O Ministério Público Federal (MPF) no Espírito Santo entrou com recurso no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) com intuito de garantir que seja concedida liminar impedindo as comemorações públicas oficiais das Forças Armadas relacionadas ao golpe de 1964 no Estado.
Conforme veiculado pela imprensa, o 38º Batalhão de Infantaria do Exército confirmou programação especial neste domingo (31), com formatura e palestra. Para o MPF/ES, a determinação da Presidência da República e a realização de qualquer evento alusivo ao golpe de 64 violam, frontalmente, a Constituição Federal de 88, bem como preceitos de direitos humanos constantes de tratados internacionais e decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Na manhã de sábado (30), a Justiça Federal da 1ª Região revogou a liminar concedida na noite de sexta (29) pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara da Justiça Federal em Brasília, que proibia o governo de comemorar golpe de 64.
O recurso do MPF/ES foi protocolado às 16h49 de sábado (30), no plantão do TRF2.
Comemoração contraria ordem democrática vigente e princípios da Constituição de 1988
No essencial, os termos do recurso reproduzem os termos e argumentações da liminar da juíza Ivani da Silva Luz, que por sua vez acolhe termos da Defensoria Pública da União, em defesa da ordem democrática e alertando para o risco de improbidade administrativa e crime de responsabilidade, caso mantidas as comemorações do golpe de 64 e o uso de recursos públicos para esse fim:
"É cediço que a Constituição Federal de 1988 consagrou a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, baseado na soberania popular e com eleições livres e periódicas. Sabe-se, outrossim, que a aplicação do princípio democrático não se resume a eleições periódicas, mas rege o exercício de todo poder, o qual, nos termos da Constituição, emana do povo (art. 1º, parágrafo único, da CF/88). Além disso, a República Federativa do Brasil tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político e se rege em suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 1º, I, III e VI, e 4º,II).
Esse contexto principiológico, por si, seria suficiente para inibir a realização de solenidades ou comemorações alusivas a exaltações da data de 31 de março de 1964. Não é preciso se estender nas discussões acerca do tema de que o golpe representou uma ruptura constitucional e instaurou um regime político com sucessivos governos militares, que além de cessar a prática de eleições periódicas, atentar contra a liberdade de expressão e de pensamento, extinguir o direito de reunião, retirar liberdades constitucionais, efetivamente cometeu atos contrários à dignidade humana.
Defender esse regime ditatorial, sob qualquer pretexto, também viola a ordem constitucional vigente. A Constituição Federal de 1988 restabeleceu a democracia e encerrou as práticas excepcionais conhecidas entre 1º de abril de 1964 e 15 de março de 1985. Nesse período, o país foi presidido por governos militares, com supressão das eleições diretas e dos direitos decorrentes do regime democrático.
A homenagem e apologia desse fato histórico por servidores civis e militares contraria a liberdade de expressão e de imprensa, violando de forma drástica a Constituição Federal.
Ademais, não se pode esquecer que crimes gravíssimos, incluindo perseguições, humilhações, tortura e morte ocorreram durante os anos dos governos militares. A Constituição Federal, de outra parte, repudia o crime de tortura, que é crime inafiançável, estabelecendo ainda ser crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, III e XLIII).
A própria Constituição, no art. 8º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com o propósito de prestar contas com o passado, reconheceu expressamente a prática de atos de exceção pelo Estado brasileiro no período de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da Constituição Federal de 1988, no mesmo sentido, o art. 9° da ADCT se refere expressamente à cassação e suspensão de direitos políticos no entre 15 de julho a 31 de dezembro de 1969," exemplifica a petição.