Pesquisa aponta que das 175 representações de violência política de gênero e raça feitas no Brasil em dois anos e meio, apenas 12 (ou 7%) transformaram-se em ações penais eleitorais. “Dessas 12 ações, oito ainda estavam em fase de julgamento. Até agora, só houve duas sentenças, desde que a lei sobre violência política contra mulheres foi criada, em agosto de 2021, até janeiro deste ano”, afirma a diretora do Instituto Alziras, Michelle Ferreti, que coordenou a pesquisa. As duas sentenças, uma de condenação e outra de absolvição, são ainda passíveis de recurso.
Os dados estão no Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, do Instituto Alziras.“Nenhum processo ainda tinha transitado em julgado (não tinha percorrido todas as instâncias de julgamento). Então, a gente vê que há uma morosidade do próprio sistema de justiça em poder apurar, de fato, os casos e fazer a devida responsabilização dos atores”, diz a pesquisadora.
Ela contextualiza que os casos monitorados estavam sendo acompanhados pelo Grupo de Trabalho de Prevenção e Enfrentamento à Violência Política de Gênero do Ministério Público Federal. O estudo realizado pela organização social avalia que ainda são necessárias medidas urgentes para garantir eleições mais seguras para as mulheres, mesmo com a Lei de Violência Política de Gênero (Lei 14.192, de 2021).
Entre os casos analisados, todas as vítimas das ações penais ajuizadas eram mulheres eleitas, enquanto 92% dos acusados eram homens, dos quais 62% eram brancos. Além disso, metade dos episódios de violência ocorreu em ambiente parlamentar. “Isso chamou a nossa atenção: os casos que avançaram no sistema de justiça foram exclusivamente os casos de mulheres que já tinham mandato. Os processos das candidatas acabam tendo mais lentidão”, alertou a diretora do Instituto Alziras. Michelle Ferreti entende que os dados sugerem que a lei tem sido menos eficaz na proteção dessas mulheres sem mandato e, por isso, menos protegidas.
Michelle Ferreti argumenta que o problema relaciona-se com a dificuldade do acesso à justiça e que os casos que evoluem são de mulheres com mandato e em sua maioria (53%) de brancas. “O que também nos sugere que as mulheres negras, além de serem o maior grupo populacional do país, são as que sofrem as mais graves ameaças e são vítimas dos mais graves casos de violência política de gênero e raça”.
Outro alerta trazido pela pesquisadora é que haveria uma parcela importante de subnotificação dos casos de violência política de gênero e raça no Brasil. “As pessoas não sabem onde e como denunciar, seja porque elas também têm medo de fazer denúncia ou porque têm medo de retaliação”, pondera.
Mais um problema é que, dentre as notificações ao Ministério Público, haveria ainda um problema sobre a compreensão da lei pelos próprios atores e do sistema de justiça. “Muitos casos acabam saindo da esfera eleitoral e indo para a esfera civil porque são tratados como injúria ou difamação, e os crimes de violência política de gênero acabam sendo classificados de outra forma”, exemplifica.
O estudo identifica que no Brasil há uma cultura política de muita violência, sexista e racista, contra mulheres nos espaços de poder e tomada de decisão. “A gente também viu que em 30% dos casos essas violências se deram de forma virtual”, diz Michelle Ferreti. Para ela, a violência política é crime contra a democracia, já que haveria tentativa de silenciamento e interdição no debate. “A gente tem feito um esforço de reduzir essa subnotificação e, por outro lado, tentar avançar no sentido de fazer a formação dos atores para que haja uma apuração e uma responsabilização mais eficazes de possíveis acusados desse crime”.
Para denunciar casos de violência política, o Ministério Público Federal e o próprio Instituto Alziras (telefone 61.3771-1071) disponibilizam canais de denúncias.
Fonte: Agência Brasil