, por própria composição do papel e pela característica de ser. A origem popular e a forma de venda o cordel, de modo disperso, e muitos acabam se perdendo pelo tempo, mas um outro modo de visão torna um exemplar da Literatura de Cordel acessível a um maior número de pessoas, por baratear sua produção. O Cordel, embora tenha raízes europeias tem no Brasil o seu maior mercado e popularidade por que muitos de seus autores são pessoas de origem mais humilde, e tratam muitas vezes de forma humorada, fatos e mazelas cotidianas do povo, trazendo uma forte crítica social para este gênero.
“Os contos de fada europeus são usados pelos historiadores para compreender o pensamento das classes mais pobres na Europa dos séculos XVII e XVIII, quando preservarmos a Literatura de Cordel, estamos tornando possível melhorar a compreensão do Brasil dos séculos XIX, XX e XXI", explica o historiador.
Uma dupla antiga: Repente e cordel, cordel e de Repente
Os repentistas não podem ser esquecidos, já que grande parte dos cordéis servem de inspiração e base para esses artistas. Miguel Bezerra anos é um autêntico repentista de raiz. Nascido no Ceará, foi ainda novo com para o Rio Grande Norte, na cidade de Serra do São Miguel. Começou a cantar aos 20 anos dividindo o Palco e a estrada com sua dupla Aguinaldo Santos nas apresentações.
Segundo Miguel, “Se nasce repentista ou cordelista com essa veia poética, vem de berço e sangue”, exalta. O pai, Cicero Lopes de Moura era cantador nos duelos e debates nos onde cresceu e aprendeu a arte da rima e poesia repentista. “O cordel se resume os nordestinos”, completa Miguel, que reside o Rio há 40 anos.
O repente apresenta várias modalidades como: sextilha, decassílabo, decimas oitavas, galope a beira mar, respondido e perguntado, usados conforme a situação ou pedido do público. Artistas consagrados da MPB e nordestinos de várias regiões beberam e bebem da fonte eterna da literatura de Cordel. “Vaca estrela e boi fubá” músicas de repentistas, foram utilizadas por Luiz Gonzaga e Fagner. Quem não lembra da clássica canção “Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor”, autentico decassílabo de Otacílio Batista imortalizado pela voz se Amelinha e Zé Ramalho.
Os repentistas estão na era digital, Miguel Bezerra e outros conterrâneos nordestinos tem um grupo WhatsApp intitulado - “Cangaceiros do repente”, e neste grupo trocam experiências, novos letrados e traços as canções. A maioria dos cordelistas são nordestinos que vieram o Rio de Janeiro. Miguel e Aguinaldo tem ido as escolas públicas e particulares, divulgar a arte repentista, se apresentam na Feira de São Cristóvão, Lonas culturais e onde se quiser que se faça cantoria de repente.
Mulheres abrem caminhos na Literatura de Cordel
Lugar de mulher também é no cordel. A presença feminina com o passar dos anos tem crescido e florescido no Sertão. Susana Morais, 38 anos, natural de Recife, poeta cordelista e bancária, na capital Pernambucana. Outro grande entusiasta da cultura pernambucana apresentou a Susana as técnicas da literatura de cordel. O responsável pela “Paixão a primeira lida” foi o pesquisador, passista de frevo, cordelista, José Honório, por volta do ano de 2004.
A apaixonada pelos cordéis revela que tem ainda tem muitas mulheres aparecendo neste cenário dos artistas do gênero do Cordel: Mariane Bigio, Angela Paiva, Érica Montenegro, Madalena Castro, Isabel Nascimento, entre outras.
No início era quase imperceptível a participação quando Susana Morais começou a escrever. Percebeu que poderia a fazer de forma diferente inserindo a mulher nesta literatura de forma a desmitificar o papel delas, dando voz e palavra a mulher, antes invisível.
“É de extrema importância a participação da mulher na literatura de cordel, comecei a tentar mudar um pouco o papel da mulher como personagem retratando a mulher do cotidiano, a valorizar todas as mulheres e seu “EU” poético feminino no ambiente predominante masculino” nos fala com entusiasmo. Susana tem um filho de 9 anos, João Luís Moraes que já escreveu 2 cordéis, “A importância do mangue” e “ O bebê da tia Mari”, respectivamente. A legado familiar está sendo passado, aliás é um traço característico a transmissão hereditária da do Cordel e outras manifestações da Cultura Nordestina.
O nosso país tem um vasto acervo cultural, de Leste a Oeste, contando a história do nosso povo e suas variadas ramificações. Defender e conservar o que é genuinamente nosso é salutar e nosso dever, mostrando a esta geração e outras gerações nossas raízes.