A possibilidade de o Brasil regular a produção, comercialização, fiscalização e propaganda dos cigarros eletrônicos recebeu apoios e críticas de especialistas na última terça-feira (21), em audiência pública conjunta das Comissões de Assuntos Sociais (CAS), de Assuntos Econômicos (CAE) e de Fiscalização e Controle (CTFC).
O PL 5.008/2023, da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), aguarda votação na CAE, onde é relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO). Soraya mostrou vários aparelhos diferentes de fumo eletrônico, com diversos formatos, além de óleos e outros produtos com sabores e cheiros diversos. Ela disse que qualquer pessoa pode comprar esses produtos em camelôs ou pela internet. Para a senadora, a regulamentação servirá para controlar a produção, o comércio e a propaganda do fumo eletrônico e evitar que sejam direcionados para crianças e adolescentes.
— A Alemanha, por exemplo, já fez uma exigência para a indústria de que os dispositivos eletrônicos sejam desenvolvidos com senha ou com digital, para que crianças não tenham acesso — disse Soraya.
A diretora da organização Aliança de Controle do Tabagismo (ACT), Mônica Andreis, posicionou-se contrária à aprovação do projeto e registrou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu os cigarros eletrônicos no Brasil em 2009, renovando essa proibição em 2024. Ela disse que o uso de cigarro eletrônico aumenta os riscos de doenças cardiovasculares e pode causar graves sequelas nos pulmões. Mônica afirmou ainda que os cigarros eletrônicos são viciantes e atraem principalmente os jovens. A diretora defendeu o uso de campanhas e ações de educação e de informação sobre os males causados por esses produtos.
— São produtos sabidamente viciantes, nocivos à saúde e que, por suas características de design, de tecnologia e sabores, atraem principalmente o público jovem, na maior parte nunca fumantes.
No mesmo sentido, a cardiologista Jaqueline Scholz, especialista em tratamento de tabagismo, disse que o tabagismo eletrônico causa os mesmos males do tabagismo tradicional, mas de maneira mais rápida e mais intensa. Ela relatou que pacientes de idades variadas que usam cigarros eletrônicos apresentam nível de nicotina no sangue similar a quem fuma 20 cigarros tradicionais por dia. Jaqueline afirmou que esses dispositivos causam dependência mais rapidamente que o cigarro tradicional e avaliou que, se houver regulação, haverá aumento do consumo.
A favor da regulamentação, a farmacêutica Alessandra Bastos Soares disse que mais de 3 milhões de pessoas já usam cigarros eletrônicos ou vaporizadores no Brasil, mesmo com o comércio desses produtos sendo proibido. Para ela, é necessário que o país aprove uma regulamentação para que o poder público possa criar regras e monitorar o fenômeno, como já fizeram o Canadá e o Reino Unido, por exemplo. Ex-diretora da Anvisa, Alessandra defendeu uma regulação equilibrada com ênfase em campanhas educativas que mostrem os males causados pelo fumo.
— São mais de 80 países que têm regra para este tema — disse Alessandra.
Também favorável à regulamentação, Alexandro Lucian disse que fumou cigarros normais durante 15 anos e que só conseguiu largar o vício de três maços diários após substituir por cigarro eletrônico. Ele disse que está agora há nove anos sem fumar cigarros tradicionais e que sua saúde está muito melhor, mesmo sendo usuário de cigarro eletrônico. Para Lucian, esses dispositivos são instrumentos eficazes para quem quer parar de fumar e vencer o vício em tabagismo.
O médico Dirceu Barbano, ex-presidente da Anvisa, também argumentou a favor da regulamentação dos cigarros eletrônicos para que o país possa disciplinar a venda e a propaganda, diminuindo a exposição do produto e fornecendo ações de educação e informação contra o uso de tabaco. Em sua opinião, a proibição total foi eficaz na primeira década após 2009, mas nos últimos cinco anos, não mais, pois o consumo aumentou muito no período.
— Sabemos que não há padrões seguros de consumo. A medida regulatória tem que ter um objetivo claro, que é reduzir a exposição e reduzir a possibilidade de vício — disse Dirceu.
Já a médica Stella Regina Martins, do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, defendeu a manutenção da proibição dos cigarros eletrônicos no Brasil. Especialista em dependência química, ela disse que os vaporizadores, ou vapes, são uma nova forma de consumo de nicotina, porém mais potente e intensa, que também aumentam os riscos de a pessoa ter infarto, acidente vascular cerebral (AVC) ou doença pulmonar obstrutiva crônica, por exemplo.
