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A hanseníase tem cura e o preconceito também

Movimento busca trazer dignidade no tratamento de doença que afeta cerca de 30 mil brasileiros

Por Jonas Feliciano em 31/05/2019 às 17:10:52

Alunas do curso sobre hanseníase em Araripe-SE. Foto: Reprodução do Facebook de Faustino Pinto

De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), há cerca de 4 mil anos atrás, já havia registros da hanseníase em países como a China, a Índia e o Egito. Todavia, apenas no ano de 1873, o cientista Armauer Hansen isolou a bactéria pela primeira vez. Dessa descoberta surgiu nome da doença. Desde então, por muito tempo, a patologia conhecida popularmente como lepra se transformou em um sinônimo de isolamento e preconceito.

Anos se passaram e a cura virou uma realidade. Apesar disso, se a doença não for tratada corretamente ainda pode deixar sequelas. Hoje, os tratamentos são realizados gratuitamente em muitos hospitais públicos do país e do mundo. Por isso, é importante que os pacientes contaminados façam o diagnóstico correto e sejam devidamente orientados sobre o processo de recuperação.

Todos os anos, oficialmente, o Brasil registra 30 mil casos de hanseníase. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), somente em 2016, 143 países ao redor do mundo informaram 214,7 mil novos casos. Na ocasião, foram cerca de 25,2 mil brasileiros contaminados. Isso significa um índice de 12,2 doentes a cada 100 mil habitantes. Uma taxa elevada que colocou o país na segunda posição mundial entre aqueles que mais notificaram a enfermidade.

Para a dermatologista Sandra Durães, a hanseníase está presente principalmente nos locais onde a população é negligenciada. Isso explicaria a alta incidência da doença no Brasil.

"Em muitos lugares, as informações não chegam. Por este motivo, a hanseníase está tão forte nas periferias e em locais onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é baixo. Essa é uma medida importante, pois revela a evolução de fatores como educação, saúde e renda. Se nestes lugares a taxa da doença é alta, precisamos prestar mais atenção nos dados e entender as demandas de cada região para aplicarmos a ações corretas", explicou a médica.

Ela ainda ressaltou outros aspectos como os fatores biológicos. Sandra destacou que, muitas vezes, o bacilo demora um tempo para se desenvolver. Um período de incubação que pode durar de 3 a 7 anos. Neste contexto, é possível que a maior parte das pessoas entre em contato, mas não desenvolvam a doença. Dessa maneira, nem todas seriam consideradas contagiantes.

A especialista, que é integrante da Sociedade Brasileira de Dermatologia, também chamou a atenção para os projetos desenvolvidos pela entidade com o objetivo de prevenir e oferecer informações ao público.

"Desde 2016, existe a campanha "Janeiro Roxo" que trabalha temas ligados à Hanseníase. De uns anos para cá, também promovemos estratégias que pretendem descentralizar o atendimento. Desse modo, treinamos médicos do atendimento básico para capacitá-los na identificação do bacilo. O dermatologista treina as equipes, mas a rotatividade no serviço público acaba sendo um obstáculo. Ainda sim, fazemos o nosso papel. Além do mais, já faz parte do currículo dos dermatologistas uma disciplina sobre a enfermidade. Bem como, simpósios e congressos para discutirmos alternativas de tratamentos e pesquisas na área", informou Sandra.

O trabalho do Ministério da Saúde


Imagem: Ministério da Saúde/2014


De acordo com a pasta, é oferecido por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o tratamento e a prevenção à hanseníase. Nos últimos anos, em parceria com estados, municípios e instituições parceiras, o ministério vem intensificando a promoção de ações estratégicas para o enfrentamento da hanseníase no Brasil.

As ações têm como objetivo a redução dacarga da doença. Elas se baseiam na busca ativa de casos para o diagnóstico precoce, o tratamento oportuno, na prevenção de incapacidades físicas e na investigação dos contatos como forma de interrupção da cadeia de transmissão, na vigilância dos eventos pós-alta, além da promoção de campanhas que ampliem as informações sobre os sinais e sintomas da doença, favorecendo o combate ao estigma e à discriminação às pessoas acometidas e a seus familiares.

Ainda segundo a instituição, em 2017, o país registrou um total de 26.875 casos novos (CN) da doença, em todas as Unidades Federadas. Os três estados que maiores índices foram: Mato Grosso (3.452 CN), Maranhão (3.115 CN) e Pará (2.598 CN). Os resultados finais relativos ao ano de 2018 ainda estão em consolidação.

O tratamento é feito pelo SUS com a poliquimioterapia (PQT) sendo realizado em regime ambulatorial, podendo ser de seis ou 12 meses, dependendo da forma clínica e da classificação operacional. Entretanto, é preciso que ele seja feito até ao final para ser eficaz. Quanto maiscedo for iniciado, melhores serão os resultados, sem sequelas significativas.

Todos os anos, em parceria com estados e municípios, acontece a"Campanha do Dia Mundial de Luta contra a Hanseníase" ea "Campanha Nacional para Hanseníase, Verminoses, Tracoma e Esquistossomose em escolares", que tem como intuito a busca ativa de casos para diagnóstico precoce, com a utilização da ficha de autoimagem que contempla sinais e sintomas sugestivos da doença em escolares matriculados no ensino fundamental de escolas públicas, com a faixa etária de 5 a 14 anos.

O projeto "Abordagens Inovadoras para intensificar esforços para um Brasil livre da Hanseníase",também é promovido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) e apoio da Fundação NIPPON, do Japão. Já foi implementado em 20 municípios localizados nos Estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Tocantins. Ele iniciou em 2017 e terá duração de três anos.

