A Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, por 35 votos a 14, aprovou a abertura de um processo de impeachment contra o prefeito Marcelo Crivella, o quinto a ser apresentado desde o início do mandato. A votação aconteceu dias depois de o plenário rejeitar por apenas um voto de diferença uma mudança na Lei Orgânica do Município para que a escolha do novo prefeito, em caso de impeachment faltando menos de dois anos para o fim do mandato original, ocorra por via indireta. A discussão cresce de importância porque o vice de Crivella, o engenheiro Fernando McDowell, morreu ano passado. Assim, a lei determina a escolha de um novo titular para o Palácio da Cidade, embora seja omissa quanto ao método.
O presidente da Câmara do Rio, vereador Jorge Felippe (MDB), ficou impedido de votar por ser o primeiro na linha sucessória.Na mesma seção, foram sorteados três nomes para a Comissão Processante: o vereador Willian Coelho (MDB), que recebeu a presidência da comissão, o vereador Luiz Carlos Ramos Filho (Podemos), relator, e o vereador Paulo Messina (Pros). Chefe da Casa Civil, Messina licenciou-se do cargo e reassumiu a cadeira na Câmara para coordenar a defesa de Crivella, de acordo com as palavras dele.
Os parlamentares deverão iniciar os trabalhos dentro de cinco dias e o processo tem até 90 dias para ser concluído, a partir da data da notificação do prefeito. O prefeito exerce normalmente as suas funções durante o andamento do processo. Assim que o trabalho da comissão estiver concluído, a matéria terá preferência sobre os demais temas para votação. A perda do mandato do prefeito depende do voto favorável de dois terços dos membros da Câmara Municipal.
A abertura do processo de impeachment tomou por base o pedido encaminhado na segunda-feira pelo Auditor Fiscal da Secretaria Municipal de Fazenda da Prefeitura do Rio, Fernando Lyra Reys. O auditor fiscal denuncia o prefeito do Rio por suposto envolvimento no crime de responsabilidade por conta da renovação de contratos de mobiliários urbanos que envolve a instalação e a manutenção de relógios com termômetros e abrigos de pontos de ônibus. O contrato foi assinado, em dezembro de 2018, pelo prefeito e favoreceria as empresas OOH Clear Channel e JCDecaux. O pedido foi publicado no Diário Oficial do Município e analisado pelo presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB).
Na última quinta-feira (29/3), um outro pedido de impeachment foi feito pelo advogado Pablo Filipe de Andrade que acusava Crivella por supostas irregularidades na compra de um terreno da Caixa Econômica federal, em Rio das Pedras. O pedido foi rejeitado pelo presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB), que alegou não ser crime de responsabilidade e que não tinha fundamentação jurídica.
Messina admite necessidade urgente de reorganização da base parlamentar da prefeitura, mas alerta: 'Não é trabalho para um único dia'
O ex-chefe da Casa Civil procurou mostrar-se cauteloso ao comentar o desafio representado pela abertura do processo de impeachment contra o prefeito que representa. "Ficou claro que é preciso reagrupar a base do governo, mas isso está bem longe de se tarefa para um único dia. Nem vim a Câmara para ficar um dia só. Antes de ser nomeado secretário, eu fui eleito vereador," enfatizou. Messina prometeu fazer, com o 'respaldo legítimo conferido pelas urnas', voltar à casa para o trabalho que fez em 2017, de costura dos apoiadores de Crivella.
Sobre as críticas da oposição à presença dele na Comissão Processante, Messina procurou minimizar: "Qualquer vereador pode integrar o rito, é o que diz a Lei Orgânica,seja de Oposição ou Situação. O que posso garantir é que vamos investigar como uma CPI, convocando quem tivermos de convocar". A votação expressiva também foi relativizada:"Não foi a primeira derrota. Já tivemos o revés do Orçamento Impositivo, que foi aprovado por 30 votos, e houve muito mais energia do Governo para tentar impedir do que agora, pois deixaria o prefeito sem margem de manobra para remanejar gastos,"argumentou.