O especialista em regulação e vigilância sanitária da Anvisa André Luiz Oliveira da Silva disse que a agência reguladora optou pela proibição dos cigarros eletrônicos por entender que são produtos que comprovadamente causam muitos males à saúde dos usuários, principalmente crianças e adolescentes. Segundo ele, diversas entidades apoiam a decisão da Anvisa de proibir os cigarros eletrônicos. Entre elas, o Ministério da Saúde, o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a Associação Médica Brasileira, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Sociedade Brasileira de Pediatria, entre outras.
Também participaram do debate o médico Jorge Alberto Costa e Silva; o representante da Associação Brasileira da Indústria do Fumo, Lauro Anhezini Junior; o médico Paulo César Corrêa, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; Alcindo Cerci Neto, do Conselho Federal de Medicina; a toxicologista Ingrid Dragan Taricano; o promotor de Justiça Guilherme Athayde Ribeiro Franco; a procuradora Élida Graziane Pinto; e o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Roberto Gil, entre outros.
Também debateram os senadores Dr. Hiran (PP-RR), Eduardo Girão (Novo-CE), Zenaide Maia (PSD-RN) e Rodrigo Cunha (Podemos-AL), entre outros.
Rodrigo Cunha apoiou a regulamentação dos cigarros eletrônicos como forma de o país controlar o produto e dar mais segurança para os dependentes saberem o que estão consumindo. Ele disse que o cigarro tradicional e o eletrônico fazem mal à saúde, assim como a bebida alcoólica e os refrigerantes. Para ele, a proibição da Anvisa não deu certo, pois milhares de brasileiros estão fumando cigarros eletrônicos.
— Com certeza, a forma de diminuir toda esta situação que já existe hoje no país é regulamentando a publicidade, a comercialização, a distribuição — disse Rodrigo Cunha.
Zenaide afirmou ser contra a legalização dos cigarros eletrônicos no Brasil.
— Na hora que se legaliza, se facilita — avaliou a senadora, que é médica.
O PL 5.008/2023 propõe regras para regular a produção, comercialização, fiscalização e propaganda dos dos dispositivos eletrônicos para fumar cigarros, conhecidos como cigarros eletrônicos. No Brasil, a regulamentação dos produtos fumígenos está sob responsabilidade da Anvisa que, desde 2009, por meio da Resolução 46, proíbe a comercialização, a importação e a propaganda desses produtos.
Entre uma série de exigências para a permissão da fabricação, importação, exportação e comercialização do produto, estão: a obrigatoriedade do registro na Anvisa; cadastro na Receita Federal dos produtos fabricados, importados ou exportados, de acordo com regulamentação própria; e cadastro no Inmetro, que terá de regulamentar regras apropriadas para definir os critérios não sanitários de funcionamento do produto, como segurança no carregamento elétrico e especificações da bateria.
Ainda conforme o texto, será obrigatória a apresentação de laudo de avaliação toxicológica do cigarro eletrônico para o registro na Anvisa. O órgão avaliará informações como os aditivos e materiais utilizados no equipamento. A Anvisa terá que considerar ainda a comparação toxicológica entre o cigarro eletrônico e o cigarro convencional e, de forma objetiva e no cômputo total dos indicadores, avaliar se o cigarro eletrônico oferece risco inerente à saúde, “igual ou menor que o risco inerente ao consumo de cigarro convencional”. Para isso, será utilizado como parâmetro comparativo as avaliações de emissões de substâncias tóxicas exigidas para registro de cigarros convencionais no órgão.
Na justificação do projeto, Soraya argumenta que, apesar de proibido no Brasil desde 2009, o comércio de cigarros eletrônicos é uma realidade. Ela cita Pesquisa Nacional de Saúde (2019) segundo a qual 16,8% dos adolescentes, a partir de 13 anos, já experimentaram. Os dados mostram ainda que 70% dos usuários têm entre 15 e 24 anos. Outro levantamento do Sistema Vigitel (2023), do Ministério da Saúde, concluiu que o uso entre adultos com mais de 24 anos de idade é 75% inferior, quando comparado com pessoas de 18 a 24 anos.
“A crescente utilização dos cigarros eletrônicos tem acontecido à revelia de qualquer regulamentação. Do ponto de vista da saúde, não há controle sanitário sobre os produtos comercializados e as embalagens não apresentam advertências ou alertas sobre os riscos de sua utilização. Além disso, a indústria tem lançado mão de estratégias veladas de propaganda, como o uso de influencers e de postagens em redes sociais, para disseminar seu uso. Do ponto de vista econômico, a importação e a comercialização dos DEF são realizadas à margem do sistema tributário, com elevadas perdas de arrecadação”, diz a senadora.
Fonte: Agência Senado