A Operação Lume, visando cumprir dois mandados de prisão e 32 de busca e apreensão contra suspeitos da morte da vereadora Marielle Franco, teve que ser antecipada em um dia. O comando da Polícia Civil e o GAECO/MPRJ decidiram, ao notar o crescimento dos indícios de vazamento, antecipar as ações coordenadas de quarta (13), para terça-feira (12).
Coordenadora do GAECO, Simone Sibílio, destacou que Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz, alvos dos dois mandados de prisão, foram presos deixando as respectivas casas, por volta de quatro e meia da manhã, antes do nascer do sol e do horário em que habitualmente começam a viger ordens judiciais dessa natureza.
"Informalmente, Ronnie Lessa chegou a admitir ter sido avisado da operação," explica Simone. Outro indício de que Lessa sabia da prisão iminente e tentava a fuga seria ter sido encontrado com três celulares, todos no modo avião, para dificultar o rastreamento remoto.
O incidente cresce de importância diante do fato de que a Polícia Federal, por determinação da Procuradoria-Geral da República reforçada pelo então ministro da Segurança, Raul Jungmann, estar investigando em paralelo denúncias de um esquema na Polícia Civil para bloquear as investigações do assassinato. Delegados da Polícia Federal chegaram a arrolar o então chefe da Divisão de Homicídios, delegado Rivaldo Barbosa, e o próprio delegado titular, Giniton Lages, como operadores do esquema de encobrimento.
O inquérito da Polícia Federal deve ganhar força com a denúncia da advogada de uma testemunha de acusação, o ex-PM conhecido Ferreirinha, de que ele teria sido induzido a reforçar uma versão incriminando o miliciano Orlando de Curicica e o vereador do PHS Macelo Siciliano. O fracasso da Operação Intocáveis, que não conseguiu prender o miliciano Wellington Fernandes da Silva, o Ecko, e segue com outros alvos importantes em aberto, também reforçou a necessidade de uma investigação independente sobre o suposto esquema de impunidade atuante no Estado do Rio.
Policial militar reformado, Lessa está sendo denunciado pelo MPRJ como o executor de Marielle Franco. Para a definição, foi essencial o uso de tecnologias avançadas de análise de imagem, que permitiram identificar a compatibilidade do perfil muscular e do tipo físico do atirador com o registro das câmaras de segurança. Coordenadora de Segurança e Inteligência do MPRJ, Elisa Fraga explicou que a análise de luz e sombra, recurso usado no Caso Amarildo, permitiu concluir que o atirador estava no banco de trás do Cobalt, que não havia ocupante no banco do carona, à frente, e que o provável atirador teria entre 1,79 e 1,82.
Jornalistas presentes à coletiva lembraram informação divulgada anteriormente de que o braço que aparecia era de um homem negro, mas a coordenadora explicou que era um efeito das lentes e da baixa luminosidade, que acentuava o pigmento negro presente na tatuagem.
A informação que deu origem a essa linha de investigação surgiu em outubro do ano passado, seis meses e meio depois do crime. Uma testemunha informou um encontro no dia do crime com a presença de Ronnie Lessa, no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca.
Envolvimento em homicídios ligados à contravenção
A promotora de Justiça Letícia Émile Petriz explicou que a observação do trajeto do Cobalt usado no crime, no dia da execução, registrou uma parada no local. Com isso, foi possível comprovar a presença, segundo ela, de Ronnie Lessa no encontro apontado no depoimento de uma testemunha. Ela destacou que embora Lessa não tivesse sido formalmente acusado até o Caso Marielle, já figurava em investigações sobre homicídios ligados à contravenção.
O atentado que resultou na perda de uma perna, há dez anos, teria sido parte da guerra entre grupos rivais pelo controle das máquinas de vídeopôquer na Zona Oeste da cidade, em bairros como Bangu e Campo Grande. Élcio Queiroz, por sua vez, teria entrado nas investigações num segundo momento, quando as escutas telefônicas e monitoramento de internet, autorizadas por medidas cautelares, indicaram a proximidade com Ronnie Lessa.
Repórteres presentes à coletiva questionaram a demora na apresentação dos supostos executores e a ausência de provas materiais indiscutíveis sobre a participação dos dois acusados no crime. As representantes do Ministério Público, numa longa coletiva em que chamou a atenção o Procurador-Geral ter deixado todas as principais explicações por conta de uma equipe exclusivamente feminina, sustentaram que não havia influência da proximidade do aniversário do assassinato.
"Os indícios foram reunidos só agora, depois de um intenso trabalho técnico," argumentou a promotora de Justiça Simone Sibílio.
Coordenadora do GAECO e a que mais falou na coletiva, Simone Sibílio agradeceu a cooperação da Polícia Civil e da Justiça, repetiu as considerações sobre a natureza torpe e a motivação ligada ao ódio do executor às questões levantadas pela atuação de Marielle Franco, como os Direitos Humanos e o Combate ao Racismo, desfiadas pelo delegado Giniton Lages na coletiva anterior.
Como o titular das investigações, Sibílio e as colegas argumentaram que as investigações não estavam concluídas, e que não descartam nem confirmam motivações levantadas oficiosamente ao longo do inquérito, como os interesses imobiliários dos milicianos.
"Ronnie Lessa está sendo investigado pela suposta participação no Escritório do Crime (o grupo de matadores de aluguel composto por ex-policiais que atuaria em chacinas e acerto de contas entre grupos criminosos), era dono de uma academia em Rio das Pedras e não está nem de longe descartada a ligação dele com os milicianos da região de Jacarepaguá," concluiu.
A Operação Intocáveis, que mirava a força da milícia na Zona Oeste em áreas que iam da retirada ilegal de areia e pedras aos serviços clandestinos de telefone e TV a Cabo (Gatonet, na gíria carioca), surgiu como um subproduto das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, de acordo com a promotora, o que reforça a possibilidade de que a ordem do assassinato tenha partido de um grupo de milicianos, ligados ou não a partidos políticos.
"Entramos agora na segunda fase das investigações, de robustecer as provas e definir o que está em aberto, a existência de mandantes e a motivação exata do crime," explicou.
Como o delegado Giniton Lages, que enfatizou mais de uma vez o ódio que o acusado da execução nutria pela esquerda e suas causas, as promotoras enfraqueceram na prática a versão do governador Wilson Witzel, de que se estaria muito perto de prender os mandantes do crime. Mesmo assim, elas procuraram minimizar o fato de não haver representante do MPRJ na coletiva do Palácio Guanabara:
"Em todas as operações conjuntas até hoje, as coletivas são na Cidade da Polícias, no Centro Integrado de Comando e Controle ou na sede do Ministério Público, os locais que consideramos mais adequados para expressar esse trabalho conjunto," concluiu.