Messina atribuiu a prorrogação do contrato do mobiliário urbano a uma decisão de uma funcionária em cargo de confiança, Maria Elisa, que terá de esclarecer diante da Comissão os critérios adotados. "O que não cabe é afastar um prefeito eleito com 1 milhão e setecentos mil votos por um erro de uma funcionária, se houver, uma falha de rotina administrativa," concluiu, ao ser perguntado sobre a procedência da denúncia.
O vereador Reimont Ottoni, do PT, argumentou por sua vez que a CPI do Sisreg (Sistema de Regulação de cirurgias e exames de maior complexidade) ainda está em seu início, e pode resultar em investigações tão ou mais reveladoras que as da Comissão Processante. Reimont sustenta ainda que a denúncia que dá origem ao pedido de impeachment está loNge de ser uma questão menor, pois envolve o mobiliário urbano, que é outdoor, ponto de ônibus, o que pode render um espaço publicitário da ordem de R$ 500 milhões anuais. Um valor enorme para uma licitação atropelada, esse é um pedido consistente. Acredito que existam outros para chegar, costumo dizer que vem aí a bala de prata," comparou.
A permanência de Crivella no posto será a principal, mas não a única batalha aberta pelo processo de impeachment. O acordo quanto à provável admissibilidade do afastamento não se repete quanto à escolha do sucessor. Semana passada, 33 vereadores, apenas um a menos que os dois terços necessários, votaram por uma eleição indireta, que deixaria na mão da Casa, de 51 vereadores, a escolha do sucessor de Crivella. O PSOL, partido do candidato derrotado por Crivella no segundo turno, o hoje deputado federal Marcelo Freixo, divulgou uma nota que tratava os vereadores envolvidos na manobra em termos tão ou mais duros do que os dedicados ao prefeito:
"DERROTAR CRIVELLA SEM TIRAR DO POVO O DIREITO AO VOTO
Marcelo Crivella é um péssimo prefeito. Não teve competência para resolver a crise na saúde, não preparou a cidade para as chuvas de verão, se rendeu aos interesses da máfia dos ônibus, aumentou o caos na educação pública, deixou a cidade largada e ainda aumentou a injustiça na cobrança de IPTU.
Desde o ano passado, se multiplicam as denúncias de nepotismo, improbidade e mau uso dos recursos públicos que resultaram em dois pedidos de impeachment que, apesar de terem sido apoiados pela bancada do PSOL, foram rejeitados pela maioria da Câmara.
Esta semana, a mesma maioria que impediu a abertura de investigações em 2018 tentou mudar a legislação para tornar indireta a escolha do sucessor de Crivella no caso de ele ser cassado. Ou seja, aqueles vereadores que até ontem eram da base do governo, agora aceitam derrubar o prefeito, mas apenas se eles mesmos controlarem a sucessão, retirando do povo o direito de votar. Foi contra essa manobra que a bancada do PSOL votou.
Reflita com a gente: por que a maioria destes 33 vereadores quer mudar a Lei Orgânica e tornar indireta a eleição do sucessor de Crivella em caso de impeachment? Nossa avaliação é que eles não querem melhorar a cidade, mas apenas melhorar as condições para que seus interesses e privilégios sejam mantidos. E você? Prefere votar diretamente ou deixar nas mãos dos 51 vereadores a escolha do novo prefeito em caso de impeachment? Para a bancada do PSOL, o povo deve decidir!
Tudo indica que, ao longo desta semana, chegarão à Câmara novos pedidos de impeachment do atual prefeito. Caso tenham o mínimo de materialidade, terão o apoio da nossa bancada. Crivella não tem mais condições de administrar o Rio de Janeiro. Mas, a saída dessa crise passa pelo fortalecimento da democracia e não pelo enfraquecimento da soberania popular.
Se Crivella cair, diretas já!
Bancada do PSOL Carioca