“É um diálogo sobre as múltiplas violências direcionadas às mulheres em suas diferentes faixas etárias. Para tornar esse diálogo mais atraente e de fácil compreensão, resolvi trazer as experiências das “Marias do Brasil” e através da experiência de cada uma delas, resgatar inspiração e maneiras diferentes de como as mulheres de hoje podem enfrentar a dominação masculina e escaparem das ciladas machistas”. Assim define a psicóloga e escritora Dayse Marcello seu livro, “De Maria Bonita à Maria da Penha: desventuras das Marias do Brasil”, lançado em 2022. O Portal Eu, Rio! fez duas perguntas à autora sobre sua obra.
Portal Eu, Rio!: O que você quer mostrar o livro?
Dayse Marcello: O que mais me impressiona ainda é a constatação de que a sociedade ainda mantém influências sutis para manutenção da objetificação da mulher. Um exemplo disso é a música 'Maria Chiquinha', uma canção infantil que foi um sucesso estrondoso entre o final da década de 1980 e início da década de 1990 (cantada pela dupla Sandy e Júnior). A música narra uma história de um casal onde o homem (Genaro) é ciumento e diz que se encontrar a mulher (Maria Chiquinha) com outro vai matá-la cortando-lhe a cabeça e 'aproveitar o resto do corpo'. Infelizmente essa música, que foi sucesso nacional e internacional, não foi a única a ajudar criar uma geração de 'Genaros e Marias Chiquinhas'. Existem centenas delas. Precisamos observar as influências aparentemente sutis que mantém a banalização da objetificação da mulher. Na mídia, nos filmes pornôs, nas músicas, nas telenovelas e muitas das vezes em obras literárias também. Tem um capítulo inteiro do livro dedicado a essa reflexão”, explica a autora.
PER: Como você avalia a legislação específica que se pretende prevenir atos violentos contra as mulheres? O que é avanço e o que ainda precisa ser feito?
DM: À época de Maria Bonita, o Código Civil (1930) preconizava que a mulher era propriedade do homem. Isso formou uma geração de 'Marias' submissas. Cada uma, a seu modo, reagiu de uma maneira. Maria Bonita, por exemplo, separou-se do marido, desrespeitando o Código Civil, mas se uniu a um justiceiro, cangaceiro, para não sofrer retaliação. Outras não tiveram a mesma sorte: morreram ou mataram seus maridos abusadores. A legislação é necessária. A Lei Maria da Penha é um ouro que precisamos preservar. Existem falhas no cumprimento dela, porque a política que executa a tei tem suas falhas historicamente reconhecidas. Mas não podemos desqualificar a lei. Eu tenho a esperança que tenhamos uma geração de 'Marias' vivas, separadas e protegidas pela Lei Maria da Penha. Mulheres que não irão precisar pegar em armas para se livrarem de um relacionamento abusivo. Isso é um avanço considerável.