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Extinção do Conade seria retrocesso para direitos das pessoas com deficiência

Advogada alerta para a necessidade de evitar o atraso na Educação Inclusiva

Por Cezar Faccioli em 23/04/2019 às 19:26:15

Claudia Grabois vê com apreensão a possível extinção do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Com Deficiência. Foto: Reprodução

Advogada, presidente da comissão da Pessoa com deficiência do IBDFAM e vice-presidente da Associação de Direito à Educação - seccional Rio de Janeiro, Claudia Grabois, vê com apreensão a possível extinção do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Com Deficiência (Conade). Para ela, a participação social na formulação e controle das políticas de Educação , Saúde e demais direitos fundamentais é uma das marcas da Constituição de 1988.

Não está em questão, para a advogada, a existência das associações e entidades da sociedade civil, entre as quais as que defendem os direitos das pessoas com deficiência. Só que o fim do Conade representaria a perda de uma aglutinação que aproxime as diferentes iniciativas, aumentando o risco de dispersão.

Responsável pela sustentação oral, junto ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1357, que obrigou as escolas particulares a acolherem, com os técnicos e equipamentos necessários, os alunos com deficiência, Claudia Grabois alerta para a necessidade de evitar retrocessos na Educação Inclusiva, base para a futura participação em bases igualitárias das pessoas com deficiência no mercado de trabalho e das expressões de cidadania ativa:

"Foram anos de caminhada para que as pessoas com deficiência passassem a ter um pouco mais de visibilidade e isso não pode ser perdido pelo isolamento, mesmo que inicialmente para muitos pareça mais confortável. Não podemos nos esquivar de assegurar direitos às famílias compostas por pessoas com e sem deficiência, para todas as famílias. Se a sociedade civil não pode se esquivar, o Estado não deve", conclui.

O presidente Jair Bolsonaro extinguiu 35 órgãos federais. Entre eles, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade). É uma medida isolada, justificável pelo combate à burocratização excessiva? Ou empobrece a política de integração educacional dos deficientes, de defesa da acessibilidade, de eliminação de obstáculos arquitetônicos?

Os conselhos de defesa de direitos, a exemplo do Conselho Nacional de Defesa de direitos das pessoas com deficiência (Conade), tem origem na Constituição Federal, onde se depreende do Art 204 a necessidade de criação de mecanismos de controle sociais efetivos.

O artigo 204 inciso II estabelece a “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.

As organizações nacionais, a partir de 1988,  foram criadas para aglutinar entidades  e fortalecer a luta por direitos, através de interlocução direta  com o governo federal e os seus respectivos ministérios. A ineficácia de um conselho por determinado período, se for o caso, não justifica o seu fim. As organizações podem ser aprimoradas e otimizadas, a exemplo do Conade, pois a extinção implica diminuir mecanismos de controle social da sociedade civil organizada, que, por lei, tem a acessibilidade, em todas as suas formas, como direito fundamental.

É possível reverter esse quadro, evitando a extinção do Conade?

Importante frisar que há prazo de 60 dias para justificativa e fundamentação sobre a importância do Conade e dos demais conselhos, o que sugiro seja feito o quanto antes.

Não deixa de ser um momento de avaliação do trabalho desenvolvido, haja vista que o Conade deve estar a serviço das pessoas com deficiência e defender os direitos, assegurados pela CF, pelo Dec, executivo 6949/09 e pela lei 13.146/15, sem tréguas, colaborando diretamente pela igualdade e equiparação de direitos, para visibilidade, igualdade, qualidade de vida e equiparação de direitos. Todas as pessoas com deficiência, seja ela física, intelectual, mental, sensorial(cegos, surdos, surdo-cegos-, motora, psicossocial, enfim, todas elas devem ter assegurados os seus direitos fundamentais.

Outro ponto importante é que p governo federal não apresentou qualquer proposta e contrapartida, ou seja, como se dará a interlocução direta. Certo que as entidades continuam a existir e podem reivindicar direitos,  como já o fazem, contudo, sem um conselho que aglutine, se perde força.

Quanto aos gastos com diárias e passagens, ousaria dizer que é possível diminuir consideravelmente, desde que haja planejamento e vontade política para este fim, sem prejuízo da participação da sociedade, das entidades da sociedade civil organizada. Cada Conselho, no meu entendimento, precisa ser avaliado em separado, tanto em suas atribuições, quanto em seu orçamento. Cada um deles tem específidades e características próprias. Importante que o Conade apresente as suas razões, que aprimore e aprofunde o seu funcionamento, em prol das pessoas com deficiência, com foco nas menos favorecidas.

Além da extinção do Conade, que outras medidas o Governo Federal tomou em relação às pessoas com deficiência?

Que eu saiba, há previsão de consulta pública antes da edição de decretos que regulamentarão o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Neste momento não posso dizer o que foi feito, não tenho conhecimento.

Pontuo que o ensino domiciliar, anunciado dias atrás, poderá colocar pessoas com deficiência em situação de maior vulnerabilidade. A escola é espaço de aprendizagem, escuta e atenção para com os estudantes, é da escola que muitas vezes surgem e são reportados denúncias de todo tipo de violência, sem este olhar, crianças e adolescentes estarão invisibilizados. A defesa do espaço da educação como lugar adequado para o exercício da cidadania, em todos os lugares da escola, dentro e fora da sala de aula, onde crianças convivem com a sociedade/diversidade tem a mesma intensidade da preocupação com a saúde física e mental de crianças que passarão a permanecer em casa. 

A escola também é o único espaço de convivência para grande parte das pessoas com deficiência; a escola é o lugar onde a criança e o adolescente devem estar aprendendo uns com os outros, no exercício pleno da cidadania. Existe a omissão quanto ao AEE e como se daria com o ensino domiciliar e isso não pode ser desconsiderado.

