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Um em cada quatro brasileiros está na mira das câmeras de reconhecimento facial

Panóptico, do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania, alerta para ineficácia e viés racial do videomonitoramento

Por Portal Eu, Rio! em 13/12/2023 às 12:01:45

Tecnologias de reconhecimento facial e videomonitoramento espalharam-se rapidamente pelo Brasil, sem análise criteriosa de riscos e vieses. Foto: Agência Brasil

Cerca de 47,6 milhões de brasileiros estão potencialmente sob vigilância de câmeras de reconhecimento facial na segurança pública. Os números são do Panóptico, projeto do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC) que monitora a implementação de novas tecnologias nessa área. Os dados indicam que 23,44% da população do país está na mira dos 165 projetos de videomonitoramento com reconhecimento facial, seja em fase ativa ou de testes.

Além de cara, a tecnologia de reconhecimento facial, internacionalmente conhecida por seu viés racial, erra de maneira frequente na identificação de pessoas negras. Essas falhas podem resultar em violações de direitos e contribuir para o processo de encarceramento em massa. Casos como o ocorrido em Aracaju, em novembro deste ano, em que uma mulher foi erradamente identificada e detida pela polícia, ou no caso da mulher encaminhada à delegacia no Rio de Janeiro, em 2019, ao ser confundida com uma pessoa já presa, exemplificam os riscos do uso da tecnologia.

Ouça no podcast do Eu, Rio! o depoimento de Pablo Nunes, coordenador-geral do Panóptico/CESeC, sobre os riscos que cercam a rápida expansão dos sistemas de videomonitoramento para fins de segurança pública e privada.

Contradições de investimento também marcam a implementação dessa tecnologia no Brasil. Em Goiás, cidades sem infraestrutura e com baixa taxa de criminalidade têm recebido projetos e investimentos em videomonitoramento. O município Mimoso de Goiás é um exemplo polêmico de uso de reconhecimento facial. Com apenas 4 furtos em 2021 e baixa taxa de urbanização e esgotamento sanitário, a cidade recebeu recursos federais para implementação da tecnologia, conforme aponta pesquisa do Panóptico.

Apesar da argumentação a favor do emprego dessas câmeras como solução para a segurança pública, os efeitos prometidos na redução da violência não se concretizaram. De acordo com informações da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, no período entre 2018 e 2021, a taxa de criminalidade e os indicadores criminais permaneceram praticamente inalterados ou até mesmo registraram aumento em algumas regiões do estado. Nesse período, o número de homicídios aumentou de 1.122 para 1.255, enquanto os casos de estupro saltaram de 352 para 453. Além disso, as mortes decorrentes de intervenção policial cresceram de 790 para 1.010, conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A região Sudeste lidera o ranking da população vigiada, com 21,7 milhões de pessoas potencialmente sob as lentes do reconhecimento facial, representando 25,69% da população local. O coordenador geral do Panóptico, Pablo Nunes, alerta para os vieses raciais apontados nas pesquisas sobre a tecnologia e a prioridade discutíveis dos gastos com ssa forma de controle:

— É muito preocupante o avanço de tecnologias de reconhecimento facial no Brasil. Sabemos pela experiência internacional que essa tecnologia possui vieses que vulnerabilizam pessoas negras, especialmente mulheres. Como se não bastasse, essas tecnologias caras e perigosas têm sido compradas por governos que não conseguem prover os mais básicos direitos à população — explica o cientista político.

Em segundo lugar no ranking, o Nordeste apresenta uma população potencialmente vigiada de 14,1 milhões de pessoas, correspondendo a 25,86% da população nordestina. Entre os estados brasileiros com dados disponíveis sobre os custos de implementação, a Bahia aparece em primeiro lugar. O governo baiano destinou 728 milhões de reais para implementar e expandir a tecnologia. Até 6 de dezembro de 2023, foram presas 1.213 pessoas com uso de câmeras de reconhecimento facial no estado, com um custo de R$600.164,88 por pessoa presa.

O Centro-Oeste tem o terceiro maior percentual da população potencialmente vigiada, com 24,38% de seus habitantes expostos ao reconhecimento facial e concentra 42,42% dos projetos do país. Goiás lidera o ranking nacional de estados com projetos ativos, somando 64. A expansão descentralizada do reconhecimento facial na segurança pública goiana ocorreu com o protagonismo dos municípios na adoção dessas tecnologias, conforme mostrado pela pesquisa lançada pelo Panóptico no início deste ano.

— O que temos observado através do monitoramento é uma dispersão do uso de tecnologia de reconhecimento facial por todo o país sem nenhuma forma de regulação. A descentralização do uso de reconhecimento facial para fins de segurança pública, com a aquisição por diversos municípios, acende um alerta sobre um possível processo de desresponsabilização do uso dessa tecnologia como política pública de segurança. A pergunta que ecoa quando observamos a multiplicação dos projetos é: qual é o objetivo dessa política? Para quem está sendo desenhada? O que já sabemos é que ela é uma política que não tem se mostrado eficiente e pode automatizar assimetrias sociais e práticas discriminatórias — comenta a coordenadora de pesquisa do Panóptico Thallita Lima.

A pesquisa se baseia em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, dos Diários Oficiais, informações da imprensa e redes sociais. Além disso, o novo site Panóptico, lançado hoje, permite que qualquer cidadão colabore com nosso monitoramento, através de um formulário que recolhe informações sobre suspeitas de monitoramento biométrico em sua região. Essas informações serão checadas pela equipe de pesquisa e nos auxiliará na produção de dados.

Panóptico instala site com mapa interativo e banco de dados aberto

O Panóptico é um monitor de novas tecnologias na segurança pública brasileira que tem como objetivo revelar casos de adoção em estados e municípios do país. Desde 2019, o CESeC acompanha os efeitos do uso do reconhecimento facial pelas polícias e revelou que 90% das pessoas presas com uso dessa tecnologia são negras. O Panóptico também busca conscientizar sobre os riscos do reconhecimento facial e seus vieses, especialmente para a população negra.

O Panóptico monitora projetos de entes governamentais ou privados que compartilham dados para fins de segurança pública. Isso inclui a observação de iniciativas que realizam testes, compram ou recebem doações de tecnologias de reconhecimento facial.

O objetivo é compreender a variedade de aplicações dessas tecnologias no país, incluindo projetos na área de segurança pública, sistema educacional e em estádios, que podem operar simultaneamente ou ser descontinuados. Através desse acompanhamento, o Panóptico identifica padrões de uso e realiza avaliações críticas sobre essas políticas públicas. Os dados estão disponíveis no novo site do Panóptico, com mapa interativo e banco de dados aberto.


Por Portal Eu, Rio!

Fonte: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania

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