Foi conversando sobre as histórias de família que as artistas Letícia Ambrósio e Nathalia Catarino descobriram um ponto em comum: seus avôs vieram de Pernambuco escondidos em um navio para o Rio de Janeiro e foram parar na Baixada Fluminense. O que era apenas uma coincidência entre elas, fez surgir o espetáculo Travessias Nordeste x Baixada, que costura histórias que começam em solos nordestinos e que se conectam ao cruzar o país por diferentes meios, ancorando na Baixada Fluminense suas esperanças de futuro.
A peça entra em cartaz no Teatro Sesc Tijuca e fica em temporada de 28 de setembro à 22 de outubro, de quinta a domingo, resgatando histórias que se repetem entre outras famílias que possuem parentes, tios e avós que vieram de estados do Nordeste em ônibus, paus-de-arara, carro de abacaxi e até mesmo esconderijos de navios, por diversas motivações, em busca de trabalho e melhores condições de vida. E que, ao se instalarem nessas cidades periféricas, foram constituindo uma nova identidade cultural, oriunda dessa mistura.
Para a atriz Letícia Ambrósio, o resgate dessas memórias cria identificação com o público: “Travessias é sobre gratidão aos nossos avós e bisavós, e também a tantas outras pessoas que, assim como eles, saíram de suas terras para virem construir o Sudeste, e mais especificamente, a Baixada Fluminense. Eu e Nathalia ouvimos e registramos muitas histórias doloridas durante esse processo de pesquisa, mas quase sempre os relatos de dor eram atravessados pelos de solidariedade e afeto, de gente que estendeu a mão pra construir futuro junto, mesmo quando também precisava lutar pelo básico do básico”, destaca.
O espetáculo é dirigido por Renata Tavares e entrelaça histórias de vida, compartilhadas em entrevistas feitas nas praças, feiras e quintais dos municípios de Belford Roxo e Duque de Caxias, cidades natais das atrizes. E assim, a partir da oralidade e da valorização da memória, reverenciam essas pessoas que não só vivem e viveram nesse território, como também ajudaram a construí-lo, material e imaterialmente: “Quando penso na encenação, minha cabeça tem a necessidade de atrair e representar pessoas com referências do passado e do futuro. Nessa peça há vida e muito suor”, reforça a atriz que foi premiada pela 33º edição do Prêmio Shell na categoria Melhor Direção.
O drama apresenta um ponto de vista empírico acerca da construção física e cultural da Baixada, valorizando a memória e a sabedoria popular, transpassada através da oralidade pelas gerações. Com duração de 75 minutos e classificação indicativa de 14 anos, a peça suscita o olhar e ouvidos do espectador sobre a importância da oralidade para manter viva a memória ancestral de comunidades periféricas e resguardar sua autenticidade, diante do apagamento da história.