Essa medida afetará as pessoas com deficiência mais pobres e as famílias com pouco acesso à informação, aos direitos e à justiça, que poderão ser mais facilmente público alvo para o ensino domiciliar.

A aposta no modelo das escolas cívico-militares traz alguma consequência para a meta da educação plenamente inclusiva? Há risco de adoção de padrões eugênicos que resultem em uma lógica excludente? Tem sido possível cumprir a legislação das cotas para pessoas com deficiência nos quadros de pessoal? E evitar um processo corporativista, em que as melhores escolas, contempladas com as maiores verbas e as atenções da administração central, priorizem os filhos de militares, policiais e bombeiros, como se tentou em Duque de Caxias?

Primeiro, não há Excelência se parte da sociedade for excluída, as pessoas com deficiência integram a sociedade. Seja em escolas militares ou não, é preciso que tenham acesso assegurado. Acredito que a transparência ajuda a evitar processos corporativistas. Ela não impede, mas, ajuda a coibir.

A aposta no modelo-cívico militar pode excluir pessoas com e sem deficiência. Boa parte das crianças e adolescentes pode não se adequar ao rigor do militarismo, isso não significa que parte das crianças e de responsáveis não queiram e nem possam se adequar. O rigor do modelo cívico-miliar não implica em política interna de não acolhimento, de compreensão com a idade fase, de oferta de ensino adequado, de falta ser cuidar  e de acessibilidade.

Como projeto modelo, não vejo problemas, como universalização do modelo, sim, já que escola não é Exército e as crianças não são obrigadas a seguir padrão de exercício. Na infância e adolescência acontece o desenvolvimento integral do ser humano, penso que este deveria ser o foco, sempre com zelo, ensino de qualidade e acolhimento, no paradigma do direito. Ao mesmo tempo que cantar o hino nacional é lei desde 2009 e, de fato, o hino é cantado na maioria das escolas, o que é importante e louvável, não há espaço para imposição de militarismo. Lógico que os pais que manifestam este desejo e cujos filhos se adaptarem são os primeiros elegíveis para essas escolas.

A oferta da Educação, expressa na CF do Art 205 ao 214, requer vontade política e bons gestores. Igualdade de condições para o acesso e permanência, respeito, validação, parceria escola-comunidade, monitoramento da relação ensino-aprendizagem, da oferta de AEE, em ambiente agradável e saudável. A escola é um espaço que reflete a sociedade, lugar onde se aprende Português, Matemática, História, Geografia, onde o sujeito se constrói como ser humano, onde se exercita e aprende respeito à diversidade, onde não cabe intolerância.

Educação inclusiva é para todas as pessoas e todas as escolas precisam ser inclusivas, como manda a lei; acolhedoras no paradigma do direito.

Por fim: o interesse da primeira-dama Michelle Bolsonaro pela integração dos surdos ao mundo do trabalho e às oportunidades de Educação abiru perspectivas novas para esse segmento? Houve avanço palpável no recrutamente, treinamento e oportunides para educadores bilíngues, que dominem Libras? Outros mecanismos, como o aprendizado da leitura labial e o controle da fala pelo tato e a assimilação de posições do aparelho fonador, ou os dispositivos eletrônicos de captação, como o Closed Caption, estão sendo incentivados em paralelo?

O que entendi até agora é que para as pessoas surdas teremos avanços, sejam surdos que falam por sinalizações ou oralizados. No entanto, essa tarefa não é apenas na educação. Crianças -  e famílias -  devem ter acesso a língua brasileira de sinais desde a mais tenra idade, atando a opção for pela sinalização. Da mesma forma, devem ter acesso ao implante coclear e aos recursos necessários quando a opção for pela paralisação, para isso, necessário o acesso à informação, as pessoas precisam ser informadas para decidir com propriedade e reivindicar seus direitos. 

Se não houver incentivo diretos e oferta de recursos nas escolas para surdos sinalizados, o controle social se fará ainda mais necessário, se não houver libras, necessário acionar o ministério público, reivindicar. É pela tensão que os direitos são assegurados e efetivados.

Sobre o Conade, um conselho paritário, há um importante papel a desempenhar,  para além do que é feito; há pessoas que aguardam pelo mínimo necessário para a garantia da dignidade inerente e, muito embora o momento seja pautado pelo binarismo, é necessário que todos colaborem para evitar mais exclusões, invisibilidade, o aumento da pobreza e a depressão profunda que o isolamento provoca, o custo da discriminação não é baixo e o governo precisa se planejar para inclusão social plena, para que a inserção no mercado de trabalho seja eficaz, e, antes disso, para que as crianças com deficiência estejam nas escolas, em todas elas.

Foram anos de caminhada para que as pessoas com deficiência passassem a ter um pouco mais de visibilidade e isso não pode ser perdido pelo isolamento, mesmo que inicialmente para muitos pareça mais confortável. Por fim, todas as ações devem ser pautadas pela CDPD, que é norma constitucional, e não podemos nos esquivar deste marco legal.

Não podemos nos esquivar de assegurar direitos às famílias compostas por pessoas com e sem deficiência, para todas as famílias. Se a sociedade civil não pode se esquivar, o Estado não deve.

Especialmente sobre o Conade, espero que siga firme em sua existência, que avalie suas atribuições e práticas. Que este seja um bom momento de reflexão e elaboração para todos os envolvidos, de alguma forma,  com a garantia dos direitos humanos de pessoas com e sem deficiência, pois, precisamos avançar; retroceder é desrespeitar os objetivos fundamentais da República.

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