Seu objetivo geral é reduzir a carga de hanseníase nos municípios selecionados, ampliar a detecção de novos casos, promover a educação permanente para os profissionais da Atenção Primária à Saúde, fortalecer os centros de referência, aumentar e qualificar a descentralização do programa, reduzir a proporção de outros casos por meio do diagnóstico precoce e ações de prevenção de incapacidades, promover a prevenção do estigma e da discriminação contra as pessoas acometidas pela Hanseníase na comunidade, bem como empoderar a população sobre as questões relacionadas à doença.

Além disso, o Ministério da Saúde também promove oProjeto "Roda-Hans: Carreta da Saúde Hanseníase", quebusca capacitar em diagnóstico e o manejo clínico dos profissionais de saúde que atuam na Atenção Básica dos municípios selecionados, cuja escolha é feita por adesão, pelos estados participantes.Ele foi elaborado em 2018 e ocorreu no período de nove de abril a 12 de dezembro, em 82 municípios de cinco estados brasileiros contemplados com o roteiro da carreta. Entre eles estavam Piauí, Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais.

A pasta apontou que, nesse ciclo, cerca de 1.900 profissionais de saúde foram capacitados.. Aproximadamente 10.400 atendimentos realizados, 559 casos novos foram diagnosticados, sendo 18 (3,2%) em menores de 15 anos. Para a etapa do Projeto a ser realizada em 2019, foram selecionados mais seis estados: Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, seguindo uma programação pré-definida.

Desse modo, a pasta busca inovar e aperfeiçoar as ações de saúde no país. E assim, está finalizando, após passar por consulta pública, a "Estratégia Nacional para o Enfrentamento da Hanseníase: 2019-2022"norteada pela"Estratégia Global Hanseníase 2016-2020proposta pela OMS".O documento deve propor ações para a redução da carga da doença no Brasil e subsidiar o desenvolvimento de ações em todo o país, cabendo aos estados e municípios elaborar suas ações baseadas na estratégia nacional por meio das suas especificidades locais.

A luta contra o preconceito

Ativista Faustino Pinto. Foto: Arquivo pessoal

Atualmente, Faustino Pinto é voluntário e o vice-presidente do MORHAN (Movimento de Reintegração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase). Ele conta que seu primeiro contato com a doença ocorreu quando tinha nove anos. Na ocasião, apareceram algumas manchas em suas costas. Como o conhecimento da família não era aprofundado, a sua mãe achou que era "verme" e por muito tempo o menino acabou tomando diversas medicações que não eram adequadas ao tratamento.

"Era uma busca interminável para encontrar um diagnóstico. Apesar de tomar muitos remédios, aquelas manchas não sumiam. Meus pais procuravam os serviços de saúde e nada mudava. Fiquei internado várias vezes e isso roubou um pouco da minha infância. Afinal, eu vivia fazendo tratamentos e ninguém descobria nada", relatou Faustino.

Ele também disse que não lembra de ter tido contato com pessoas com manchas na pele. Isso porque, a sua criação era rígida e raramente havia a oportunidade de brincar com outras crianças ou na rua. Por isso, até hoje, não sabe como contraiu a patologia.

"Alguns profissionais de saúde culpam as pessoas por acharem que elas não procuraram ajuda no momento certo. Contudo, os meus pais são uma exceção nesta história. Eles procuraram inúmeros lugares, mas ninguém deu uma resposta satisfatória para o problema. Foi preciso enfrentar muita coisa até me tornar em um militante na causa contra o preconceito e a discriminação dos portadores da hanseníase", afirmou.

Aos 12 anos, outros nódulos surgiram na pele de Faustino. Foi então que em uma consulta com um médico conhecido, ele acabou sendo inicialmente diagnosticado como sífilis, o que não era real. Aos 14 anos, passou a viajar por quatro anos a capital Fortaleza tentando um tratamento correto.

"Eu e meu pai visitamos uma lista gigante de locais. Ficávamos na casa dos outros. O dinheiro era curto. A gente ia todos os meses do ano. Não era raro ficar sem grana. Passamos por situações constrangedoras, aguentamos muitas humilhações por isso. Foram muitos médicos sem respostas. Clínicas públicas e particulares. Cruzamos Fortaleza a pé. Mas somente quando eu tinha 18 anos, descobrimos a hanseníase".

Ele explicou que foi um otorrinolaringologista o primeiro a cogitar o diagnóstico. O especialista se baseou em uma campanha do Ministério da Saúde que era divulgada na época. A suspeição deste médico levou Faustino ao tratamento correto.

Depois de tudo, o sofrimento e a falta de informação foram fundamentais para conscientizar o paciente curado. Ele aprendeu e tem se empenhado como um ativista incansável. Agora, Faustino Pinto e Arthur Custódio, o coordenador geral, são os principais nomes do MORHAN. Um projeto social que nasceu no ano de 1981 e que segue firme na luta contra à discriminação e prevalência da hanseníase.

Em quase 40 anos de vida, o MORHAN já obteve grandes conquistas. Entre elas estão o fim da utilização do termo lepra para identificar a doença e a criação da Cartilha Hanseníase e Direitos Humanos: Direitos e Deveres dos Usuários do SUS. Hoje, o movimento conta com aproximadamente 1.500 voluntários espalhados em todo território nacional.

Porém, Arthur Custódio acredita que faltam muitos detalhes para que o país atinja um patamar satisfatório no que diz respeito as ações voltadas para o tema.

"Ainda falta bastante para melhorar. A hanseníane é negligenciada pelos governos e pouco falada pelos médicos. As verbas de pesquisa são razoáveis bem como os investimentos. Desse modo, o cenário é de pouca visibilidade e muito preconceito institucional. Mesmo nos dias de hoje, ainda nos deparamos com instituições que exigem exame de hanseníase para admissão em concurso público, por exemplo. É preciso avançar, sempre", lamentou o coordenador.

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