Aos 22 anos, Poliana Carvalho está pronta para dar continuidade ao maior desafio de sua carreira artística. Afinal, no monólogo "Anne Frank - A voz que tem memória", essa atriz paulistana radicada no Rio visitou todos os campos de concentração e entrevistou personagens fundamentais da personagem. Como se sabe, a personagem em questão era uma adolescente judia de 13 anos que, ao lado da família, foi forçada a se esconder do regime nazista. Em seu diário, ela narra observações, descreve sentimentos e produz um dos documentos mais importantes em favor da liberdade humana. A peça será apresentada no Teatro Fashion Mall, em São Conrado, nos dias 12 e 19 de janeiro.
Foi Poliana quem teve a ideia do espetáculo. "Sempre estudei muito sobre o Holocausto e, em determinado momento, me deparei com a história de Anne. Na época, eu fazia um curso de teatro com o diretor Leonardo Talarico Marins, que sempre incentivou os alunos a buscarem 'projetos de vida', onde nos dedicássemos a todas as etapas necessárias. Eu tinha 14 anos, mesma idade em que Anne se dedicou a escrever diário, antes de ser descoberta pelos nazistas, pouco antes do final da guerra. Então, comecei a estudar para elaborar a ideia do espetáculo, apresentei ao Leonardo e o convidei para conduzir o projeto comigo. Pedi para minha família toda juntar esforços para que eu pudesse ir até o esconderijo de Anne Frank, na Holanda, para aprofundar meus estudos. Depois dessa viagem, também fui à Polônia com a mesma intenção", explica.
Ter visitado o Campo de Concentração de Auschwitz foi o que mais a marcou na viagem à Polônia:
"É difícil absorver a quantidade de histórias presentes naquele lugar. A visita é gratuita, uma maneira de democratizar o acesso a esse conhecimento. É impossível chegar e sair dessa visita do mesmo jeito. Eu já estudava sobre o Holocausto há alguns anos quando fui para a Polônia. Mesmo assim, sinto que descobri uma nova dimensão de compreensão da questão. Pensar que aquele lugar extenso, de perder de vista, foi construído para servir aos propósitos mais cruéis da história é uma jornada que deveria ser conhecida por todos. Conhecer o passado para não permitir que ele se repita", observa Poliana.
A atriz começou a carreira aos oito anos de uma maneira curiosa: ao se inscrever num curso de desfile/passarela, era preciso também se matricular no de teatro.
"Eu era muito tímida, a ponto de não conseguir conversar com pessoas que eu não conhecia. Então, qualquer atividade que envolvesse falar em público era um terror. Mas era obrigatório, então fui. Os primeiros dias foram horríveis", recorda-se Poliana.
Mudança para o Rio em 2013
Motivada pela paixão pelo teatro, a intérprete de Anne Frank trocou São Paulo pelo Rio em 2013. Nesse mesmo ano, se matriculou no CEL Intercultural School, onde estudou até se formar na 3ª Série do Ensino Médio, em 2019, quando também foi aprovada no curso de Engenharia de Produção no CEFET/RJ.
"O CEL faz parte de várias escolhas que fiz durante a vida. Quando me mudei para o Rio, foi o primeiro lugar onde conheci novas pessoas, fiz amizades que trago até hoje e pretendo levar para a vida. O que eu mais recordo do CEL são as pessoas e o acolhimento que recebia. Professores capacitados e muito cuidadosos, equipe extremamente carinhosa, uma coordenação incrível e preocupada. Sou muito grata pelo meu período e pela minha formação no colégio", conta.
O monólogo, embora seja inspirado em fatos ocorridos na década de 1940, tem muito da realidade de hoje em dia. E Poliana ressalta a relevância da história de Anne:
"Ela é importante de diversas maneiras simbólicas e, infelizmente, tão atuais. Ela foi vítima da maior crueldade da história da humanidade. Como todas as garotas de sua idade, vivia descobertas na sua família, na sua escola, no seu corpo e etc. Era ambiciosa, sonhava em tornar-se escritora. Porém, foi obrigada a viver tudo isso no pior dos contextos. Perseguida por ser judia, escondida do mundo enquanto pôde, até ser levada, junto de sua família e outros conhecidos que também se escondiam, aos campos de concentração nazistas. Oito pessoas foram tiradas do esconderijo em agosto de 1944, apenas uma retornou, o pai de Anne. É triste dizer que falar sobre o assunto torna-se cada vez mais necessário e ainda é muito atual. O espetáculo é uma maneira de perpetuar a voz de Anne Frank, com todo o respeito e simbolismo que a história dela e de tantas outras vítimas, do passado ou do presente, merecem", ressalta.
Esta é a segunda vez que Poliana apresenta o monólogo. A estreia aconteceu em outubro de 2023, com casa lotada nas 11 apresentações no Cine Teatro MMK.
Segundo Poliana, viver de arte no Brasil é realizar o que parece impossível e receber em troca o que nem se imagina. O monólogo sobre Anne Frank é um bom exemplo disso. "O projeto, enquanto ideia, nasceu em 2016 e, desde então, foram inúmeras tentativas e caminhos para construí-lo. Por vezes pareceu impossível. A maneira como eu fui transformada, como eu cresci profissionalmente e como ser humano e a sensação de perceber cada ser humano que vem sendo impactado pelas nossas mãos, é infinitamente melhor do que imaginei em cada dia desses anos de esforço e trabalho. Então, a certeza que temos é que teatro (ou qualquer outra arte) vai exigir de cada ator, diretor, produtor, roteirista e etc tudo que estiver disponível para ser entregue e tudo vai valer a pena", finaliza.