Das populações ribeirinhas que vivem na Amazônia aos habitantes das grandes metrópoles da Região Sudeste. Dos bebês recém-nascidos ainda na maternidade aos idosos que vivem em casas de repouso. Todas essas pessoas, assim como os mais de 207 milhões de brasileiros, têm acesso a vacinas gratuitas por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Uma das políticas públicas de maior importância e êxito do Brasil, o PNI está completando 50 anos neste mês de setembro. E com um desafio e tanto: recuperar as metas vacinais que já fizeram do nosso país um exemplo para o mundo - mas que há alguns anos andam abaixo do esperado.
Ouça no podcast do Eu, Rio! a entrevista da ministra da Saúde, Nísia Trindade, sobre o esforço para recolocar o Brasil no topo da vacinação, depois dos retrocessos nos últimos anos.
A Rádio Nacional e a Radioagência Nacional começam nesta segunda-feira (4) a veicular uma série de reportagens, feitas em parceria com a Agência Brasil, para contar a história da vacinação no Brasil e do PNI.
A série também vai explicar o que são as vacinas, como elas agem e porque são seguras e eficazes. E falar das consequências desastrosas da queda recente nos índices, e das iniciativas que tentam reconquistar para o Brasil o título de país das vacinas.
A gente começa com uma entrevista exclusiva com a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Antes de assumir o ministério, ela foi presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), liderando a instituição centenária – peça-chave da vacinação no Brasil – durante um dos seus momentos mais desafiadores: a pandemia de covid-19.
Tâmara Freire (Rádio Nacional): Ministra, quando assumiu a função, a senhora disse que tinha encontrado o Ministério desestruturado e o Programa Nacional de Imunizações sem força para coordenar a vacinação no Brasil. Qual é o diagnóstico agora?
Nísia Trindade (ministra da Saúde): Eu diria estamos recuperando esse protagonismo. Porque, especialmente durante o período da pandemia, em que houve tanta ação antivacina partindo, infelizmente, do próprio governo federal, estados e municípios partiram para encontrar suas soluções. Mas sabemos que um sistema de saúde universal, o maior do mundo, em um país com tantas desigualdades, só o Ministério da Saúde pode trabalhar nessa coordenação.
Tâmara Freire: Uma das primeiras medidas da sua gestão foi o lançamento do Movimento Nacional pela Vacinação. Nós já temos algum resultado?
Nísia Trindade: Conseguimos, em alguns estados, um aumento da cobertura vacinal, mas estamos justamente trabalhando para atingir patamares em que o Brasil já esteve, o que será algo progressivo. Nós definimos uma estratégia de um microplanejamento levando em conta as realidades locais. E diversificamos muito essas ações no território, iniciando muitas das ações na região Norte, como é o caso de mudança do calendário usual da vacinação para influenza. E agora o que nós estamos definindo como uma multivacinação com foco em crianças e adolescentes.
Tâmara Freire: Pode detalhar essas ações de microplanejamento?
Nísia Trindade: Consiste em uma ação nova do Ministério da Saúde, ainda que essa metodologia preconizada pela Organização Pan-Americana da Saúde também esteja acontecendo em outros países. Parte da destinação de recursos para essa finalidade - o Ministério da Saúde destinou R$ 151 milhões para apoio a essa ação - e da ida da nossa equipe técnica do Programa Nacional de Imunizações para trabalhar junto à atenção primária saúde, junto aos agentes comunitários de saúde, para que haja justamente uma sensibilização e, dessa maneira, ir levando a vacina junto à população de uma forma mais ativa, com foco no território, e não como algo uniforme para todo o Brasil.
Tâmara Freire: O sucesso da vacinação depende não só do envolvimento da população, mas também de uma grande interação entre as diversas áreas do sistema de saúde. Isso é um desafio no Brasil?
Nísia Trindade: O Sistema Único de Saúde é uma grande inovação, e colocou junto a vigilância, a atenção primária, a atenção especializada, toda a área de desenvolvimento tecnológico para insumo de saúde, mas manter tudo bem integrado é um desafio. Para isso, o PNI tem reunido os especialistas envolvidos para aprender, compartilhar e com foco em dar escala. Por isso destinamos um recurso para essa estratégia de multivacinação, que procura também integrar os bons resultados.
Mas a desestruturação do PNI foi muito grande no governo anterior. A desinformação, que normalmente chamamos de fake news. Todos esses são obstáculos que precisamos vencer para aumentar a cobertura. E levar a vacina perto de casa, olhando a realidade das famílias e integrando essas ações, como ações que envolvam saúde, educação e outras políticas também.
Tâmara Freire: Os índices de vacinação têm sido ainda menores entre alguns públicos específicos, como as gestantes e os adolescentes. Como melhorar isso?
Nísia Trindade: No caso das gestantes, isso combina com toda a retomada da estratégia da Rede Cegonha, que se volta exatamente para o pré-natal e a boa condição para o parto. E a vacinação é fundamental. Infelizmente vimos que, inclusive, o Brasil foi um país que teve mais mortes de gestantes por covid-19, o que seria algo absolutamente evitável. Então estamos trabalhando de uma maneira muito intensa em relação a esse grupo, com estratégias voltadas para um pré-natal de qualidade.
E em relação aos adolescentes, nós temos trabalhado com todo o calendário de vacinação nessa estratégia de multivacinação, e identificando também aquelas onde há mais resistência, que é, por exemplo, o caso da vacina para HPV. Por isso essa é uma das prioridades do programa Saúde na Escola, que nós retomamos agora na nossa gestão.
A questão dos adolescentes é muito importante o trabalho nas escolas. Em muitos municípios, tem ocorrido também a vacinação nas escolas, mas estamos buscando avançar para que a vacinação nas escolas seja uma realidade.
Tâmara Freire: Durante a pandemia nós vimos que o sistema de saúde precisou ficar quase totalmente dedicado aos pacientes de covid-19, o que afetou muito outras áreas. Isso também acontece com outras doenças infecciosas? Qual o prejuízo que a falta de vacinação causa ao sistema de saúde?
Nísia Trindade: O impacto no sistema de saúde mostra que a decisão de se vacinar não é uma decisão individual, é uma decisão de forte Impacto coletivo. E o que nós vemos, infelizmente, é que muitas pessoas confundem, distorcem o conceito de liberdade. Nós queremos o bem-estar das pessoas, mas a situação de adoecimento tem um impacto econômico enorme. Por isso é muito mais econômico prevenir do que remediar.
Tâmara Freire: O Ministério já está avaliando a inclusão da vacina contra a dengue no PNI?
Nísia Trindade: A Conitec, que é a comissão dedicada à incorporação tecnológica no SUS, tem trabalhado intensamente na análise das possibilidades de incorporação de novas vacinas ao Sistema Único de Saúde. E principalmente aquelas doenças que não têm ainda uma vacina incorporada, como é o caso da dengue. Elas são prioridade.
Tâmara Freire: Por causa da queda na vacinação, o sarampo voltou a circular no Brasil, com registros até mesmo de surtos da doença. Essa situação já foi controlada?
Nísia Trindade: Como surto, sim, mas como risco, não. Para redução do risco em relação a sarampo nós temos que alcançar a cobertura que o país já teve, 90% de cobertura. Os dados nos apontam, para este ano de 2023, uma cobertura próxima a 40%.
É importante dizer que nós temos também problema nesse registro de dados. Que é uma outra linha de atuação forte do ministério hoje, que criou inclusive uma Secretaria de Saúde Digital para o apoio à informação, que é essencial para que a gente possa planejar os próximos passos.
*Essa entrevista foi feita com a colaboração de Vinicius Lisboa, da Agência Brasil, e Oussama El Gaouri, da Rádio Nacional.
Fonte: Agência Brasil e Radioagência Nacional